Haifa Al-Kassar tem 20 anos de idade e um piercing na narina direita. Filha de pais sírios, nasceu em Londres e estuda marketing. Na quarta-feira 5, ela aguardava num ponto de Oxford Street, no coração da cidade, o ônibus que a levaria à faculdade. Induzida a comentar a estátua de braços abertos diante de seus olhos, foi direto ao ponto: ?Não sei do que se trata, mas é bonito e estranho?. Será impressão dividida com outros milhares de londrinos que passarem à frente da Selfridges, o supermagazine fundado em 1909 e recentemente
vendido a um canadense por US$ 1 bilhão.

 

Ao longo do mês de maio uma réplica de 14 metros de altura do Cristo Redentor, feita de espuma e fibra de vidro pelo artista plástico Abel Gomes, transportara os consumidores ao símbolo maior do Rio de Janeiro, o colosso de pedra sabão e 32 metros. É, na alegoria inglesa, no ?Christ the Redeemer?, o marco de um evento comercial promovido pela Selfridges, pela Agência de Promoções de Exportação do Brasil, a Apex, e pela embaixada brasileira ? o ?Brasil 40 Graus?. São 600 produtos, de sandálias a cachaça, de vestidos a lingerie, de móveis a bijuteria. Terá samba e funk, Otto e Eletrosamba, desfiles de moda nas escadas rolantes e as passistas da Beija-Flor. ?Não há Cristo que não saiba estar numa promoção do Brasil, inclusive aquele do lado de fora, na fachada da loja?, diz o ministro Luiz Fernando Furlan, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. O Cristo da rua tem a mão direita apontando para a Duke Street. A esquerda, para a North Audley Street. Olha para a Balderton Street, como se mirasse a zona norte do Rio. Às suas costas, tal qual a zona sul carioca, logo à entrada da Selfridges, há um painel do artista Vic Muniz com uma foto do presidente Lula. A cercá-lo, há um estande Yves Saint-Laurent e um outro dos cosméticos Mac. Bem-vindo ao Brasil para inglês ver ? e comprar.

 

A Apex investiu R$ 2 milhões na iniciativa. A Selfridges desembolsou 15 milhões de euros em mídia e comprou US$ 4 milhões em produtos. Os ingleses fizeram boa aposta. Apenas em jóias, adquiridas por US$ 280 mil, arrecadarão US$ 850 mil. Cobram 15 libras, o equivalente a R$ 75, pelo par de sandálias Havaianas que no Brasil não passa de R$ 15. Um quindim sai por 1,75 libra. Todo esse investimento é pouco se comparado aos US$ 1,6 bilhão exportados pelo Brasil para a Europa em 2003. ?É um ótimo negócio para os empresários brasileiros, excelente para a Selfridges, mas isso não é tudo?, diz Juan Quirós, presidente da Apex. ? Trata-se de reforçar a marca Brasil.? Carlos Ferreirinha, consultor do mercado de luxo e um dos organizadores do evento, faz coro. ?A Inglaterra sempre exportou moda e comportamento, das minissaias Mary Quant aos Beatles?, diz. ?Agora invertemos esse jogo.?

Um passeio pela Selfridges verde-amarela, ímã de uma programação que inclui filmes e uma mostra de Cândido Portinari, traz uma certeza e uma indagação. A certeza: o Brasil vende quando é bem apresentado. A indagação: como fugir do lugar-comum, do batido preconceito regido pelo trio futebol-música-mulher? Furlan toca na ferida. ?Samba, Pelé e Café formam uma bela imagem do Brasil, mas não podemos ficar
apenas nela?, diz. ?Os sambistas são outros, jovens, Pelé abandonou o futebol há 30 anos e o café é apenas o 12º produto com maior exportação?. A vastidão de ofertas brasileiras na Selfridges ajuda, sim, a reduzir o atávico chavão. Mas é impossível eliminá-lo, até porque uma exposição inglesa no Brasil mostraria soldados da rainha, o chá das cinco, fog e chuva. O fog já não existe ? embora a
chuva tenha caído durante a semana, só para confirmar o pré-julgamento de mão invertida.

AULAS DE SEDUÇÃO
A mineira Vanessa Selem
ensina a andar como a Garota
de Ipanema, cheia de graça
Como se tratava de seduzir os ingleses, uma empresa de lingerie sexy com fabricação em Belo Horizonte e venda pela internet, Madame V, pegou um atalho. Montou um canto com cama redonda e espelho, como num motel, e ali anunciava ?aulas de sedução?. Ensinava, por exemplo, as inglesas a caminhar como a Garota de Ipanema, cheia de graça. ?A mulher brasileira não tem medo de ser feminina, então não há por que esconder isso?, diz Vanessa Senem, de 30 anos, dona da Madame V. As aulas são calmas, sem exagero, sem apelação ? mas serviram, claro, para ampliar na imprensa londrina o retrato do Brasil sensual, quase sexual. Atentos a isso, ao risco do rótulo reducionista, os organizadores do mês brasileiro tentaram, silenciosa-
mente, tirar o destaque de Madame V na Selfridges. Não conseguiram. Mas a isolaram num espaço, no terceiro andar, cercado por cortinas. ?O segredo é usarmos o estereótipo, inescapável e compreensível, para criar algo novo e criativo a partir dele?, diz Ferreirinha. ?Até porque não há como apagá-lo de vez.? É missão complicada, porque há chavões que se eternizam. No venerando Dicionario Oxford a expressão brazilian aparece, além de brasileiro, como ? estilo de depilação no qual todos os pelos pubianos da mulher são retirados, permanecendo apenas uma pequena faixa central?. É referência ao brazilian wax, um modismo nos Estados Unidos e na Europa ? a depilação máxima para não ficar feio com biquínis mínimos.

CAMPEÕES DE VENDAS
Os motores de explosão para automóveis (US$ 204 milhões),
a soja (US$ 136 milhões) e os óleos de petróleo (US$ 126
milhões) lideram as exportações brasileiras para o Reino
Unido. Mas há produtos manufaturados, de consumo
direto, entre os mais vendidos ? em 2003

Sapatos de couro US$ 65 milhões
Miúdos de frango US$ 64 milhões
Botas de couro US$ 37 milhões
Suco de laranja US$ 35 milhões
Móveis para quarto US$ 33 milhões
Folhas de papel US$ 24 milhões

Total das exportações
US$ 1,9 bilhão
Fonte: Secretaria de Comércio Exterior

 

A FORÇA DOS CALÇADOS

Há um produto brasileiro de salto alto ? e a ele é permitido essa postura porque o sucesso comercial no exterior o transformou em estrela. É o calçado. Os sapatos brasileiros arrecadaram, em 2003, US$ 1,5 bilhão, com 188 milhões de pares vendidos em todo o mundo. Apenas no Reino Unido foram negociados US$ 105 milhões e 7,6 milhões de pares. Os Estados Unidos lideram, com US$ 995 milhões. ?É o reconhecimento da qualidade do produto e de sua crescente competitividade interna-
cional?, diz Heitor Klein, gerente-geral do Brazilian Footwear da Associação Brasileira das Indústrias de Calcados. Esse reconhe-
cimento vai dos modelos em couro, refinados (os pretos são os preferidos pelos ingleses) à quase devoção destinada às Havaianas.

Vendidas na Selfridges por 15 libras, num valor sete vezes superior ao que se paga no Brasil, viraram coqueluche. O exorbitante preço na etiqueta justifica a interminável fila de uma hora, ou mais, no baile funk que inaugurou o mês em Londres, realizado na garagem da Selfridges. Ao final da espera, em troca de um vale, os felizardos re-
cebiam uma legítima Havaiana. ?Mesmo pagando ficaria na fila?, diz a italiana Cecilia Pasqua, importadora de vinhos. ?De graça, então…?.