O Rio de Janeiro poderá mostrar seu melhor lado novamente a partir de domingo. Durante dois dias, a cidade receberá uma série de chefes de Estado para a cúpula do Brics. Ou melhor: a cúpula do BIS. Porque o “R” de Brics está faltando depois que o presidente russo, Vladimir Putin, descartou sua presença na reunião por medo. Ele teme que o mandado de prisão emitido pelo Tribunal Penal Internacional(TPI) por causa da deportação de crianças ucranianas pudesse ser executado pela Justiça brasileira. Lula não pôde lhe dar uma garantia de que ele estaria seguro no Rio.

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Mas o “C” também estará faltando. O presidente da China, Xi Jinping, também não virá. É a primeira vez que ele não participa de uma cúpula do Brics. De acordo com a imprensa chinesa, problemas com sua agenda levaram ao cancelamento. Além disso, Xi já esteve com Lula há apenas algumas semanas. No entanto, há uma grande especulação sobre o que realmente está por trás do surpreendente cancelamento.

Seria o jantar especial que Lula quer conceder ao primeiro-ministro indiano, Narendra Modi? Ou existem divergências mais profundas entre o Brasil e a China? Ao contrário de muitos outros países latino-americanos, o Brasil não aderiu à Iniciativa Cinturão e Rota (BRI) da China, também conhecida como Nova Rota da Seda. E Brasília também não ficou muito feliz com a ampliação do grupo no início de 2024, que diminuiu o papel do Brasil no Brics.

Agora, os dois chefes de Estado mais importantes do grupo estão ausentes. Seria como uma cúpula do G7 sem a Alemanha e os EUA. Lula já teve má sorte na cúpula do G20, realizada no Rio de Janeiro no final do ano passado. Poucos dias antes, Donald Trump havia vencido as eleições nos Estados Unidos e a coalizão de governo na Alemanha havia sido derrubada, o que colocou, com Joe Biden e Olaf Scholz, dois patos mancos na foto oficial.

Também não havia muito a noticiar sobre essa cúpula em termos de conteúdo. Ou alguém já ouviu desde então alguma coisa sobre a implementação do imposto global sobre os super-ricos que foi decidida na ocasião?

Ambições na política externa

As ambições de política externa de Lula para seu terceiro mandato eram grandes. Ele queria combater a fome, as mudanças climáticas e reformar organizações internacionais, como o Conselho de Segurança da ONU, para finalmente dar ao chamado Sul Global o lugar que ele merece no cenário mundial.

Mas estes são tempos ruins para essa agenda. Os elefantes na sala são grandes demais: a guerra na Ucrânia, o conflito no Oriente Médio e a guerra tarifária e comercial de Donald Trump. Uma delegação iraniana – seja com o presidente Massud Peseshkian ou não – também é esperada no Rio neste domingo. É provável que isso coloque em pauta os ataques de Israel e dos EUA às instalações nucleares do Irã.

Será um ato de equilíbrio para Lula. Transformar o Brics em um adversário geopolítico do Ocidente, como querem a China e a Rússia, não é do interesse do Brasil, que tradicionalmente se vê como um mediador neutro entre os blocos, com os quais deseja ter as melhores relações possíveis. E Lula quer uma cooperação econômica mais próxima com este grupo Brics, ampliado no início de 2024.

Ao mesmo tempo, porém, o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia (UE) está no topo da lista de prioridades de Lula. Ele é muito mais concreto do que as relações ainda não regulamentadas no âmbito do Brics. Também não pode ser do interesse de Lula que posições fortes sejam tomadas na cúpula com relação às ameaças de tarifas de Trump. Pois até o momento, Lula conseguiu manter a atenção de Trump longe do Brasil. Ao contrário do México ou da Colômbia, o Brasil ainda não entrou na mira de Trump.

Evitando ruídos

Lula também terá o cuidado de não entrar em grande conflito com a posição americana em relação ao Irã. Afinal, seu posicionamento infeliz na guerra da Ucrânia já assustou muitos no Ocidente: primeiro ele culpou a Ucrânia e seu presidente, Volodimir Zelenski, pela guerra de agressão da Rússia, depois apareceu ao lado de Putin em seu desfile de vitória na Praça Vermelha em maio.

Provavelmente também não é do interesse da diplomacia brasileira se entrepor a EUA e outros países ocidentais no que diz respeito à questão do Irã.

Portanto, Lula deve ignorar os grandes elefantes na sala e levar adiante sua agenda socioecológica. Ele poderia marcar pontos com esses assuntos que lhe são caros sem aumentar sua distância do Ocidente. Desde que a agenda de Lula possa despertar o interesse dos participantes, apesar das múltiplas crises. Mas pelo menos uma coisa é certa: uma bela foto oficial com a paisagem de sonho do Rio de Janeiro ao fundo não irá faltar.

*Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há mais de 25 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, desde então, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há doze anos.