16/04/2010 - 6:00
Eram 21h30 da quinta-feira 15, quando o presidente Lula desceu as escadarias do Itamaraty com os colegas chinês, russo e indiano para anunciar os resultados da segunda reunião de cúpula dos BRICs ? a primeira realizada no País. ?Brasil, Rússia, Índia e China têm papel fundamental a desempenhar na construção de uma nova ordem internacional, mais justa e representativa?, afirmou o presidente. Ele também se disse cansado, depois de uma maratona de reuniões que deveria ter durado dois dias.
O encontro foi encurtado para que o presidente chinês Hu Jintao voltasse mais cedo para casa para amparar as vítimas do terremoto em Qindghai, que matou mais de 760 pessoas. Como saldo final, apenas um acordo de cooperação entre os bancos de fomento dos quatro países, incluindo o BNDES, para o financiamento de projetos comuns. Além disso, prometeu-se a publicação de um livro de estatísticas sobre os quatro países e a promessa de que ele será atualizado a cada ano. Pouco para um bloco que pretende se impor como porta-voz de uma era econômica, liderada pelos emergentes.
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Criado em 2001 pelo economista Jim O’Neill, do banco Goldman Sachs, o conceito dos BRICs já deixou de ser apenas uma sigla num relatório de banco. Juntas, as quatro economias representam 16% do PIB mundial. Mais do que isso, são as que mais contribuem para a expansão da riqueza global. Atentas ao fenômeno, empresas dos quatro países aproveitaram o encontro para assinar protocolos de cooperação. Só entre Brasil e China, foram 11 contratos, totalizando US$ 432 milhões.
O maior deles, de US$ 280 milhões, foi firmado entre a CSN e a Cisdi Engenharia. A chinesa Sinopec, que no ano passado fez um acordo de US$ 10 bilhões com a Petrobras, revelou que terá participação acionária em dois blocos petrolíferos da estatal. A Wisco assinou acordo com o grupo EBX, de Eike Batista, para parceria no Porto de Açu. Além disso, o China Development Bank deve liberar uma linha de crédito de US$ 1 bilhão para a Oi, para a compra de equipamentos da chinesa Huawei.
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Do ponto de vista diplomático, os avanços foram mais modestos. ?Vejo o encontro como um grande fator de pressão para que o mundo desenvolvido permita a necessária aceleração nas reformas do FMI, do Banco Mundial e da ONU. Fora isso, não está claro o que os países podem alcançar?, disse Jim O’Neill à DINHEIRO. ?Os BRICs são mais do que uma sigla, mas estão longe de ser um bloco?, reforça o presidente do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, Márcio Pochmann.
Ele reconhece que os quatro países ?têm mais assimetrias do que simetrias? do ponto de vista econômico, mas diz que ainda assim é possível construir um espaço político para atuação conjunta. Espaço que já está sendo buscado na elaboração de uma agenda de interesse comum para levar a outros foros, como a reunião de primavera do FMI e do Banco Mundial, em Washington, nesta semana. Os quatro países querem pressionar os países ricos a reformar as instituições, dando mais poder aos emergentes.
?A crise foi boa para os BRICs, porque os forçou a se tornarem menos dependentes dos Estados Unidos e mais dependentes deles mesmos, o que é ótimo?, diz O’Neill. Esse movimento fica claro no destino das exportações brasileiras. Enquanto a participação dos Estados Unidos caiu de 18% para 10,2% entre 2006 e 2009, a da China aumentou de 6,1% para 13,25%.
O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, prevê que o comércio entre os BRICs deve subir dos US$ 50 bilhões registrados no ano passado para pelo menos US$ 60 bilhões neste ano. O problema é que 70% do fluxo se deu com a China. ?Com Rússia e Índia, nossos interesses ainda são muito heterogêneos?, afirma Eduardo Viola, professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. Mesmo com a China, maior parceiro comercial brasileiro, o País tem uma relação complementar nos mercados de commodities minerais e agrícolas, e de competição no setor industrial, com empresas dos dois países disputando o mercado doméstico e a exportação para outros países.
Até os diplomatas que participaram da cúpula dosaram o otimismo. Por exemplo, o embaixador indiano no Brasil, B. S. Prakash, que foi realista sobre os limites da atuação conjunta. ?Não sei se vai haver o estabelecimento de uma direção comum para os quatro países?, afirmou à DINHEIRO. Ele lembra que os quatro países têm sistemas políticos pouco similares.
Uma das diferenças, lembra o embaixador, é o fato de China e Rússia serem membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, enquanto Brasil e Índia apenas reivindicam um lugar no órgão. A consolidação de um maior espaço político para o grupo também esbarra nas barreiras da vida real. A participação do presidente Lula na conferência sobre armas nucleares promovida em Washington pelo presidente Barack Obama evidenciou tais limites.
Lula chegou ao encontro disposto a convencer Obama a dar mais tempo ao Irã e viu a formação de um consenso pela aprovação de sanções econômicas contra o país persa por perseguir um programa nuclear que, cada vez mais, parece levar à construção de uma bomba atômica. Enquanto 47 líderes mundiais se reuniam em Washington, circulavam pelas agências as fotos de um sorridente Miguel Jorge, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, ao lado do presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad.
Ele visitou o país acompanhado de mais de 80 empresários brasileiros interessados em fazer negócios com os persas ? ignorando as sanções que já existem e podem endurecer ainda mais nas próximas semanas. Por um azar, é possível que isso aconteça justamente durante a viagem do presidente Lula ao país, em meados de maio.