13/06/2007 - 7:00
OS EMPRESÁRIOS EM 2004: aperto de mãos ao selar a união
Foi um casamento rápido depois de um namoro longo. Houve as tradicionais juras de amor iniciais, altos e baixos na convivência cotidiana até que tudo culminou com um processo de divórcio litigioso. Um dos maiores negócios do varejo brasileiro, que envolveu duas das mais importantes personalidades do setor, foi parar num tribunal e deve ficar lá por algum tempo. Abílio Diniz, 70 anos, e Arthur Sendas, 71, engalfinharam-se numa intricada disputa societária cuja solução está nas mãos de três representantes de um tribunal de arbitragem do Rio de Janeiro. Em jogo está o futuro da Sendas Distribuidora, uma associação do grupo Pão de Açúcar com a família Sendas, cada lado com 42,57% do capital. Sob o guardachuva da empresa estão 62 supermercados espalhados pelo Estado do Rio de Janeiro, responsáveis por um faturamento de R$ 1,3 bilhão. O trio de árbitros terá a missão de resolver a seguinte questão: a família Sendas quer exercer a opção de venda de sua participação na Sendas para o Pão de Açúcar, prevista no contrato de criação da jointventure em 2004. Abílio Diniz acha que não tem obrigação de comprar. A briga foi parar na Câmara de Conciliação e Arbitragem da FGV (Fundação Getúlio Vargas), um recurso extrajudicial pouco utilizado no Brasil, mas comum em países como França e Inglaterra.
Abílio e o ?seu Arthur?, como Sendas é conhecido, não devem se encontrar. Duas equipes de advogados representam as partes. No último encontro público dos dois há quatro anos, quando o Pão de Açúcar anunciou uma parceria com a Sendas, houve troca de gentilezas, apertos de mão e até lágrimas. Seu Arthur e Abílio têm alguns traços de personalidade semelhantes e outros, muito diferentes. Ambos são empresários que ?colocam a mão na massa?. Sendas é um homem emotivo e carismático. Abílio cultivou durante anos a imagem de autosuficiência e frieza, traduzida por muitos como arrogância. Nos últimos anos, porém, tornou-se mais humilde e menos autocentrado, como ele próprio se define, e incorporou uma religiosidade pouco visível tempos atrás. Seu Arthur começou aos 16 anos a ajudar o pai, o comendador Manoel Sendas, no Armazém Transmontano, em São João de Meriti (RJ), inaugurado em 1924 pela família. Em 1960, aos 25 anos, abriu a primeira loja com a bandeira Sendas. Já Abílio, filho de Valentim dos Santos Diniz, imigrante português dono de doceria, ingressou na empresa do pai aos 20 anos, como gerente de vendas, após se formar em administração de empresas na FGV. Em 1959, fundou o primeiro supermercado do grupo, em São Paulo. Abílio possui no currículo a recuperação do grupo Pão de Açúcar depois de uma crise que quase o levou à bancarrota na década de 90.
Sendas e Diniz são grandes operadores, mas adotaram estratégias opostas. Abílio profissionalizou a gestão, diversificou o modelo de lojas e protegeu o seu negócio ao vender parte do grupo para a rede francesa Casino, em 2004, por US$ 530 milhões. Já Sendas manteve a bandeira, sem ampliar a área de atuação, e continuou a explorar um único figurino de supermercados. Nos últimos anos, a recente onda de aquisições no comércio varejista espremeu a empresa num mercado cada vez mais concentrado. Era preciso tomar um novo rumo e aí a parceria com Abílio aconteceu. ?Abílio foi mais atuante, mais agressivo?, diz um ex-executivo da Sendas que hoje trabalha para o Pão de Açúcar. Na vida pessoal, há outras semelhanças. Torcedores fanáticos (Abílio é são-paulino doente e seu Arthur, vascaíno roxo), ambos são carolas de carterinha e esportistas convictos. Abílio trata os exercícios físicos como sacerdócio e diz que conversa com Santa Rita, sua padroeira. Seu Arthur tem altar com imagens de São Judas e São Sebastião em seu escritório. Durante anos, manteve uma rotina de atleta profissional, correndo de sete a oito quilômetros em dias alternados. Agora, reduziu o ritmo.
Passados quase quatro anos de parceria, a relação entre os dois continua ?muito tranqüila?, segundo amigos em comum. Talvez porque os contatos sejam esporádicos. Nada disso impediu que seu Arthur entrasse com o pedido de instauração de arbitragem em outubro de 2006. O conflito entre as partes é de natureza jurídica. O acordo de acionistas, assinado no momento da criação da Sendas Distribuidora, dava à família o direito de vender sua participação para o Pão de Açúcar caso ocorresse alguma mudança de controle acionário no grupo de Abílio nos anos seguintes. Sendas acredita que essa mudança aconteceu em maio de 2005. Naquele mês, Abílio e o grupo francês Casino decidiram criar uma nova holding com 65,6% das ações com direito a voto do grupo Pão de Açúcar. Metade do controle dessa holding ficou com o Pão de Açúcar e a outra metade, com o Casino. Para Arthur Sendas, isso caracteriza uma alteração no controle acionário do negócio e, assim, a família poderia exercer a opção de venda. O Pão de Açúcar discorda. ?Nós não entendemos desse jeito. O que houve na operação com o Casino foi o compartilhamento de controle, e não uma transferência de controle?, diz Enéas Pestana, diretor financeiro do grupo Pão de Açúcar. ?Entre nós, não há briga, não há disputa. É uma negociação como tantas outras.? Se ficar com a totalidade da rede Sendas, o Pão de Açúcar será dono de uma cadeia com faturamento em queda há anos, numa região em que a empresa sempre teve dificuldades em se firmar, o Rio de Janeiro. A bandeira Sendas apareceu como uma solução na época, mas ela nunca deixou de ser uma operação deficitária. Por que, então, assumir 100% do problema?
LOJA DO SENDAS: o Pão de Açúcar esperava ter uma base sólida no RJ. Não deu certo
A Câmara foi instaurada com três árbitros escolhidos pelas partes e pela FGV e pode demorar até um ano para declarar o vencedor, segundo apurou DINHEIRO. O advogado Marcelo Ferro e o escritório de advocacia Mattos Filho representam Abílio. Quem responde por Sendas é a banca Alves, Vieira e Lopes Advogados. As redes varejistas são obrigadas a seguir aquilo que a câmara determinar. Não podem recorrer à Justiça, caso considerem que a sentença não lhes foi favorável. Ao mesmo tempo, Sendas já tomou outra decisão, baseada num item do acordo de acionistas assinado entre as partes no momento da criação da Sendas Distribuidora. A família quer trocar as ações integralizadas que tem na empresa por papéis preferenciais do grupo Pão de Açúcar. A Sendas possui 23,65% do capital em ações integralizadas. Pelo contrato, a troca total ou parcial poderia ser pedida a partir de fevereiro de 2007. ?Já contávamos com essa possibilidade e estamos discutindo a questão?, diz Pestana. Enfim, a quedade- braço continua.