Olá, pessoal! Tudo bem? O Plano Real completará 27 anos em 2021. Para os mais experientes, que vivenciaram o período da hiperinflação, se trata de um longo período sem se preocupar com a alucinante remarcação de preços nos supermercados. A vitória definitiva contra o dragão inflacionário, no entanto, ainda não ocorreu. No governo Dilma Rousseff, por exemplo, o Brasil registrou uma inflação oficial (IPCA) um pouco acima de 10%, em 2015. E agora, num ano de recessão histórica, o IGP-M roda num patamar acima de 20%. Por quê?

Existe uma regra básica na economia: a lei da oferta e da demanda. Se a demanda é maior que a oferta, os preços sobem e vice-versa. Vimos isso acontecer nesta pandemia em alguns segmentos, como o de materiais de construção. A procura por tijolos & cia disparou no Nordeste graças à renda gerada pelo auxílio emergencial. Essa inflação não é tão preocupante e tende a se dissipar por dois motivos: a oferta de produtos deve crescer (as empresas percebem a oportunidade) e a renda certamente cairá por conta do fim do auxílio emergencial. Não vejo, assim, motivo para o Banco Central agir imediatamente (leia-se: subir juros), embora deva fazê-lo ao longo do ano que vem.

Há outras pressões pontuais na inflação oficial (IPCA), como a alta na tarifa de energia, devido à falta de chuvas (bandeira vermelha), e a disparada no preço do arroz, por conta de uma colheita menor. Nada, portanto, que leve o Banco Central a ficar aterrorizado. Por ora, o mercado financeiro projeta IPCA a 4,35% neste ano, um pouco acima do centro da meta de 4%, e IPCA a 3,34% em 2021, abaixo do centro da meta de 3,75%. São bons números, mas esse mesmo mercado projetava uma inflação abaixo de 2% em 2020 há alguns meses, no auge da pandemia.

Há, no entanto, um indicador que merece atenção. Conforme já mencionei, o IGP-M, famoso por reajustar diversos contratos, como os de aluguéis e pedágios, está acima de 20%, e deve encerrar o ano perto de 25%. Essa elevação absurda tem várias explicações. Em primeiro lugar, é preciso entender que o IGP-M tem 60% da sua composição atrelada aos preços no atacado, com forte influência do dólar e dos preços das commodities agrícolas e minerais no mercado internacional. Outros 30% representam preços ao consumidor e 10% são atrelados à construção civil, cujos insumos dispararam. Então, repare que 70% (60% do atacado mais 10% da construção) dos itens que compõem o IGP-M tiveram forte aceleração.

O sinal de alerta, que eu julgo necessário, recai sobre o risco de uma onda de reajustes contratuais, que podem respingar na inflação oficial do ano que vem. Dado que muitas gerações de brasileiros ainda possuem uma memória inflacionária, é comum as pessoas aceitarem remarcações de 5% ou 10% nos preços de produtos e serviços. Tais percentuais seriam considerados abusivos em países de moeda forte, que têm inflação muito baixa. Esse perigo aumenta num contexto de recuperação econômica, o que torna ainda mais propício o contexto para reajustes generalizados.

Quase três décadas depois do Plano Real, está na hora de o Brasil romper com esse círculo vicioso. Um passo importante seria desindexar a economia, começando pela troca do IGP-M por IPCA nos contratos. Afinal de contas, por que os aluguéis e outros serviços precisam subir no mesmo ritmo do dólar? Outro ponto fundamental é retomar o equilíbrio das contas públicas. A desconfiança dos investidores estrangeiros na capacidade do Brasil de honrar seus compromissos pressiona o dólar e, por tabela, influencia negativamente as expectativas de juros e inflação.

Em economia, gostemos ou não, as expectativas dos agentes (empresários, investidores, consumidores etc.) são tão importantes quantos os fatos em si. É mais ou menos assim: se todo mundo acreditar que a inflação será de 10% no ano que vem, a chance de isso acontecer é enorme, pois todos incorporam esse índice no dia a dia. Se todos imaginarem que os juros vão subir, eles acabam subindo. Portanto, ancorar as expectativas dos agentes é uma missão importantíssima do Banco Central, por meio da política monetária, e da equipe econômica, por meio da política fiscal. Se não levarmos isso a sério, estará criado um ambiente maligno para a volta de uma inflação mais alta. A consequência será a adoção de juros mais altos, o que vai gerar recessão e desemprego. Os mais experientes sabem que brincar com a inflação é brincar com fogo.