19/02/2010 - 8:56
DINHEIRO ? Como o sr. analisa o mercado de moda no Brasil?
AMIR SLAMA ? É um mercado muito promissor. Com o cenário econômico internacional complicado, o Brasil se mostrou estruturado. Tanto é que, além das marcas nacionais, há um grande número de grifes internacionais desembarcando por aqui.
DINHEIRO ? As marcas internacionais representam concorrência para as marcas brasileiras?
SLAMA ? São concorrentes e penso que isso é muito saudável. Muitas vezes nós (brasileiros) temos uma visão colonial de achar que o mercado tem que ser protegido, que as marcas entrarão fazendo dumping e que tudo que vem da China é ruim. Não é por aí. Há coisas da China que são muito boas. Se eles conseguem fazer produtos de qualidade com preços menores, burro é quem não os compra. Atualmente, há no mercado têxtil uma barreira muito grande para tudo o que vem da China. É preciso lembrar que muitos dos grandes designers internacionais produzem na China, na Índia e em outros locais com qualidade e bons preços.
?Vendi a Rosa Chá para o grupo Marisol e virei sócio. Mas não me acostumei? Desfile da grife
de moda praia Rosa Chá, marca criada por Slama
DINHEIRO ? Qual é o forte do Brasil?
SLAMA ? Somos bons em artigos de praia, em produtos que traduzam parte do nosso estilo de vida. Hoje, existem marcas como a Osklen e a Carlos Miele, que têm várias lojas fora do País. Temos ainda grifes muito boas como Isabela Capeto e Cecília Prado, que está na Harrods, de Londres. São marcas bem posicionadas que ainda não possuem um grande volume de vendas no Exterior, mas estão construindo uma imagem interessante e têm boa receptividade.
DINHEIRO ? A receptividade aos produtos do Brasil sempre foi boa?
SLAMA ? Em dez anos, mudou muito. Cheguei a ir a uma feira de tecidos na Europa em que, ao falar que eu era brasileiro, as pessoas não deixavam sequer entrar no estande. Hoje, eles fazem tudo para estar no Brasil.
DINHEIRO ? Mas toda marca de moda que exporta tem que associar sua imagem ao Brasil?
SLAMA ? Não necessariamente. Mas, ao se comunicar com o mundo, as referências de uma marca são do local onde ela foi criada. O desafio é preservar os elementos locais e ser global. É como um livro de Jorge Amado, em que a história se passa no interior da Bahia e, ao ser lido, despertará emoções em pessoas de qualquer lugar do mundo.
DINHEIRO ? Qual é o segredo para preservar as características locais e ser global?
SLAMA ? Vou dar um exemplo. Em minhas criações, trabalho muito com o artesanato de Minas Gerais. Mas sempre procuro incluir outros materiais de lugares diferentes. Isso faz o produto transcender o local e tornar-se global.
DINHEIRO ? Como os estilistas fazem para criar um conceito em cada coleção?
SLAMA ? A moda atual não é uma ditadura como era nos anos 90. Hoje, o trabalho do estilista é muito mais ajudar as pessoas a se encontrar, em formatos e formas, do que impor um estilo. Criar uma coleção não é só um conceito. São vários temas que se encontram. Se a ideia é inspirar-se nos anos 70, será algo dos anos 70, mas com um toque de art déco, algo de cinema, com algo de um livro. Há uma série de elementos que se misturam e caracterizam a coleção. Tudo depende da personalidade de quem está desenhando e, se essa personalidade estiver ausente, o trabalho fica descaracterizado.
DINHEIRO ? Como tornar isso vendável?
SLAMA ? Primeiro, a coleção tem que se materializar. O grande desafio é criar algo que gere impacto, que crie no consumidor uma vontade de obter a peça.
DINHEIRO ? O que os compradores internacionais buscam na moda brasileira?
SLAMA ? Não adianta mostrar coisas que não sejam criativas. Eles querem coisas autorais, modernas. Para esse tipo de trabalho, há um grande espaço.
DINHEIRO ? Quais são os nomes mais promissores da moda brasileira?
SLAMA ? É difícil falar em apenas um nome. Há uma série de profissionais com trabalhos sólidos e de base. Acho o trabalho da Cecília Prado e do Pedro Lourenço (filho de Glória Coelho e do Reinaldo Lourenço) muito interessante. A Cris Barros também está acontecendo.
DINHEIRO ? O sr. é sinônimo de moda praia. Como foi essa transformação?
SLAMA ? Quando comecei, a moda praia era vista como acessório ao lado de uma bolsa ou de um cinto. Gradualmente, fui mostrando que era um segmento da moda, um estilo de vida, um jeito de se vestir no verão. Quebrei muitos tabus. Até a ideia de fazer moda praia em São Paulo era um pouco absurda, pois existia um pensamento de que a praia era restrita ao Rio de Janeiro. Eu abri caminhos para muitas pessoas. Hoje, se faz moda praia em Brasília, Porto Alegre, Londrina e em muitos outros lugares.
DINHEIRO ? Há pouco tempo, o sr. anunciou que vai abrir uma nova grife de moda praia chamada Amir Slama. Como será?
SLAMA ? Abriremos no final de maio uma loja em São Paulo e outra no Rio. Em outubro, também planejamos abrir em Nova York. Quero ajudar as pessoas a se vestirem de uma forma que se sintam melhor. Por exemplo, para as gordurinhas debaixo dos braços das mulheres, que é algo que em geral as incomoda, estou pensando em estruturas que realcem o colo. Só não quero, por enquanto, fazer desfiles.
DINHEIRO ? Por quê?
SLAMA ? Penso que o formato dos desfiles está um pouco saturado. Antes, era um grande acontecimento e agora é apenas mais um. É preciso descobrir novos caminhos para se apresentar uma coleção. Hoje, a atitude da modelo, a maquiagem, o cabelo, a celulite acabam ofuscando a criação. O objetivo de gerar vendas fica em segundo plano.
DINHEIRO ? Nos últimos anos, foram criados grandes grupos de moda, mas muitos quebraram. O que aconteceu?
SLAMA ? A moda no Brasil ainda é nova. Houve quem começasse a olhar a moda como uma possibilidade de ganhar dinheiro rápido. Aí, surgiram empresas do setor financeiro e do setor têxtil que se interessaram por marcas. Algumas coisas deram certo e outras não. Acho que faz parte. Não há uma regra e não dá para pegar um modelo importado e achar que vai funcionar aqui. Temos uma série de problemas muito peculiares, como as dificuldades de exportar e os altos impostos.
DINHEIRO ? Faltam profissionais especializados para a área de moda?
SLAMA ? Sim. Há marcas interessantes, bons estilistas, além de boas lojas e produtos, mas, para fazer ampliação dos negócios, é preciso profissionais especializados. E ainda falta isso. É o preço que se paga pela novidade.
DINHEIRO ? Esse foi um dos fatores que levaram a Zoomp à falência meses após a marca se associar com o grupo IM?
SLAMA ? Acredito que o que tenha faltado nesse caso foi maturidade das pessoas que criaram o negócio achando que tudo seria maravilhoso. O bom é que foi uma coisa que passou muito rápido.
DINHEIRO ? O casamento do mundo das finanças com a moda continua sendo uma boa ideia?
SLAMA ? Espero que sim. No meu caso em particular, eu comecei a Rosa Chá com uma estrutura muito pequena e com um ideal de moda. Se fosse para ganhar dinheiro, eu teria feito outra coisa. Eu cheguei a um ponto em que me vi no meio de um dilema: ou eu me unia a alguém que pudesse me ajudar nos meus pontos fracos, que era produção e logística, ou eu diminuiria. Vendi para a Marisol (que, além da Rosa Chá, detém marcas como a Pakalolo e a Lilica Ripilica) e virei sócio da empresa. Mas não me acostumei.
DINHEIRO ? O que não deu certo?
SLAMA ? Faltou habilidade do grupo ao qual eu me juntei para gerir a logística do negócio. E isso acabou interferindo na produção e na comunicação. O que era para melhorar, virou algo diferente.
DINHEIRO ? Como assim?
SLAMA ? Eu diria que é uma marca diferente. Ela encolheu em número de lojas e diminuiu sua presença no mercado interno. Espero que ela possa ser de novo o que era.
DINHEIRO ? O sr. se arrepende de ter vendido a Rosa Chá?
SLAMA ? Sou, por natureza, uma pessoa que não se arrepende. Mas, se eu fosse avaliar novamente, talvez não tivesse feito o negócio. Sou uma pessoa apaixonada pelo que faço e não consigo trabalhar com o corpo descolado da alma. No momento em que decidi sair até a saída de fato, foram oito meses. Quando anunciei a minha saída, eu não estava mais lá (nesse momento, Amir leva as mãos para o lado esquerdo do peito). Depois disso, fiz um acompanhamento de carreira com um profissional especializado, pois achei que estava bronqueado com a moda, mas descobri que estava bronqueado comigo. Passado esse período, de repensar valores, abriu-se um horizonte enorme de convites e propostas.
DINHEIRO ? Que convites?
SLAMA ? Só para listar alguns, a direção criativa da Trusseau, coleções esporádicas da C&A e da Tok & Stok, organização do Salão Casamoda, palestra em Cambridge… Meu trabalho é mexer com criação. Tenho um ateliê no bairro de Pinheiros (em São Paulo) onde me exercito, desenvolvo peças, experimento estamparia e crio. Fazer não é difícil, o desafio é começar.