DINHEIRO ? O que a nova doutrina do presidente George W. Bush muda para o Brasil? Bush cobrou dos outros países que se alinhem aos interesses americanos…
WILLIAM COHEN ? O que Bush está dizendo é que o resto do mundo precisa se unir aos EUA em sua guerra contra o terrorismo. Se a economia americana afundar, mais do que já está afundando, por causa da ação terrorista em território americano, então o
Brasil e todos os outros países democráticos ao redor do
mundo vão sofrer um impacto direto e dramático. A realidade é
que, como a economia americana serve de motor para outras ao redor do mundo, então todos os interesses estão entrelaçados.
Um ataque à economia americana teria um efeito muito grande em todas as outras economias.

DINHEIRO ? O candidato favorito às eleições no Brasil é de esquerda e políticos considerados populistas, como o venezuelano Hugo Chávez, estão questionando o modelo econômico defendido pelos EUA. Como o sr. avalia esse movimento?
COHEN ? Não estou focado em eleições na América Latina, mas obviamente existem sempre candidatos populistas, temos isso dentro do próprio EUA. Temos um sentimento populista que compete com os Partidos Democrata e Republicano. Mas, na verdade, ninguém quer voltar aos dias de controle centralizado, por governos poderosos. As pessoas percebem que são as mentes e os mercados livres que produzem prosperidade.

DINHEIRO ? Então o sr. não acredita numa mudança na fórmula econômica, o chamado Consenso de Washington, que foi a tendência dominante na última década?
COHEN ? Deve haver mudanças leves para a esquerda ou para a direita, mas, no fim, as forças da realidade econômica mostram que a maneira como se gera prosperidade é com a abertura dos mercados. Você tem o governo para ajudar a aliviar a pobreza e adotar regras e redes de proteção, mas quando você tem pessoas livres, exercitando seu livre arbítrio, em mercados abertos, tem a melhor chance de criar e desenvolver a riqueza.

DINHEIRO ? O sr. acha que o uso da força é praticamente inevitável contra o Iraque, como diz o presidente Bush?
COHEN ? Não penso que o uso da força seja totalmente
inevitável. Se o Conselho de Segurança das Nações Unidas
apoiar o presidente Bush, dizendo que Saddam Hussein deve se desarmar, as chances de se evitar uma guerra são maiores. Se houver uma objeção aos Estados Unidos em sua tentativa de colocar em práticas as atuais resoluções das próprias Nações Unidas, então o conflito será inevitável. Mas penso que tentaremos trabalhar com as Nações Unidas e fazer o máximo que for possível e só então tomar a decisão. A ameaça do Iraque é tão grande que a ação unilateral pode ser a única opção disponível. Mas ainda não chegamos a esse ponto.

DINHEIRO ? O sr. acredita que os Estados Unidos podem ir à guerra, mesmo contra o desejo das Nações Unidas?
COHEN ? É possível que isso possa acontecer. Mas a minha esperança é que não seja uma realidade. Torço para que todas as nações entendam que países como o Iraque, que já foram obrigados a entregar todas as suas armas químicas, biológicas e nucleares, devem cumprir as resoluções da ONU. Se as Nações Unidas querem fazer valer o império da lei, então suas próprias regras precisam ser cumpridas. A ONU já falhou no passado e deixou Saddam Hussein desprezar as regras. Agora, estamos vivendo um teste crítico para a ONU e para os Estados Unidos.

DINHEIRO ? Todas essas informações sobre os armamentos do Iraque não são novas. O que mudou para que os Estados Unidos considerem o Iraque tão perigoso? Por que os americanos consideram essa guerra inevitável hoje, se até pouco tempo atrás não se falava nisso?
COHEN ? Duas coisas mudaram. A primeira delas é que os Estados Unidos tiveram três mil de seus cidadãos assassinados pela Al Qaeda e por Osama Bin Laden, nos ataques terroristas de 11 de setembro. Os atentados trouxeram para a linha de frente a ameaça de grupos que se opõem aos Estados Unidos e aos nossos aliados. Some-se a isso a possibilidade do uso de armas de destruição em massa por aqueles que buscam destruir os EUA, nossos aliados e aqueles que defendem a democracia. Então, você pode perceber que a natureza da ameaça continua a crescer.

DINHEIRO ? Qual é a outra mudança?
COHEN ? Em segundo lugar, Saddam Hussein, nos últimos
quatro anos, rejeitou a inspeção pela ONU. Não há inspetores
no solo iraquiano para determinar se ele continua ou não a
fabricar seus armamentos ao invés de construir um futuro
econômico de seu país. A combinação das duas coisas pode significar que talvez os terroristas tenham acesso a armas
químicas, biológicas e material nuclear.

DINHEIRO ? O sr. imagina que essa pode ser uma guerra rápida, como acenam os Estados Unidos, ou pode se transformar numa grande crise no Oriente Médio?
COHEN ? Eu hesitaria em arriscar como seria o desfecho da
atual situação e de uma eventual guerra no Iraque. Em segundo lugar, se a guerra se tornar inevitável, sempre temos a esperança que seja muito rápida. Mas eu penso que quando se planeja uma ação como essas deve sempre se preparar para o pior cenário possível. Então, enquanto você torce pelo melhor e por uma campanha curta, se uma guerra vier a acontecer, deve se preparar um conflito de longa duração.

DINHEIRO ? Nesse ambiente de confronto internacional, qual é o futuro da globalização?
COHEN ? As forças para a globalização são irreversíveis. Com o acesso que as pessoas têm às informações e com os mercados abertos, a globalização é uma dinâmica que continuará a se desdobrar. Ninguém quer a volta das barreiras protecionistas, das indústrias mantidas ou sustentadas pelo governo. Mesmo porque o mercado livre mostraria que elas não podem sobreviver. A tecnologia se expandiu a um nível, que a informação está disponível para todo mundo. Quanto mais informações tivermos, as pessoas se sentirão mais livres para tomar suas decisões. Acredito que elas continuarão a apoiar o mundo globalizado.

DINHEIRO ? Como países como o Brasil devem enfrentar o novo ambiente político internacional?
COHEN ? O que o Brasil deveria fazer, como qualquer outra sociedade democrática, é dividir informações, o material dos serviços de inteligência, e trabalhar com os Estados Unidos e todos os outros países para tentar quebrar as células terroristas. É preciso checar as pessoas que estão planejando lançar ataques terroristas, seja em seus próprios países, seja nos Estados Unidos. É preciso dividir informações.Um bom exemplo é Cingapura, que prendeu suspeitos de grupos terroristas. Malásia, Alemanha e outros países também fazem parte desse esforço. Eles entendem que não há mais fronteiras de batalha, como no passado.

DINHEIRO ? Mas e os países como o Brasil, onde não há casos de terrorismo?
COHEN ? Todos os países e todos os cidadãos estão na linha de frente na guerra contra o terror. Se você soltar um agente contagioso biológico, ele vai se espalhar muito rapidamente de um país para outro, dadas as condições de viagem que existem no mundo hoje em dia. Portanto, ninguém mais está seguro e livre desse tipo de epidemia que pode se espalhar pela ação dos terroristas.

DINHEIRO ? Existem grupos terroristas no Brasil?
COHEN ? Não sei. O que sabemos é que existem alguns terroristas nas áreas de fronteira, como integrantes dos grupos Hamas e Hezbollah. Eu não estou familiarizado com outros grupos
operando no Brasil. Todos devem manter seus olhos abertos para grupos potenciais, que não se consolidaram, mas que podem se espalhar no futuro.

DINHEIRO ? Quando o presidente Bush foi eleito, ele disse que a América Latina seria uma de suas prioridades. Mas não foi o que se viu depois dos atentados. Em que medida o Brasil e a América Latina perderam importância aos olhos do governo americano?
COHEN ? Quando o presidente Bush assumiu o governo, ele prometeu que haveria uma relação muito mais substancial entre os Estados Unidos e nossos amigos da América do Sul. Os ataques de 11 de setembro mudaram o foco de nossa política externa, ao nos forçar a olhar para o Taleban, para a Al Qaeda, e nos levar à guerra no Afeganistão e à possibilidade de confronto no Iraque. Então, o foco, infelizmente, mudou da relação entre o Norte e o Sul, para o Norte e o Leste. Minha esperança é que possamos reforçar o processo que havia sido iniciado no período final do governo Bush (pai), e continuou no mandato de Bill Clinton. Minha esperança é que o presidente reforce nosso foco no Brasil e em outros países latino-americanos, como Argentina, Chile e outros com os quais temos boas relações.

DINHEIRO ? O que mudou para o Brasil, em termos práticos, com essa mudança de foco da política externa americana?
COHEN ? A mudança de foco põe as considerações econômicas num segundo plano. É lamentável e temos que corrigir isso. A saúde econômica e a prosperidade do Brasil, da Argentina e de outros países terão um impacto direto em nosso próprio bem-estar econômico e em nossa segurança. Gostaria que o foco a curto prazo, hoje concentrado no Iraque, seja precisamente de curto prazo. E que possamos começar a nos focar em nossos problemas econômicos nos Estados Unidos e, também, nos dilemas econômicos enfrentados pelos brasileiros, pelos argentinos e por outros povos.

DINHEIRO ? O que uma eventual eleição de um candidato de esquerda, como Lula, para presidente do Brasil muda na relação com o governo americano?
COHEN ? Não acredito que as relações entre o Brasil e os EUA vão mudar de maneira fundamental, seja quem for o eleito. Qualquer governante terá de se confrontar com desafios econômicos que não permitem que ele se estabeleça à esquerda ou à direita. Esses desafios o colocam obrigatoriamente diante de políticas econômicas de centro. Nosso interesse de longo prazo não está amarrado a nenhum líder.