29/11/2018 - 7:53
Aos 40 anos, a ajudante de cozinha Daniela Rodrigues tem um histórico extenso de gestações: 17. Ao todo, tem seis filhos – os outros morreram. Por ser fumante, ter sangue do tipo O negativo e pressão alta, ela sabe que toda gestação é de alto risco. E por morar na região de Artur Alvim, na zona leste de São Paulo, está ainda mais vulnerável: o distrito tem o pior índice de mortalidade infantil da capital.
O Mapa da Desigualdade 2018, divulgado nesta quarta-feira, 28, pela Rede Nossa São Paulo, revela que no distrito do Butantã não houve nenhum caso de mortalidade infantil no ano passado, ao passo que no distrito de Artur Alvim foram 21 óbitos de bebês menores de 1 ano em cada mil crianças nascidas vivas de mães residentes na região. Se considerado o número bruto, o distrito registrou 27 mortes de bebês com menos de 1 ano.
Realizado desde 2012, o Mapa da Desigualdade analisa dados dos 96 distritos em relação a 53 indicadores nas áreas da administração pública, utilizando fontes públicas e oficiais. Na cidade de São Paulo, o levantamento revelou que os bebês morrem mais nas zonas leste e norte. Já os distritos das regiões oeste e central registram menos óbitos de crianças com menos de 1 ano.
A taxa de mortalidade infantil em São Paulo é de 11,1 – no Brasil é de 14, segundo os dados mais recentes do Ministério da Saúde, relativos a 2016.
Outro indicador que se destaca negativamente e reforça a desigualdade entre as regiões central e periférica da cidade é o de pré-natal. Em Moema, apenas 4% dos bebês nascidos vivos têm mães que fizeram menos de sete consultas, enquanto no Itaim Paulista o índice é de 31%.
“Quando há incidência de mortalidade infantil é porque existe algum problema na estrutura, do pré-natal ao acompanhamento. A questão familiar e a infraestrutura urbana, como saneamento básico e habitação, também são importantes”, diz José Américo Sampaio, coordenador da Rede Nossa São Paulo.
Para Daniela, a gravidez na adolescência e a escassez do atendimento de saúde são as principais causas que levam Artur Alvim a ocupar o primeiro lugar entre os piores distritos em relação à taxa de mortalidade infantil. Ela também destaca a poluição, problema que tem causado dificuldades respiratórias na sua filha de 2 meses, Helena. “Ela tem um catarro insistente que não vai embora e tem tido febre. Mas ainda não possui idade para tomar medicação via oral”, conta a ajudante de cozinha, que estava nesta quarta-feira no Hospital Waldomiro de Paula.
Helena é a única das seis filhas que não será amamentada. O leite de Daniela secou. “Isso também afeta a saúde dela. Ela estava magrinha, mas graças a Deus já deu uma engordada com o leite que tenho dado.”
Na outra ponta
Do outro lado, no Butantã, zona oeste, a publicitária Thayna Di Domato, de 32 anos, vive um pré-natal tranquilo em sua primeira gravidez. Aos nove meses de gestação, ela não tem dificuldades para marcar exames e pretende ter parto normal, tudo em instituições privadas, pagas por meio do plano de saúde de sua empresa.
Não fumante, Thayna “tirou um pouco do açúcar e do carboidrato” durante a gestação. Ela acredita que a qualidade de vida para bebês na região pode estar ligada ao que considera menor poluição. “É um bairro bom, verde, com bom saneamento.”
Ginecologista e obstetra do Hospital São Luiz e um dos criadores do programa Parto Sem Medo, Alberto Guimarães diz que os números da zona leste são “um retrato do Brasil em termos de tradução da assistência básica de saúde”. “Se a população não tem informações adequada e se o sistema não oferece nada para transformar essa realidade, a situação tende a ficar dessa forma, ou pior.”
O secretário adjunto da Saúde no Município, Eduardo Ribeiro, admite que as regiões periféricas são mais vulneráveis para as gestantes. Ele reconhece o aumento na tendência de mortalidade infantil e diz que, para compreender o fenômeno, um estudo detalhado está sendo elaborado pela pasta. “Em breve teremos uma sinalização em relação ao componente da mortalidade infantil no último ano.”
Saúde registra maior variação
Entre 2013 e 2017, o desigualtômetro – taxa apresentada no Mapa da Desigualdade que compara a distância entre o melhor e o pior distrito – apontou piora em indicadores de saúde.
A maior variação aconteceu em relação aos leitos hospitalares – neste item, a desigualdade entre o pior e o melhor distrito é de 334%. No distrito da Bela Vista, na região central, para cada mil habitantes há 48 leitos hospitalares públicas e privados disponíveis. No distrito de São Rafael, não há nenhuma opção para os moradores. A desigualdade entre os distrito é de 1.251 vezes. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.