Germano LüdersPaulo Correa está há 20 anos na companhia, nove deles como CEO. Liderou o IPO em 2019 e outros momentos de transformação (Crédito:Germano Lüders)

RESUMO

• Marca tem 10 trimestres, ou dois anos e meio, de margem bruta positiva
• Em um cenário de crise financeira e de credibilidade do varejo, com caso Americanas e fechamento de lojas como Tok&Stock e Marisa
• Empresa fez IPO e recuperou seu braço financeiro, C&A Pay
• Agilizou processos internos, diminuindo gap entre o lançamento de tendências mundiais e a colocação de peças à venda
• E estreitou relacionamento com clientes, com personalização de lojas e reforço da oferta digital

Paulo Correa teve uma conversa pesada com a família quando recebeu o convite para trabalhar na C&A como diretor, em 2004. Carioca, queria morar no Rio de Janeiro depois de trabalhar e estudar nos Estados Unidos e passar por empresas como McKinsey e Xerox.

O cargo na varejista de moda acarretaria em moradia em São Paulo e ele estava resistente à ideia. No final, ficou decidido que aceitaria a proposta profissional e que ficaria na capital paulista por dois anos. Mas os planos não saíram do jeito que Correa gostaria. Foi melhor do que ele esperava.

Os dois anos se transformaram em 20 anos, completados neste mês de setembro. De diretor foi alçado a vice-presidente e desde 2015 é o CEO da C&A. Nessas duas décadas, o executivo e a empresa evoluíram e se reinventaram.

Hoje, segundo Correa, a companhia está em “um momento especial”, em “uma das fases mais bonitas” de sua trajetória. Em plena transformação e evolução dos negócios, uma das gigantes de vestuário no Brasil chega a 10 trimestres seguidos de crescimento da margem bruta, com receita de R$ 6,7 bilhões em 2023, 8,7% superior ao ano anterior, e de R$ 3,3 bilhões no primeiro semestre de 2024, alta de 13,9% na comparação com o mesmo período do ano passado.

Correa e a C&A querem mais. “A empresa entrou em um modo extremamente próspero, porque cresce forte, com margem bruta positiva, despesas sob controle, gera caixa e lucro”, disse o CEO com exclusividade à DINHEIRO.

C&A entrou no Brasil em 1976 ao inaugurar a loja no Shopping Ibirapuera, que abriu as portas no mesmo ano (Crédito:Divulgação)
Divulgação

• A companhia saiu de um Ebtida negativo em R$ 58,5 milhões em 2020, em decorrência dos efeitos da pandemia, para um resultado antes de impostos na casa dos R$ 55,6 milhões em 2021; R$ 750 milhões em 2022; R$ 1,04 bilhão em 2023; e, agora, de janeiro a junho de 2024, de R$ 540 milhões, 50% superior ao mesmo período do ano passado.

• Entre as duas principais concorrentes, a Riachuelo, que faturou R$ 8,7 bilhões em 2023, vivenciou altos e baixos nos últimos períodos: prejuízo ano passado (R$ 34,2 milhões) e em 2020 (R$ 14,4 milhões).

• A Renner, líder em vendas entre as principais marcas de departamento, teve receita de R$ 11,7 bilhões em 2023 e lucro nos últimos cinco anos.

Enquanto isso, o varejo passa por uma crise financeira e de credibilidade, especialmente depois do caso Americanas, com rombo de R$ 40 bilhões sendo investigado, e prejuízos e fechamento de lojas de redes como Marisa e Tok&Stok. Segundo dados do IBGE, o volume de vendas do comércio de tecidos, calçados e vestuário caiu 0,4% no primeiro semestre deste ano e 0,5% se levado em conta os últimos 12 meses até junho.

Divulgação

Business plan

Mas o que a C&A vem fazendo para entregar resultados diante desse cenário? Para responder tal questão, temos de voltar um pouco no tempo. Primeiro é preciso dizer que a varejista não é brasileira, como muitos pensam. Foi criada em 1841, na Holanda, pelos irmãos Clemens e August. Chegou ao Brasil em 1976, quando abriu sua primeira loja no Shopping Ibirapuera (já já voltaremos a falar dessa unidade).

De lá até os anos 2010, alguns tropeços, mas sempre em desenvolvimento dos negócios, com inovação em seu DNA, ao levar ao consumidor a moda self service, o primeiro cartão de crédito de uma loja de vestuário e um marketing muito robusto, marcado por garotos-propaganda como Sebastian Soul e a top model Gisele Bündchen.

A partir de meados dos anos 2010, a matriz fechou a torneira dos investimentos na subsidiária brasileira. O contexto político e econômico não estava favorável, com o País em recessão e o mundo tentando se reestabelecer da crise de uns anos antes.

Foi naquele momento que a C&A resolveu fazer uma reestruturação e pensar em abrir capital na bolsa de valores. O plano era retomar a expansão de lojas físicas, digitalizar a companhia, modernizar o modelo de distribuição e logística e voltar a ter capacidade de conceder crédito. Com esse business plan a empresa fez seu IPO em 2019, já com Correa no comando da operação. Mas os planos não saíram do jeito que ele gostaria.

Cinco meses depois da venda de ações que angariou R$ 813,7 milhões, o mundo se viu diante de uma das maiores crises sanitárias da história com a pandemia de Covid-19. O planejamento inicial foi congelado e o trabalho ficou focado em salvar a operação.

Mas com os aprendizados adquiridos naquele período, as consequências foram melhores do que Correa esperava. “Aquele momento, apesar dos problemas enfrentados, trouxe para nós um olhar muito mais profundo de possibilidades”, afirmou o executivo. A digitalização avançou de maneira exponencial. A relação com os consumidores foi estreitada. A integração de processos se desenvolveu. E a C&A criou uma estratégia de ataque para gerar vendas após uma ocasião de defesa do caixa.

Naquele momento foi criado o modelo de loja duble door, com uma entrada com a marca C&A e outra com a Ace, de roupas esportivas do grupo. Dentro das unidades, o sistema implementado foi store-in-store, uma loja dentro da loja. “Em 2021 e 2022, fizemos dois anos em um, para tirar o máximo de atraso possível”, contou Correa.

Só que, mais uma vez, os planos não saíram do jeito que ele gostaria.

• A taxa básica de juros saltou de 2% no início de 2021 para 13,75% em meados de 2022.
• Toda a carta de investimento a partir de um endividamento teve de ser corrigida.
• O custo financeiro de financiamento aumentou mais de cinco vezes. Isso colocou pressão no caixa.
• A companhia foi forçada a despender R$ 500 milhões de desembolso para segurar a dívida.
• Também foi necessário reduzir o estoque e aumentar prazo de pagamento de fornecedores.

E, mais uma vez, a saída do problema foi melhor do que Correa esperava.

Os investimentos feitos naquele “ano dois em um” garantiram a performance registrada em 2023. Naquele período, foram abertas cerca de 50 lojas – atualmente são 331 no total e mais 12 devem ser abertas nos próximos dois anos –, o centro de distribuição do e-commerce, em São Paulo, foi automatizado. Além disso, a separação e distribuição de mercadorias para as lojas pode ser por SKU (unidade) ao invés de pack.

O data lake integrou todos os dados da companhia. Soluções de gestão de relacionamento com cliente foram aperfeiçoadas. E o sistema financeiro próprio, que havia sido vendido para o Bradesco, foi retomado e deu origem ao C&A Pay.

“Nosso lema foi capturar cada centavo do investimento que a gente fez em 2021”, disse Correa.

Para Carol Sanchez, analista de varejo da Levante Investimentos, os resultados consistentes demonstrados trimestre após trimestre reforçam que os investimentos feitos no passado têm funcionado. “Passou por anos desafiadores, superados por boa gestão e tecnologia”, avaliou a especialista, ao apontar outro diferencial. “O C&A Pay, seu braço financeiro, é utilizado para financiar as compras dos cliente na própria loja. É diferente das rivais, que oferecem cartão para consumir em outros estabelecimentos.”

Segundo Victoria Luz, especialista em varejo e IA para negócios, a C&A demonstra prontidão para inovação, fator decisivo para garantir bons resultados diante de um setor de varejo instável. “Destaco o DNA de inovação para implementar essas estratégias e colher os frutos positivos. Parece estar bem posicionada para enfrentar esses desafios, dado seu foco em inovação e eficiência operacional.”

Energia

Com toda essa estrutura azeitada, foi possível partir para o próximo passo.

• A chamada Estratégia Energia C&A teve início no ano passado.
• São cerca de 30 iniciativas que vão até 2026 e visam elevar as vendas por metro quadrado de cada loja.

“Temos a oportunidade de aumentar em pelo menos 30%”, vislumbrou o CEO. Na prática, é aproveitar melhor o que já existe, com os dados estruturados disponíveis. A ponto de cada uma das 331 lojas ter seu layout próprio. Isso já ocorre em algumas unidades.

Em Salvador (BA), por exemplo, o espaço destinado a produtos da Ace é maior do que as demais da mesma região. Em São Paulo, a loja do Shopping Ibirapuera – voltamos a falar dela! – foi reformada e tem uma seção de jeans mais robusta e diversificada. O setor de beleza (com produtos de corpo e banho) também é diferenciado.

Outra iniciativa implementada pela C&A é a velocidade com que os processos são realizados. A ideia é ter uma dinâmica de startup, apesar de ser uma gigante varejista. Com o agravante de atuar no vestuário, na moda, em que anos atrás as ações eram mais lentas.

Havia o lançamento de tendências na Europa, os fornecedores se preparavam por meses para entregar os tecidos e as cores do momento, a indústria têxtil demorava outros bons meses para fabricar as peças e a tal tendência chegava às araras das lojas um ano depois. Correa desafiou seu time a entregar peças prontas em um mês, desde a captação de tendência, a formulação da ideia do produto e a confecção.

A prova de que é possível ocorreu no fim do ano passado. Os algoritmos captaram uma nuance de consumo de linho. A operação agiu rápido e testou em algumas lojas estratégicas. Deu certo e a distribuição de roupas com esse tecido para toda a rede foi executada em tempo recorde. “No Natal, fomos os reis do linho”, disse Correa, aos risos.

Neste inverno essa dinâmica também tem funcionado. Com a estação mais quente do que em outros anos, o setor de analytics observou uma demanda mais acentuada por shorts jeans e bermuda de sarja.

“Nunca vendemos tanta bermuda nessa estação. Nós crescemos 13% em vestuário no último trimestre. Em outros anos, não teríamos essa dinâmica”, avaliou o CEO. “Entender isso não é tão difícil. O difícil é executar em 331 lojas e construir a sua máquina no backstage para conseguir distribuir com consistência. Estamos aperfeiçoando essa engrenagem.”

Dessa forma, a C&A vai na direção de uma gestão de negócio mais granular, feita loja a loja, produto a produto, pessoa a pessoa. “Uma hiperpersonalização de verdade”, afirmou Correa. Talvez os planos não saiam do jeito que ele gostaria. Possivelmente saiam melhor do que o executivo espera.

Entrevista

Paulo Correa, CEO da C&A

“Podem vir os competidores de fora. Mas com condições iguais e justas de competição”

Com 10 trimestres, ou dois anos e meio, de margem bruta positiva, quais as perspectivas para os próximos períodos?
A montanha vai ficando mais íngreme. Neste final de ano, a gente vai ter um comparativo desafiador, com o quarto trimestre do ano passado em que a gente cresceu 20%. A gente vem trabalhando há muitos meses para brilhar neste fim de 2024. Estou muito confiante para esse segundo semestre, que tradicionalmente é forte porque temos a Black Friday e o Natal, que vende o dobro de um mês normal. Então, o quarto trimestre impacta demais na lucratividade.

Após 20 anos de C&A, qual é o momento da companhia?
Estamos num momento muito especial. Eu peguei várias fases dessa companhia. A de agora é uma das mais bonitas, de clara evolução de competências internas. A cada mês fica mais forte, com modelo de gestão, qualidade do time, engajamento das pessoas, conhecimento do consumidor. E tudo isso vem construindo uma história que tem como consequência geral o resultado. E esse ânimo começa a retroalimentar a companhia como um todo.

Crédito: Germano Luders

Existem alguns ícones que foram ligados à empresa no passado, como Gisele Bündchen e Sebastian Soul. Qual é a cara da marca hoje?
Hoje a estratégia não é fazer o nosso posicionamento através de uma celebridade apenas. São tempos diferentes. Naquele momento talvez existissem poucas pessoas com muita visibilidade, até porque a mídia era também muito concentrada em poucos canais. Hoje em dia isso está muito pulverizado. As pessoas precisam se sentir influenciadoras, confortáveis com os nossos produtos.

Você tem um desafio interno para evoluir a companhia, mas também se vê diante de um de mercado que apresenta uma invasão de varejistas chinesas, fortes no digital. Como você observa isso?
Quanto mais focarmos no cliente e quanto mais melhorarmos nossa proposta, podem vir os competidores [de fora]. Estamos crescendo e vamos continuar. Confiamos muito na nossa capacidade de ler o mercado e atender as preferências do cliente de um jeito bem interessante. O outro pedaço da história é a questão de condições iguais e justas de competição. Todos os produtos que nós compramos de fornecedores do outro lado do mundo, nós pagamos impostos e outros custos. Não está certo e não é justo alguém fazer o mesmo processo e não pagar os impostos. Ainda mais se for uma empresa de fora.

A alta do dólar influencia no negócio da C&A de que maneira?
Influencia num determinado patamar. O atual patamar da moeda (US$ 1,00 = R$ 5,63, na cotação do dia 4) está interessante ainda.

O controle da queda dos juros é positivo para a empresa e o setor?
Os juros colocam uma régua mais alta para decisões de investimento. Então, quanto menor for a taxa de juros, certamente maior a velocidade de expansão, maior é a profundidade da transformação que a gente consegue fazer, por conta do custo do capital. A queda na taxa de juros faz com que a indústria toda e a C&A andem mais rápido e o cliente se sinta mais bem resolvido e atendido.

A inadimplência está sob controle?
Super. O cartão de crédito, no C&A Pay, é um instrumento de relacionamento e intensifica nossa compreensão sobre o comportamento de consumo. Temos um monte de modelos de algoritmos que a gente usa para construção de modelagem de oferta de crédito e de gestão de inadimplência e cobrança. Tudo isso forma uma outra vertical para garantir que essa dinâmica de inadimplência esteja absolutamente sob controle. Porque ela mal administrada pode pressionar muito a companhia. Não é o nosso caso.