20/10/2004 - 7:00
As estatísticas são oceânicas. Estima-se que 25% de todo o ouro e prata extraídos da terra estão no fundo do mar a espera de resgate. São preciosidades que estavam a bordo de embarcações que afundaram nos últimos cinco séculos. Algumas delas, vítimas de tufões e maremotos. Outras, derrubadas por piratas. Pode parecer mais uma daquelas lendárias histórias de Hollywood repletas de épicas batalhas navais atraídas pelo butim, mas não são. Calcula-se que há uma fortuna de US$ 170 bilhões espalhada pelos oceanos. Sem contar, é claro, as relíquias de valor histórico como esculturas, vasos antigos e obras de arte. ?Há um milhão de barcos afundados em todo o planeta?, diz Wilson Santos Filho, presidente do Instituto de Pesquisas Oceanográficas Solis-Caboto (Iposc). Parte deles povoa a costa brasileira, principalmente em Santa Catarina. Por isso mesmo é que no próximo mês terá início uma das explorações mais audaciosas já realizadas no País. ?Estamos à procura de oito navios que afundaram no século 16?, diz Santos.
O projeto, batizado de Arqueologia Naval Solis-Caboto, terá o envolvimento da Universidade do Vale Itajaí, do Costão do Santinho, de empresas patrocinadoras e do Iposc, o detentor da concessão para a exploração arqueológica. Os pesquisadores trarão ainda o americano Dwight Coleman, um dos grandes nomes da exploração subaquática, para ajudar nas buscas. Coleman faz parte da equipe de Robert Ballard, o homem que encontrou o transatlântico Titanic e o navio alemão Bismarck, e dará suporte aos brasileiros. ?É seguro que existem belos tesouros na costa brasileira?, disse à DINHEIRO Coleman. Os pesquisadores do Iposc também acreditam nisso. Tanto é que passaram mais de oito anos vasculhando documentos em museus na Espanha, Portugal, Holanda, Bélgica e outros países da Europa. ?Toda embarcação tinha um registro de entrada e saída do porto?, diz Santos, do Iposc. Os únicos que não deixavam pistas eram os piratas. Na região Sul do Brasil eles pululavam. Motivo: o porto de Santa Catarina era um entreposto dos galeões que vinham do Rio da Prata, na Argentina, e das embarcações provenientes do Peru. A maioria delas trazia ouro extraído dos incas com destino ao Caribe e, de lá, para a Europa.
Os naufrágios catalogados pelos pesquisadores vão de 1516 a 1583. Entre os barcos registrados, há um galeão do explorador espanhol Juan Diaz Solís. O barco zarpara do Peru, lotado de objetos e ouro dos incas, com destino à Espanha. ?Ele parou no porto dos Patos, em Santa Catarina, para abastecer e depois afundou?, diz Santos. Além das embarcações registradas, espera-se também encontrar outros navios. ?Se os resgatarmos, descobriremos muito da cultura dos exploradores marítimos?, diz Dwight Coleman. O problema é chegar até eles. Encontrar e retirar uma embarcação do mar é uma operação minuciosa. Envolve um séquito de especialistas, aparelhos tecnológicos e muito dinheiro. A primeira parte do projeto, por exemplo, custará R$ 2 milhões. Isso apenas para localizar os oito navios naufragados. É como descobrir uma agulha no palheiro, pois eles trabalharão em sete pontos de busca na costa brasileira em um perímetro de 30 quilômetros quadrados.
Para encontrar as relíquias marítimas, serão necessários equipamentos trazidos dos Estados Unidos. São traquitanas que rastreiam o fundo do mar e identificam corpos estranhos abaixo da areia. ?Estes navios, com mais de cinco séculos, provavelmente estão soterrados?, diz Fernando Luiz Diehl, presidente da Associação Brasileira de Oceanografia. Se encontrados, levará anos e muito dinheiro será gasto para que sejam retirados. ?A areia deve ser dragada com muito cuidado para não danificar nenhum objeto?, diz Diehl. O processo custa, no mínimo, US$ 5 milhões. Pela legislação brasileira, se o tesouro encontrado tiver valor artístico, 70% é de propriedade do governo e o restante é do explorador. Caso o tesouro não tenha valor histórico, 70% é do explorador e 30% do governo. É uma divisão tentadora. Mas Santos, do Iposc, descarta qualquer tipo de venda ou proveito do que for encontrado. ?A nossa idéia é montar um museu arqueológico naval e fomentar o turismo na região?, diz ele. É uma iniciativa que poderá mudar os livros de história e transformar Santa Catarina no Caribe brasileiro.