Durante uma reunião da ?Câmara Setorial da Cachaça?, há poucos dias, o ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento Roberto Rodrigues embriagou os produtores brasileiros com a seguinte declaração: ?Temos o desafio de elevar as exportações brasileiras de cachaça para US$ 150 milhões em três ou quatro anos?. O prognóstico até pareceria factível se as atuais remessas ao exterior não beirassem os US$ 16,4 milhões ? ou pouco mais de 15 milhões de litros. A despeito desse abismo entre o que se exporta e o que se quer exportar, o apetite (ou a sede) internacional amplia-se a olhos vistos. Na Alemanha, que adquire 31% de toda a cachaça remetida pelo Brasil, a caninha nacional virou um verdadeiro hit nos bares e restaurantes. Inglaterra, França e Portugal, além de Estados Unidos, são outros grandes compradores. ?Você chega a um distribuidor estrangeiro de bebidas e fala de cachaça. Se ele se mantiver impassível, basta citar a palavra caipirinha. Pronto: é quase certeza que sai negócio?, diverte-se a diretora comercial da Ypióca, Aline Telle. Além das vendas do produto, a demanda pela velha e boa pinga já tem movimentado o setor corporativo. Uma das gigantes mundiais da distribuição de bebidas, a Pernoud Ricard, acredite, já tem a sua cachaça. Chama-se São Francisco. Deve lançar a Janeiro, em breve. O empresário Gilberto Mansur, por sua vez, foi fortemente assediado por duas multinacionais recentemente. Mas resistiu. Ele não revela o nome da empresa que queria adquirir sua conceituada Espírito de Minas, mas confessa que quase fechou negócio. ?Até fiquei propenso a vendê-la, mas o mercado aquecido me fez mudar de idéia. Tanto que vou até investir para aumentar a produção?, explica Mansur.

No que depender dos grandes produtores, a proposta do ministro será atendida. ?Temos capacidade de produção, já que nossas destilarias fabricam 1,3 bilhão de litros anuais e o volume exportado é de pouco mais de 1%?, explica Maria das Vitórias Cavalcanti, diretora da Pitú, segunda colocada no mercado nacional e presidente da associação das grandes companhias de bebidas que ?industrializam? cachaça. ?O problema não é capacidade, mas a falta de valor agregado, isto é, de qualidade na bebida exportada?, rebate Leonardo Coelho, presidente da Coocachaça, uma entidade que defende pequenos produtores artesanais de Minas Gerais. Se os estrangeiros têm vontade de comprar, os brasileiros possuem capacidade produtiva para vender e já se sabe da necessidade de aprimorar a qualidade, o problema está resolvido? Não. Longe disso. ?Só vamos decolar após a criação de um instituto que defina padrões técnicos e específicos na produção?, adverte Maria das Vitórias, esclarecendo que o mercado externo ainda confunde pinga e rum.

Arrumar a casa é preponderante, mas não tem sido fácil. São 35 mil fabricantes de cachaça no Brasil, sendo que apenas 2,3 mil possuem registro no Ministério da Agricultura. Destes, a imensa maioria produz a caninha artesanalmente em pequena escala, representando apenas 10% da safra nacional. Do lado contrário, as poucas marcas que industrializam cachaça, como Müller (Caninha 51), Pitú e Ypióca são responsáveis por 90% das vendas. Essa disparidade de porte, poder econômico e planejamento dificulta a construção de um plano de negócios com vistas à exportação que reúna grandes e pequenos. ?É difícil explicar para o estrangeiro por que uma cachaça artesanal chega à Europa por trinta euros, enquanto a industrializada custa menos de quinze?, diz Coelho, da Coocachaça. Outros já são mais céticos. O produtor Antônio Goulart, que engarrafa 300 mil litros por ano em Perdões (MG) e é o maior colecionador do Brasil (31 mil garrafas e 6,8 mil marcas), é um deles. ?As grandes companhias têm política predatória contra os artesanais. Eu desisti de exportar e vou me concentrar no mercado interno?, admite. Os grandes desdenham das reclamações e garantem que há espaço para todos no Brasil e no exterior. ?Meu maior objetivo é incutir nas classes A e B o conceito de que tomar cachaça é uma boa idéia?, brinca Luiz Müller, dono da companhia que faz a 51. Ao degustar opiniões tão adversas, a conclusão parece óbvia: o setor está longe de alinhavar uma política consensual para incrementar as exportações.

Agir nas duas frentes, quem sabe, seja a saída. A Sagatiba, criada há um ano pelo empresário Marcos Moraes ? ex-dono do portal zip.net e filho do ex-rei da soja Olacyr de Moraes ?, oferece a industrializada ?Pura? (180 milhões de litros por ano) e a ?Velha?, constituída por lotes selecionados de pequenos produtores, onde ela só aplica seu rótulo. Produz 60 mil litros anuais. Ambas são exportadas e, detalhe, através de um canal próprio de distribuição na Europa. ?Somos a única empresa que monitora a bebida desde a produção até o ponto-de-venda?, orgulha-se Eduardo Grimberg, diretor de operações.

A cachaça mais cara do mundo

O produtor Anisio Santiago, já falecido, é uma espécie de lenda em Salinas (MG). Iniciou a produção de cachaça em 1946. Jamais se preocupou com volumes, satisfazendo-se com 8.000 litros por ano, devidamente envelhecidos durante uma década em tonéis de madeira. Conta-se que Anísio remunerava os empregados com garrafas de cachaça. Devido à pequena tiragem, a oferta era inversamente proporcional ao desejo de compra dos apreciadores. Por isso, a porteira da fazenda Havana vivia infestada de interessados em adquiri-la no ?mercado-negro?. E assim tem sido nas últimas décadas. No câmbio oficial, a cachaça só é vendida pelo alambique e custa cerca de R$ 160, valor do naipe dos melhores uísques escoceses 12 anos. Hoje administrada pelo genro do seu Anísio, João Ramos, a fazenda permanece fiel às origens. ?Nada foi mudado, mas essa história de pagar empregado com pinga é lenda?, revela. Por queixas registradas por produtores cubanos de rum, a Havana mudou de nome e hoje se chama Anisio Santiago. O resultado? As raríssimas Havana, mais antigas, são vendidas por mais de R$ 1.000.