Com 2 bilhões de xícaras consumidas por dia, a bebida tem, sem dúvida, status global. Sua história é tão antiga quanto rica, entrelaçando ritual, filosofia, colonialismo e revolução.Dos 30 anos que o icônico Frappuccino da Starbucks completa em 2025, às últimas modas das redes sociais, convidando a provar o café Dalgona, não há dúvida que o status pop dessa bebida está firmemente estabelecido. Sua história vai longe no tempo e no espaço, do café filtrado em cerimônias ou bebericado nos salões chiques, alimentando tanto o colonialismo quanto ideias revolucionárias.

Atualmente, temperaturas globais em alta e chuvas erráticas atingem duro os cafeicultores, catapultando os preços do produto. Ainda assim, pelo menos por enquanto, o café permanece parte intrínseca da cultura global, com um total cerca de 2 bilhões de xícaras consumido diariamente.

Diversão e tradição; sabores queijo, ovo e… cocô?

Reza a lenda que tudo começou já pelo ano 850, quando o pastor etíope Kaldi notou que suas cabras ficavam assanhadas ao comer certas frutinhas vermelhas. Embora a história seja provavelmente apócrifa, o café – especificamente a variedade arábica – é, de fato, nativo da região de Kaffa, na Etiópia, onde ainda tem um significado ritual.

A cerimônia etíope do café – em que os grãos são tostados sobre uma chama viva e macerados numa jebena de argila – é um momento de pausa, hospitalidade e comunidade. No Senegal, o cafe Touba, perfumado com pimenta-de-são-Tomé e cravo-da-índia, originou-se de tradições do sufismo islâmico, constituindo tanto uma bebida quanto uma prática espiritual.

Na Turquia, depois de se tomar o café não filtrado, infundido num cezve de cobre, costuma-se ler o futuro no pó usado: trata-se de uma tradução secular, ainda cultivada, mesmo entre os turcos da “geração Z”. No Brasil, o cafezinho, curto e doce, é símbolo de boas-vindas, oferecido nos lares e nas esquinas.

E nunca é tarde para se criar mais uma “velha tradição”: em 2020, em meio ao confinamento ditado pela pandemia de covid-19, o café Dalgona – café instantâneo batido com açúcar e água – tomou conta do TikTok. Além de prazer estético, a moda proporcionava um ritual simples e reconfortante.

De cultura em cultura, a bebida tomou as formas mais inesperadas. Em países nórdicos como Finlândia e Suécia, há séculos café preto fervido é derramado sobre cubos de kaffeost, ou “queijo de café”, feito de leite de vaca ou rena. No Vietnã, uma improvisação dos tempos de guerra chegou para ficar: no cà phê trúng (café de ovo), a xícara de café quente ou frio é coroada com gema de ovo batida misturada a leite condensado açucarado.

E há ainda o kopi luwak da Indonésia, considerado o “Santo Graal dos cafés”, em que os grãos são parcialmente digeridos e defecados por civetas ou gatos-almiscarados. Apesar de louvada por seu sabor redondo, levemente fermentado, a bebida é questionável do ponto de vista ético: devido à alta demanda, certos produtores mantêm os animais em jaulas, submetendo-os a alimentação forçada.

Cafeína para a exploração colonial

Com seus vapores inebriantes, ao longo da história o café não tem viajado apenas em sacos de estopa, mas também nos ventos de monções, nas viagens espirituais e nas ambições imperiais. Apesar de descoberto na Etiópia, a primeira menção escrita ao cultivo do café aponta para o Iêmen, onde foi denominado qahwa, termo árabe significando originalmente “vinho”, que deu origem ao nome internacional.

Os místicos sufistas o bebiam para manter o foco espiritual durante seus cânticos rituais pela noite adentro. O porto de Mocha, no Mar Vermelho iemenita, transformou-se num centro de comércio a partir do qual os grãos atravessavam o mundo muçulmano e chegavam até a Ásia.

Segundo uma lenda, no século 17 o santo sufi indiano Baba Budan teria contrabandeado sete grãos férteis do Iêmen para o sul da Índia, rompendo o monopólio árabe e iniciando os cafezais da região de Chikmagalur, no estado de Karnataka.

Em breve, as potências coloniais europeias também perceberam o futuro contido nas frutinhas vermelhas e seus grãos: os holandeses as plantaram em Java, os franceses no Caribe. E os portugueses no Brasil, aonde o café chegou no século 18 e fez do país o maior produtor do mundo.

Cada expansão dessas foi patrocinada por um império e alimentada por trabalho escravo. Até mesmo a Austrália, que entrou na festa relativamente tarde, desenvolveu uma cultura cafeeira robusta. Curiosidade: o país compete com a Nova Zelândia pelo mérito de ter inventado na década de 1980 o flat white – um expresso com uma fina camada de espuma de leite por cima.

Filosofia, conspirações, café para gatos

Ao longo da história, os cafés provaram ser mais do que locais de gastronomia, afirmando-se como celeiros de ideias, arte e revolução. Na Istambul do século 16, as autoridades tentaram por várias vezes proibi-los, temendo que os encontros à base de cafeína pudessem ser a semente de revoltas.

Na Europa iluminista, desde que passaram a ser frequentados por artistas e pensadores como Voltaire e Jean-Jacques Rousseau, a ida aos cafés prometia sempre uma boa dose de ideias radicais.

Na América do Norte colonial, a bebida café tornou-se o substituto patriótico para o chá sob taxação inglesa. A Green Dragon Tavern de Boston, apelidada “Quartel-General da Revolução”, era local de encontro dos Filhos da Liberdade, ativistas que organizavam a resistência contra a dominação da Inglaterra, acabando por gerar a Revolução Americana.

Mais recentemente, as cafeterias se transformaram também em refúgios da vida moderna e numa espécie de bem-vindo “terceiro lugar”: nem casa, nem escritório. O começo foi nos primeiros anos da década de 1990, quando nem todas as casas dispunham de acesso à internet, e a oferta nos cafés atraía os jovens a usá-los como local de trabalho.

Mas a inventividade em torno do café e seus locais de consumo parece longe de ter chegado ao fim. Na capital taiwanesa, Taipei, foi inaugurado em 1998 o primeiro bar-café para gatos, o Cat Flower Garden, onde os frequentadores podem socializar em companhia felina enquanto bebericam. A moda explodiu no Japão, e agora floresce mundo afora: a combinação de cafeína e calma parece ser um grande atrativo em meio às metrópoles e seu excesso de estímulos.