Uma estrela que povoou o sonho de gerações e gerações de crianças está se apagando. E com ela, um ícone da indústria brasileira entrou em agonia. Na semana passada, dois fornecedores de embalagens, a Gráfica Suprema e a Cartonagem Jauense, entraram na Justiça pedindo a falência da Estrela, a maior e mais tradicional fabricante de brinquedos do País. A dívida que gerou o requerimento, cerca de R$ 700 mil, não parece uma ameaça para uma empresa líder em seu setor de atuação ? afinal, trata-se de uma daquelas grifes com as quais os brasileiros estabeleceram uma relação sentimental, a exemplo do que ocorre com Varig e Petrobras. Mas o caso trouxe a público o que os balanços da companhia já revelavam nos últimos tempos. Com patrimônio negativo de R$ 8,8 milhões, a Estrela acumula prejuízos. Só nos primeiros nove meses de 2004, foram R$ 23,2 milhões, cinco vezes superior ao registrado em 2003. A estrela, porém, começou a cair antes. Em 1994, ano do Plano Real, o faturamento da companhia superava R$ 380 milhões, em valores atualizados pela Economática, consultoria de análise financeira. Nos doze meses encerrados em setembro de 2004, o dado mais recente disponível, esse total ficou em apenas R$ 67 milhões. No mesmo período, os custos somaram R$ 77,8 milhões, gerando um prejuízo operacional de R$ 11 milhões. ?Em poucas palavras, a Estrela está pagando para vender seus produtos?, afirma Einar Rivero, diretor da Economática.

Os problemas da Estrela começa-ram na década de 90, quando o processo de abertura de mercado atingiu em cheio a indústria de brinquedos. Outra paulada veio com a valorização do real de 1994 a 1999. A seguir, surgiram falsificadores de produtos e contrabandistas. ?Foi uma enxurrada de mercadorias asiáticos por aqui?, diz Carlos Tilkian, principal acionista da Estrela. O governo estabeleceu proteções, mas os bons tempos não voltaram em sua plenitude. Hoje, segundo cálculos da Abrinq, a associação dos fabricantes, 40% do mercado é dominado por produtos ilegais. ?Posso afirmar, e sem medo de errar, que 90% das importações do setor são irregulares?, diz Tilkian. O outro ingrediente na crise da Estrela veio de dentro de casa. Segundo diversos analistas, a empresa não conseguiu se adaptar aos novos tempos. A linha de produtos não se renovou em velocidade suficiente para acompanhar as mudanças na cabeça e no coração da garotada. ?A fidelidade da criança aos brinquedos é zero. Ela consome o mais recente e o mais novo?, afirma o publicitário Geraldo Rodrigues, responsável pelo marketing de fabricantes de brinquedos como Gulliver e a americana Hasbro. Hoje, o carro chefe da Estrela continua sendo as bonecas, sobretudo a Suzi, lançada há mais de 30 anos. Produtos como Banco Imobiliário e Autorama se mantêm há décadas em seu portfólio.

Na opinião de Rodrigues, a Estrela também não teria entendido o que ele chama de ?perda da independência do setor?. ?Hoje os brinquedos são parte integrante da indústria de entretenimento?, afirma ele. ?Filmes, gibis, games e brinquedos são ingredientes de um só negócio. Eles se completam e alimentam as vendas uns dos outros.? A Gulliver, por exemplo, encontrou aí seu nicho de atuação e especializou-se em bonecos de personagens infantis, como Homem-Aranha, Hulk, entre outros. ?Eles são lançados no auge da agitação provocada pela chegada deles às telas?, explica. Tilkian admite que, no ano passado, as vendas ficaram 10% abaixo de seus planos. ?Não tínhamos recursos para ser agressivos em marketing?, afirma. E onde estava o dinheiro? Segundo Tilkian, foi consumido na implantação de um plano estratégico desenhado há cerca de dois anos. Duas novas fábricas, em Itapira (SP) e Três Pontas (MG), foram inauguradas, o que permitiu a desativação da antiga unidade de São Paulo. Com isso, a Estrela pretende reduzir pela metade as despesas fixas e cortar 15% de seu custo de produção no período entre 2003 e 2005. Na unidade paulista, Tilkian concentrou a produção de itens de plástico. Em Minas Gerais, encontram-se as linhas de costura e pintura, como a de roupas para as bonecas.

O próximo passo será oferecer serviços nesses campos para terceiros. O primeiro contrato, para a fabricação de tampas de plástico para garrafas, acaba de ser fechado. A Estrela também já produziu um lote de necessaires para a Natura. Com isso, Tilkian espera manter as fábricas em operação o ano inteiro, e não apenas no segundo semestre, quando o Dia das Crianças e o Natal exigem produção a todo o vapor. ?Nos três primeiros meses do ano, a capacidade ociosa chega a 80%?, diz ele. Mais: Tilkian planeja também lançar outros tipos de produtos com a marca Estrela, voltados principalmente para o público de até seis anos de idade. São consumidores sem decisão de compra, mas, para isso, Tilkian conta com a simpatia e confiança que a estrela azul e branca desperta nas mães. ?Queremos nos tornar uma empresa para crianças?, diz Tilkian.

Esse plano consumiu R$ 18 milhões. Tilkian correu ao BNDES atrás de financiamento. Saiu apenas com R$ 4 milhões. Foi aos bancos privados. Sua dívida, na totalidade de curto prazo, atinge R$ 49 milhões, toda lastreada em recebíveis, segundo ele. É é a conta a ser paga para que a empresa não se transforme em uma estrela cadente, daquelas que despertam muita emoção, mas que não sustentam seu brilho.

?O GOVERNO NÃO ENFRENTA OS PIRATAS?
Opresidente da Estrela, Carlos Tilkian, falou à DINHEIRO:

Haverá novo pedido de falência?
Não. Os fornecedores foram à Justiça, embora já tivéssemos acertado o pagamento com eles. Depois, retiraram o pedido de falência.

Eram fornecedores usuais?
Eram. Eles jogaram no lixo uma relação comercial de 10 anos.

Qual a origem das dificuldades?
O governo aumenta impostos porque precisa arrecadar. Mas não age contra a ilegalidade e a informalidade.

Por quê?
Não sei. O que sei é que há conivência com esse estado de coisas. A Polícia Federal e a Receita Federal poderiam coibir ou inibir piratas e contrabandistas. Até em Hong Kong encontrei falsificações de nossos produtos.

O governo foi avisado?
A Abrinq avisou o governo. Mas depois o Brasil reconheceu a China como economia de mercado. Justamente um país que não respeita patentes de jeito nenhum.

Qual a saída para a Estrela?
Vamos continuar fabricando no Brasil, com a qualidade que sempre tivemos. Não cairemos na ilegalidade. Essa não é uma opção para a Estrela e para o Carlos Tilkian.