Uma surpreendente revolução industrial se consolidou na terça-feira 20. Na manhã daquele dia, em Salvador, Bahia, executivos da gigante alemã de pneus Continental assinaram um protocolo de investimentos de US$ 300 milhões para a construção de uma planta industrial em Camaçari, a 70 quilômetros da capital do Estado. Foi o sinal definitivo de que o antigo pólo petroquímico, enredado até três anos atrás num dos mais complicados nós acionários do País, assumiu de vez sua nova condição de complexo multiindustrial. Ali, a Ford finaliza a contratação de 1,7 mil novos empregados, todos eles recrutados para inaugurar, a partir de 1o de agosto, seu terceiro turno de produção de veículos. Na vizinha Monsanto trabalha-se atualmente em regime de cinco turnos, a plena capacidade na refinaria, na produção de matéria-prima para o defensivo agrícola Roundup. A Braskem, também sob a força de cinco turnos, está aumentando em até 50% a fabricação de boa parte de seus 30 produtos petroquímicos de primeira geração. Na cola das grandes indústrias, 60 outras empresas dos setores têxtil, metalúrgico, plástico, bebidas, celulose e serviços movimentam um efetivo de 23 mil empregados para produzir vendas recordes estimadas em US$ 5 bilhões.

A apenas 5 quilômetros das fábricas, a Camaçari de 170 mil habitantes fervilha. Em troca de incentivos como o abatimento de até 81% do ICMS, o governo da Bahia estipulou que as contratações deveriam dar prioridade à mão-de-obra local. Resultado: prosperidade. Apesar do perdão tributário, Camaçari tornou-se, com mais produção, o segundo maior arrecadador de ICMS do Estado, com R$ 270 milhões em 2003. O município se transformou num canteiro de obras. Os empregos na construção civil triplicaram. O comércio local, com cinco mil empregos diretos, apresenta 20% mais postos de trabalho em relação a um ano atrás. As famílias, indicam os números, estão em paz. O índice de nascimentos chega à casa dos 21 por mil habitantes, depois de ter descido a 16 por mil nos tempos em que o pólo estava travado. ?Só ontem fui a quatro casamentos?, divertia-se Nilda Santos, presidente do Sindicato dos Comerciários, na quinta-feira 22, numa referência à nova moda da cidade.

Artesanato. ?Nunca vendemos tantos sapa-
tos quanto atualmente?, conta Luisa Santos, gerente da loja Stilu?s, no centro de Camaçari. ?No último sábado foram uns 50 pares, marca incomum para julho.? Dentro do pólo, a produção está acelerada. ?Fizemos um grande negócio ao nos instalarmos aqui?, conta Tadeo Sanchez, diretor da Sol Embalagens, cuja matriz fica em São Paulo. Dois anos atrás, ao chegar a Camaçari, a Sol tinha 180 empregados. Agora, comprando da Braskem sem despesas de frete, conta com 280. Sua produção de sacolas chega a 18 mil toneladas/ano, ou 80% da capacidade das máquinas.

A estrela mais reluzente do pólo é mesmo a Ford. A fábrica que o Rio Grande do Sul renegou três anos atrás, temeroso em ir longe demais na guerra fiscal entre Estados, está às vésperas de inaugurar seu terceiro turno de produção. Ao contratar preferencialmente mão-de-obra entre a população de Camaçari, produz casos como o de Letícia Dias de Oliveira. Até dois meses atrás, ela fazia peças de artesanato para sobreviver. Agora, depois de mais de 100 horas de treinamento, está capacitada para operar os robôs da ala de pintura do terceiro turno. ?Minha renda melhorou umas dez vezes?, calcula ela. Neste momento, guarda-se um segredo na linha de produção da Ford com 260 mil metros quadrados de área coberta: o novo carro da marca, de porte pequeno, quatro portas e motor 1.0, destinado a brigar firme no mercado de preços abaixo de R$ 18 mil. É neste tipo de iniciativa que apostam os alemães da Continental. Eles chegam dispostos a erguer uma fábrica de 20 mil metros quadrados, fazer duas mil contratações e entrar no ritmo desta ciranda industrial de prosperidade.

A DIMENSÃO DO PÓLO
Com 60 empresas diferentes, complexo industrial oferece 23 mil empregos


Setores de atividades:
químico/petroquímico, automobilístico, metalúrgico, têxtil, bebidas, celulose e serviços
Investimento industrial: US$ 10 bilhões
Faturamento em 2003: US$ 5 bilhões
Volume de exportações: US$ 600 milhões
Média salarial: R$ 2,5 mil