A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira, 17, em votação simbólica, o projeto de lei enviado pelo Poder Executivo que institui um adicional da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para a adaptação da legislação brasileira às Regras Globais Contra a Erosão da Base Tributária – Regras GloBE. O texto vai agora ao Senado.

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A cobrança adicional vale para multinacionais estrangeiras, com faturamento anual superior a € 750 milhões. Ela segue o Pilar 2 da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que estabelece tributação mínima de 15% para essas grandes empresas a nível global.

De acordo com a estimativa do governo, a proposta não terá impacto no Orçamento de 2025. A expectativa é de arrecadar em torno de R$ 8 bilhões anuais quando houver “estabilidade” – o que é projetado para depois de 2029. A partir de 2026, no entanto, será possível começar a verificar o impacto orçamentário.

A Receita Federal é que vai regulamentar essa cobrança, incluindo conversão de moedas, ajustes a serem realizados e todo o arcabouço regulatório. Essas regras serão periodicamente atualizadas para que estejam em consonância com os documentos de referência aprovados pela OCDE, para que preencham os requisitos para qualificação do Adicional da CSLL como um Qualified Domestic Minimum Top-up Tax (QDMTT).

O projeto já traz as definições das entidades constituintes dos grupos de empresas multinacionais e dos conceitos de lucro ou prejuízo GloBE de cada uma delas. Também já estão listados quais são os tributos abrangidos ajustados por essas empresas e os que não serão considerados para os fins desta apuração. O texto também explicita a lógica para a formação da Alíquota Efetiva e as regras de transição.

O projeto

O relator do projeto de lei, deputado Joaquim Passarinho (PL-PA), incluiu no texto um dispositivo que prorroga os mecanismos da Tributação de Base Universal (TBU) até 2029. Hoje, eles têm validade apenas até o fim deste ano.

Esses instrumentos, segundo o relator, evitam a perda de competitividade das multinacionais brasileiras e possível dupla tributação, garantindo que operem em igualdade com concorrentes estrangeiros.

Segundo o parlamentar, até que a revisão do regime de TBU seja realizada, “faz-se urgente e necessário que se garanta uma nova prorrogação destes instrumentos a fim de manter-se a neutralidade e evitar que, a partir de 2025, as empresas multinacionais brasileiras passem a atuar em grave desvantagem frente às multinacionais estrangeiras”, diz em parecer.

O Ministério da Fazenda estima que aproximadamente 290 multinacionais atuantes no Brasil serão afetadas por essa nova regra. Dessas, cerca de 20 são multis brasileiras.

Investimentos no Brasil

Em contrapartida, o projeto inclui dispositivo para permitir ao Executivo federal definir determinados tipos de investimentos que, se realizados no Brasil, poderão implicar a exclusão do país ou localidade investidora da lista de locais considerados de baixa tributação da renda (menor que 17%).

Atualmente, existem 61 localidades nessa situação, segundo classificação adotada pelo Brasil, como Emirados Árabes Unidos e Omã.

De acordo com o texto, esses investimentos deverão fomentar “de forma relevante o desenvolvimento nacional por meio de investimentos significativos”.

O Decreto 12.226/24 regulamentou o tema e exige que os investimentos sejam realizados diretamente por governo estrangeiro, seus respectivos fundos soberanos ou suas empresas públicas das quais possua controle majoritário. O dinheiro poderá ser utilizado para a compra de títulos de dívida emitidos pelo governo brasileiro ou para investimento direto no capital de empresas brasileiras ou em fundos de investimentos brasileiros.

Neste último caso, deve-se seguir conceito usado pelo Banco Central relativo à participação no capital pelo país do controlador final do investimento direto, com prioridade para aumento de capital fixo e atividades alinhadas a práticas sustentáveis.

Cada pedido de afastamento da qualificação de país com tributação favorecida ou regime fiscal privilegiado será analisado individualmente pelas secretarias de Política Econômica e de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda.

“Até que eventual reformulação do sistema nacional de tributação de lucros auferidos por controladas/coligadas no exterior como um todo seja viabilizada, é imperioso que se mantenham vigentes, por mais 5 (cinco) anos – ou seja, com vigência até 2029 -, os instrumentos de crédito presumido de 9%, bem como a possibilidade de consolidação dos resultados de controladas localizadas no exterior”, diz o relatório do deputado Joaquim Passarinho.

“A implementação de tributação mínima global em 15% sobre os lucros é uma medida que vem sendo implementada em alguns países do mundo. A lei, no entanto, precisa estabelecer com clareza os critérios, diminuindo o rol de delegações normativas para atos do Poder Executivo”, diz Salvador Cândido Brandão Jr., sócio do Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella Advogados.

A intenção das regras, definidas no âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e do Grupo dos Vinte (G20 – 20 maiores economias), é estabelecer um piso para a competição fiscal global, impedindo que grandes grupos multinacionais estejam sujeitos, na jurisdição de cada país, a uma alíquota efetiva inferior a 15%.

Segundo o governo, essa nova fonte de receita tributária foi formatada pelos países participantes para enfrentar os desafios decorrentes da digitalização da economia. Atualmente, 37 países já instituíram sua cobrança e, por esse modelo, se um dos países não tributar com a alíquota efetiva, essa subtributação poderá provocar o pagamento complementar em outro país que já tenha implantado as regras, implicando uma espécie de “exportação de arrecadação”.

Segundo o líder do PT, deputado Odair Cunha (PT-MG), a aprovação da proposta é uma questão de isonomia tributária. “Podemos, com este projeto, avançar nossa participação na OCDE”, disse.  Desde 2015, o Brasil está em processo de entrada na organização.

Início da cobrança

De acordo com o projeto, a cobrança começará a partir do ano fiscal de 2025, e o pagamento deverá ocorrer até o último dia do sétimo mês após o fim do ano fiscal. Como o ano fiscal não coincide necessariamente com o ano civil para todas as empresas e grupos multinacionais, a data se torna variável.

Sudene e Sudam

Passarinho incluiu também um artigo que autoriza o Poder Executivo a converter total ou parcialmente, a partir de 2026, sem prejuízo ao beneficiário, os incentivos fiscais da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) em um crédito financeiro classificável como um “Crédito de Tributo Reembolsável Qualificado”. Esse crédito poderá ser usado para compensação de débitos com a União.

Segundo o relator, este artigo foi incluído como uma contrapartida caso o governo não envie um novo projeto de TBU, ou o próprio Congresso não aprecie essa matéria. “Se não a gente perdia tudo, para não perder tudo, a gente manteve essa condição”, disse ele ao Broadcast, sobre o trecho referente aos incentivos fiscais da Sudam e da Sudene. “Estamos solicitando à Receita (Federal) que mande novo projeto de TBU em 6 meses, porque vamos rever essa legislação toda”, reforçou.

Instrução normativa

A Receita Federal já publicou uma instrução normativa (2228/24) que ficou em consulta pública até novembro deste ano. Várias das regras GloBE estão detalhadas nessa instrução, que deverá ser atualizada a cada mudança nas regras internacionais para que o adicional de CSLL cobrado no Brasil seja considerado dentro dos parâmetros e não sofra contestações no exterior.

Isso é relevante porque a consistência na implementação e administração das regras GloBE é verificada inclusive por meio do processo de revisão por pares, podendo resultar na perda do status de tributação adicional qualificada, o que acarretaria a perda de prioridade na ordem de aplicação das regras; e a imposição, aos grupos multinacionais, de um ônus superior àquele que seria suportado caso o tributo adicional continuasse sendo qualificado.

Embora as empresas atuantes no Brasil e sujeitas ao adicional de CSLL devam utilizar normas contábeis semelhantes às já utilizadas nas demonstrações contábeis exigidas pela lei brasileira, alguns ajustes são necessários para se encontrar o lucro ou prejuízo GloBE.

Assim, poderão ser excluídos, por exemplo:

  • ganhos ou perdas cambiais assimétricas;
  • dívida perdoada excluída;
  • despesas não autorizadas; ou
  • despesa não autorizada com fundo de pensão.

Os ganhos ou perdas cambiais decorrem do fato de as moedas funcionais contábil e fiscal do grupo serem diferentes. Já as despesas não autorizadas são as com pagamentos ilegais – inclusive subornos, propinas e comissões ilícitas – e com multas e penalidades de valores iguais ou superiores a 50 mil euros.

Para fins de apuração do lucro ou prejuízo GloBE, a instrução permite o uso, por cinco anos, da moeda de apresentação das demonstrações financeiras consolidadas da entidade investidora final (termo usado para a controladora da multinacional).

As despesas não autorizadas com fundo de pensão são iguais à diferença entre o valor incluído no lucro ou prejuízo líquido contábil e o valor efetivamente realizado no ano fiscal.

Quanto às dívidas perdoadas, esse perdão poderá ocorrer independentemente de o credor ser uma pessoa relacionada ou não à empresa.

Multas

Quanto às multas por falta de informação obrigatória à Receita referente ao adicional e sua apuração, o texto aprovado reduz o limite nominal da multa acumulada mensalmente de R$ 10 milhões para R$ 5 milhões, caso os dados sejam enviados com atraso ou não sejam apresentados.

Para valores omitidos ou inexatos, o projeto estipula igual limite de R$ 5 milhões que não havia antes.

Litígio

Ao seguir as regras GloBE, o PL 3817/24 estabelece que o adicional da CSLL será considerado não recolhido caso seja, direta ou indiretamente, objeto de litígio judicial ou administrativo no Brasil.

A consequência disso é que o grupo multinacional não poderá utilizar o adicional em litígio como crédito na aplicação das regras GloBE em outros países em nenhuma circunstância ou ano fiscal.

Transporte marítimo

Caso a empresa do grupo multinacional localizada no Brasil faça a gestão estratégica ou comercial no país de todos os navios envolvidos em transporte marítimo internacional, ela poderá excluir os rendimentos, os custos e as perdas com esse transporte do cálculo do lucro ou prejuízo GloBE.

Os rendimentos envolvidos são aqueles obtidos com:

  • transporte internacional de passageiros ou de carga por navios próprios ou arrendados;
  • esse transporte em acordos de fretamento parcial;
  • locação de navio para ser utilizado nesse tipo de transporte;
  • participação em um pool, em um negócio conjunto ou em uma agência operacional internacional para esse tipo de transporte internacional; e
  • venda de navio utilizado nesse tipo de transporte se tenha sido mantido para uso da empresa por um período mínimo de um ano.

Será admitida ainda a exclusão referente a rendimentos de atividades auxiliares a esse transporte internacional:

  • afretamento a casco nu a outra empresa de navegação que não seja do grupo se por um máximo de três anos;
  • venda de bilhetes emitidos por outras empresas de navegação para o trecho doméstico de uma viagem internacional;
  • locação e armazenamento de curto prazo de containers ou taxas de sobre-estadia por devolução tardia de containers;
  • prestação de serviços a outras empresas de navegação por meio de engenheiros, pessoal de manutenção, operadores de carga e descarga, atendentes do serviço de bordo e serviços de atendimento ao cliente; e
  • rendas ou lucros líquidos do investimento, se ele for parte integrante do exercício da atividade de exploração dos navios no tráfego internacional.

No entanto, esses rendimentos de atividades auxiliares terão um limite de 50% dos rendimentos com o transporte marítimo internacional. O que ultrapassar isso deverá ser incluído no lucro ou prejuízo GloBE.

Exclusões

Outra exclusão de maior vulto permitida pelas regras GloBE é do lucro obtido com folha de pagamento e ativos tangíveis, conceituado como lucro baseado em substância, por ser atrelado substancialmente à atividade desenvolvida pela entidade no país.

Essa exclusão resulta na diminuição do montante devido a título de adicional da CSLL.

Tipos de custos

Ao longo de oito anos (2025 a 2032), a título de adaptação, os percentuais do que poderá ser excluído diminuirão gradativamente até chegar a 5% em 2033, partindo de 9,6% em 2025.

A norma da Receita define os empregados cujos salários e benefícios poderão ser excluídos do cálculo do lucro GloBE; os empregados, inclusive em tempo parcial, e trabalhadores não empregados que participem das atividades operacionais ordinárias.

Os valores envolvidos serão salários, vencimentos e outros gastos com benefícios pessoais e diretos, tais como seguro de saúde, contribuições previdenciárias, tributos sobre a folha de pagamento ou sobre o trabalho e contribuições patronais para a previdência social.

Em relação ao tempo de trabalho, todos os custos poderão ser descontados se o empregado trabalhou mais de 50% do período (ano fiscal). Se ele tiver trabalho 50% ou menos do período, o desconto será proporcional ao tempo trabalhado.

Ativos tangíveis

Também com percentuais de transição (de 7,6% em 2025 até 5% de 2033 em diante), poderão ser deduzidos os custos contábeis de ativos considerados tangíveis. De maneira geral, esses bens são aqueles de natureza permanente utilizados para a manutenção da atividade da corporação e integridade do patrimônio, como imóveis, terrenos, máquinas, equipamentos, veículos, estoque.

A instrução normativa permite o desconto do valor contábil de ativos tangíveis localizados no Brasil, incluindo recursos naturais objeto de exploração autorizada, direitos de uso do arrendatário, licença ou acordo similar com o governo para uso de bens imóveis (direito real de uso, por exemplo) ou exploração de recursos naturais que “implique investimentos significativos em ativos tangíveis”.

Entre essas licenças estão as concessões de uso de radiofrequência e prestação de serviços de telecomunicações; mas não se aplica a ativo intangível reconhecido em decorrência do direito de exploração em contrato de concessão de serviços públicos (água ou energia, por exemplo).

De igual forma à folha de salários, os ativos tangíveis poderão ser usados para a dedução se estiverem sobre propriedade ou arrendamento da empresa do grupo multinacional por mais de 50% do tempo do período analisado. Abaixo disso, a dedução será proporcional ao tempo.

Distorção contábil

Quando a aplicação de um princípio ou procedimento específico resultar em distorção contábil material, a empresa, no cálculo do lucro ou prejuízo GloBE, deverá ajustá-lo para ficar em conformidade com o tratamento exigido pelo IFRS, sigla em inglês para as normas internacionais de contabilidade.

Essa distorção é definida como aquela que resulta em uma variação agregada superior a 75 milhões de euros (cerca de R$ 461 milhões) em um ano fiscal quando comparado com o montante calculado segundo as normas do IFRS.

Incentivos ou créditos

A partir de 2026, o Poder Executivo poderá converter total ou parcialmente em um crédito financeiro, sem prejuízo ao beneficiário, os incentivos fiscais concedidos no âmbito da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Essa conversão adotaria os critérios para exclusão do lucro baseada na substância.

O dispositivo busca adequar os benefícios em razão da dicotomia entre créditos de tributo qualificado e não qualificado previstos nas regras GloBE, pois a alíquota efetiva é calculada usando esses critérios.

Nesse ponto, como a conversão resultará em um crédito, o projeto aprovado prevê prazo de 48 meses para o ressarcimento em dinheiro, caso a compensação com tributos devidos não tenha sido feita.

Deduções

Atualmente, a lei sobre tributação em bases universais (TBU – Lei 12.973/14) permite às empresas brasileiras que sejam controladoras de outras domiciliadas no exterior deixarem de incorporar a seu lucro real, até 2024, um ajuste de lucros se o país sede for paraíso fiscal ou dependência com tributação favorecida. O texto aprovado pela Câmara prorroga esse prazo para 2029.

Outra mudança feita nessa lei é a permissão para que a controladora brasileira deduza do Imposto de Renda a pagar no Brasil o que tenha sido pago pela controlada no exterior a título de imposto mínimo no âmbito do GloBE, segundo regulamentação da Receita Federal.

Para multinacionais com sede no Brasil fabricantes de bebidas, produtos alimentícios ou construtoras e indústria em geral, o texto permite, até 2029, que elas deduzam, da base de cálculo do lucro real a título de crédito presumido, até 9% dos investimentos feitos nessas subsidiárias no exterior.

Atualmente, os lucros de controladas no exterior são tributados no Brasil a uma alíquota nominal de 34%, bem acima da média praticada por países membros da OCDE (em 2022, aproximadamente 23,3%). Assim, o crédito procura compensar o tributo e manter competitividade das empresas brasileiras no exterior.

Novas regras

O PL 3817/24 também determina ao Executivo enviar ao Congresso, no primeiro semestre de 2025, projeto reformulando as regras TBU para introduzir na legislação outras normas GloBE, chamadas de Pilar 2.

O projeto deve seguir diretrizes como:

  • proteção e prevenção da erosão da base tributária, especialmente em razão da transferência de lucros entre entidades;
  • concorrência internacional das empresas brasileiras com investimentos produtivos no exterior;
  • necessidade de equilibrar a precisão das regras com a redução do ônus da administração e de conformidade; e
  • prevenção ou eliminação da dupla tributação.

*Com informações de Estadão Conteúdo e Agência Câmara