18/04/2016 - 0:24
Os deputados votaram neste domingo pela admissibilidade do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, herdeira política do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e deixaram à beira do precipício a experiência mais emblemática do ciclo de governos de esquerda na América Latina.
O ‘sim’ ao impeachment obteve os 342 votos necessários (dois terços do total de 513 membros da Casa) pouco após as 23H00, com a escolha do deputado pernambucano Bruno Araújo (PSDB) de apoiar o processo.
Dezenas de milhares de opositores de Dilma, que acompanhavam a votação em telões nas principais cidades do país, explodiram de alegria quando o deputado declarou o voto que selou o resultado final.
“Que honra o destino me reservou, que da minha voz saísse o grito de esperança de milhões de brasileiros”, disse Araújo, antes de declarar: “digo sim ao futuro”.
Momentos antes, o líder do governo na Câmara já tinha admitido a derrota.
“Os golpistas venceram aqui na Câmara”, mas “esta derrota provisória não significa que a guerra terminou”, disse a jornalistas José Guimarães (PT-CE), quando defensores do impeachment tinham vantagem de mais de 200 votos.
“Em um momento como este, temos que ter tranquilidade, humildade, falar com o país”, disse Guimarães. “A luta continua nas ruas e no Senado”, acrescentou.
Ao final de uma longa sessão, com quase dez horas de duração, o ‘sim’ obteve 367 votos a favor contra 137 para o ‘não’, além de sete abstenções e duas faltas. Votaram 511 deputados.
A decisão precisa ser ratificada pelo Senado para que o processo de impeachment tenha continuidade.
A presidente Dilma, do Partido dos Trabalhadores, é acusada de manipulação das contas públicas para ocultar o tamanho dos déficits em 2014, ano de sua reeleição, e no começo de 2015, uma manobra conhecida popularmente como ‘pedaladas fiscais’.
Ela nega estas acusações e as atribui a uma conspiração orquestrada por Cunha e por seu vice-presidente, Michel Temer, ambos do PMDB, partido que foi da base, mas rompeu com o governo.
“Está aberta a sessão, sob a proteção de Deus e em nome do povo brasileiro”, disse o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, ao abrir a sessão, às 14h01 de Brasília, em um clima de extrema agitação, com legisladores que, aos empurrões, gritavam “Não vai ter golpe” de um lado e “Impeachment já” do outro.
O deputado Jovair Arantes, relator do processo de impeachment, destacou, no primeiro pronunciamento da sessão, que as “pedaladas fiscais” – mecanismo usado para retardar a transferência de dinheiro a bancos públicos e privados e a grandes administrações – tiveram “consequências drásticas” para a economia.
Com 505 deputados presentes no plenário, o presidente da Câmara declarou iniciada a votação às 17H46.
Os deputados foram chamados a votar e tiveram dez segundos para justificar sua escolha em microfone.
O primeiro deputado a votar foi Wahington Reis (PMDB-RJ), que se pronunciou a favor do ‘Sim’ ao impeachment. “Que a partir de amanhã, Deus possa derramar muitas bênçãos sobre o Brasil e sobre o nosso povo brasileiro. Voto sim”, declarou Reis, que antecipou seu voto devido a um problema médico.
“Para combater o projeto de poder e corrupção de Lula e o PT (…), voto sim ao impeachment”, disse em seus dez segundos o deputado gaúcho Luiz Heinze, do PP, partido que até a semana passada era aliado do PT.
Henrique Fontana (PT-RS), declarou: “contra a conspiração e a corrupção representada por Eduardo Cunha e Temer, pela democracia e contra o golpe, voto com toda a convicção ‘Não’ contra este golpe, não ao impeachment”.
Se o Senado ratificar o resultado da votação na Câmara nas próximas semanas, a presidente Dilma Rousseff, de 68 anos, será submetida a um julgamento político que implica seu afastamento temporário do cargo por um período máximo de 180 dias.
Ela seria, então, substituída pelo vice-presidente, Michel Temer, que poderia governar até o fim do mandato, em 2018, se os próprios senadores considerarem Dilma culpada.
Este cenário apontaria a porta de saída ao “lulo-petismo” fundado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), figura emblemática do hoje claudicante ciclo de governos de esquerda na região.
A crise política brasileira é acompanhada com preocupação pelo resto do mundo, faltando menos de quatro meses para a abertura dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.
Para analistas, o resultado da votação na Câmara não põe fim à crise em que o Brasil está mergulhado.
“Independentemente do resultado de hoje, a crise vai continuar, e inclusive se agravará porque o lado perdedor vai utilizar todos os instrumentos para boicotar os ganhadores. De qualquer forma, o Brasil amanhecerá pior amanhã”, declarou à AFP o analista político André César.
“Desatou-se uma batalha entre um governo incompetente, sustentado por um partido [o PT] que traiu seus ideais, e uma oposição hipócrita, liderada por um legislador acusado de delinquir, chamado Eduardo Cunha”, disse à AFP AFP Sylvio Costa, diretor da publicação especializada Congresso em Foco.
Manifestações bem menos significativas que o previsto mobilizaram milhares de pessoas a favor e contra o impeachment em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, enquanto na capital federal, os deputados votavam na Câmara.
A mobilização dos dois campos foi bem menos expressiva do que se esperava, observaram jornalistas da AFP. Também foi bem menor que os protestos das semanas precedentes, marcados por marchas de dezenas de milhares de pessoas que foram às ruas de todo o país para apoiar ou repudiar o processo de destituição da presidente.
Em Brasília, centro nevrálgico da crise política, a mobilização cresceu à medida que o calor diminuía com o cair da tarde, e os participantes aguardavam o resultado da votação no fim da noite.
Adotou-se um dispositivo de segurança para receber 300.000 pessoas na capital federal, separando partidários e adversários do impeachment com uma cerca de painéis metálicos de um quilômetro estendida ao longo da Esplanada dos Ministérios.
Os opositores, enrolados em bandeiras do Brasil e vestindo roupas verdes e amarelas, se posicionaram do lado direito da cerca, de frente para o Congresso, e os apoiadores de Dilma, vestidos de vermelho, do esquerdo.
Cerca de 26 mil pessoas, segundo a polícia, protestavam na Esplanada dos Ministérios contra o que chamavam de “golpe” contra a presidente.
Um líder sindical se dirigia periodicamente ao grupo para pedir que não se deixasse desanimar diante da vantagem que o ‘sim’ ao impeachment apresentava.
A tendência “vai se reverter!”, dizia João Marcio Gama, analista de sistemas do Banco do Brasil, de 45 anos.
Do outro lado do ‘muro’, a manifestação favorável ao impeachment reuniu 53 mil pessoas que vestiam as cores da bandeira nacional, segundo a polícia.
Alirio Melo, de 46 anos, estava entre elas. “Ainda falta muito. O caminho é longo, mas espero que ganhemos”, disse à AFP.
Em São Paulo, coração financeiro do país e reduto da oposição, milhares de manifestantes marcharam a favor da destituição de Dilma em frente à sede da FIESP, na avenida Paulista, no centro da cidade mais populosa do país. O ambiente era calmo, com famílias e clima de partida de futebol. A polícia não divulgou um número de manifestantes.
“Vim porque precisamos unir forças para tirar este governo. Já estive em todas as manifestações e estou certa de que a votação será positiva e haverá impeachment”, disse à AFP a professora aposentada Ana Valeria, de 62 anos. Ela não quis dizer seu sobrenome.
No Rio de Janeiro, a praia de Copacabana foi ocupada pela manhã por partidários de Dilma e à tarde, por seus adversários.
Cerca de três mil pessoas de cada lado teriam participado dos atos e nenhum incidente foi registrado até o fim da tarde.
Segundo o jornal Folha de S.Paulo, manifestações foram realizadas em cerca de setenta cidades brasileiras, que mobilizaram antes do início da votação 21 mil partidários do governo e 62 mil opositores.
A presidente tentou manter sua rotina e, pela manhã, deu uma volta de bicicleta nos arredores do Palácio do Alvorada, embora tenha reduzido o passeio dos habituais 50 minutos para apenas 15, segundo informações da Agência Brasil.
Em um momento, ela passou em frente ao Palácio do Jaburu, residência de Temer, que na véspera recebeu uma centena de políticos para tentar costurar parceiras na Câmara e preparar um futuro governo.
No começo da semana, em um áudio divulgado involuntariamente, segundo afirmou, Temer convocou a formação de um “governo de salvação nacional” e a fazer “sacrifícios” para tirar o país de uma recessão que entra no segundo ano.
Dilma tinha afirmado que, se sobreviver ao impeachment, proporia um “pacto” a todas as forças políticas para que o Brasil possa sair do atoleiro em que se encontra.