18/09/2017 - 10:46
A família de Magaiver vive em Barra do Turvo, no interior de São Paulo, em uma casa que fica a poucos metros do prédio da Câmara Municipal. Apesar da proximidade, Magaiver Pereira Freitas, de 25 anos, garante que a última vez que viu um dos nove vereadores do município foi durante as eleições. “A cidade está cheia de problemas, mas eles só aparecem quando precisam de voto. No mais, ficam dentro daquele prédio luxuoso.”
O que ele chama de prédio luxuoso é a sede da Câmara Municipal, que, apesar de não ser exatamente luxuosa, destaca-se na paisagem local. A impressão de “suntuosidade” ganhou força depois que a cidade apareceu em uma pesquisa sobre gastos legislativos municipais, realizada pela Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB) com apoio do Sebrae. No estudo, Barra do Turvo está entre as 218 cidades brasileiras que gastam mais de 80% de suas receitas com o Legislativo.
A pesquisa avaliou 3.762 municípios (68% do total). Barra do Turvo, por exemplo, gasta 528% a mais do que arrecada internamente (sem contar os repasses dos governos estaduais e federais) com o trabalho dos vereadores. Segundo o estudo, a cidade de menos de 8 mil habitantes tem uma receita própria de R$ 242,8 mil, mas seu Legislativo consumiria R$ 1,2 milhão (os dados são de 2016). Embora o número pareça altíssimo, Barra do Turvo é só um exemplo e está longe de cidades como Novo Santo Antônio (PI), que gasta 2.603% a mais do que gera como receita própria, e Itaporã de Tocantins (TO), que gasta 1.431% a mais.
O curioso é que Barra do Turvo e os outros municípios da lista estão agindo de acordo com a lei. As despesas legislativas municipais têm os limites estabelecidos pela Constituição – que usa para a base de cálculo a soma das receitas tributárias e das transferências constitucionais (da União). Então, quando levado em conta o orçamento total (que inclui os repasses da União), o gasto porcentual com o Legislativo passa a ser de 5% (cidades com até 100 mil habitantes podem gastar até 7%). “Se as despesas legislativas estivessem vinculadas somente às receitas próprias a economia global seria de cerca de R$ 10 bilhões”, disse o presidente do CACB, George Pinheiro.
Para o presidente do Sebrae, Guilherme Afif Domingos, é preciso mudar essa lei que vincula os gastos do Legislativo. “Além disso, sou a favor que municípios menores possam ter vereadores voluntários. Trabalhadores, representantes da sociedade que pudessem se reunir para fiscalizar e propor ideias ao Executivo”, disse.
Carência
Em Barra do Turvo, assim como em Novo Santo Antônio, os problemas enfrentados pelos cidadãos podem ser percebidos em uma só visita. Na cidade paulista, a falta de saneamento básico em algumas localidades é evidente. Além disso, há obras paradas, como uma rodoviária e casas populares, e moradores reclamam da falta de estrutura para atendimento médico e educacional. Maria Teixeira Cardoso, de 53 anos, reclama da merenda das escolas. “Às vezes, é só bolacha”, afirmou.
Mesmo que alguns desses questionamentos não sejam da alçada dos vereadores, são eles os mais visados pela população, principalmente por causa de uma reforma na sede da Câmara que durou quatro anos e custou cerca de R$ 800 mil.
“Nós estamos tentando cortar ao máximo os gastos. Infelizmente, a arrecadação da cidade é muito pequena, não temos indústrias, não temos como arrecadar sem o apoio da União, mas a cidade está melhorando”, disse a administradora executiva da Câmara, Maria das Graças Curadini. O salário de um vereador por lá é de R$ 3,3 mil.
Sem dinheiro
No Piauí, os parlamentares recebem menos: R$ 1,5 mil. E a Câmara é mais barata – custa cerca de R$ 40 mil por mês. Porém, a relação dos gastos legislativos com os gastos para melhorar a vida dos moradores ainda está aquém do necessário – o município repassa o limite permitido à Câmara, ou seja, 7% de toda a arrecadação.
Quem chega pela estrada de terra logo vê a carência de serviços públicos. A cidade ainda tem esgoto a céu aberto, não raramente convive com a falta de energia e água e tem animais, como porcos e vacas, transitando pelas ruas. Não há recursos para fazer investimentos e obras. Segundo o secretário de Administração, José Ribeiro, a arrecadação própria se limita a cobrança de uma taxa de água, em torno de R$ 10 por imóvel, e a expedição de alvarás, quase inexistente.
“Aqui não tem dinheiro nem em caixa eletrônico, e as pessoas pedem remédio, viagem, exames. Ainda estamos como vereador porque o povo deposita a confiança na gente, mas aqui pagamos para ser vereador”, disse o vereador Manoel Januca, de 64 anos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.