camargo.jpg

 

Cena 1. Terça-feira, 15 de dezembro. Depois de se reunir com analistas de mercado no Hotel Renaissance, em São Paulo, o executivo Francisco Sciarotta, superintendente da CCDI, braço da Camargo Corrêa na área imobiliária, sai às pressas para não ser abordado por repórteres. Ao ser questionado sobre a Operação Castelo de Areia, que em março deste ano prendeu quatro executivos da Camargo Corrêa, ele responde de forma lacônica: ?Desculpe, tenho ordens expressas para não falar sobre isso.? Cena 2. Quarta-feira, 16 de dezembro. Contratado por R$ 15 milhões para defender a empresa, o advogado Marcio Thomaz Bastos, ex-ministro da Justiça do governo Lula, avisa, via assessor: ?Entrevistas sobre esse caso, só por e-mail.? Horas depois, ele retorna, de forma protocolar, dizendo que tudo sobre o caso ?já foi respondido?. Vistas em conjunto, as duas cenas revelam que a Camargo, na maior crise de sua história, decidiu erguer um dique.

Uma muralha de contenção, cimentada pelo silêncio, mas que talvez não seja o bastante para protegê- la. Um dia depois, na quinta-feira 17, a procuradora Karen Louise Kahn finalizava 15 novas denúncias que serão apresentadas contra executivos da empresa, em vários Estados do País. ?O que já se descobriu até agora é suficiente para que os acusados sejam punidos e para que se moralize de vez o processo de licitações no País?, disse à DINHEIRO a procuradora Karen Kahn. Nas suas contas, as propinas dirigidas pela Camargo a políticos e já identificadas somariam R$ 30 milhões. E os indícios de superfaturamento passam por obras como o Rodoanel e as eclusas da hidrelétrica de Tucuruí, no Pará.

camargo3.jpg

 

Com 60 anos de vida, a Camargo é hoje um império sem rosto ? e sem voz. Mas é também um enigma. Um grupo que conseguiu se diversificar e tem receitas anuais de R$ 16 bilhões, atuando em áreas tão diversas, como engenharia, cimento, calçados, estradas, saneamento e siderurgia. E que também possui grandes marcas, como as sandálias Havaianas, que são produzidas pela Alpargatas. Nada disso, no entanto, vem à tona. Com a política de comunicação escolhida pela empresa e por sua máquina de consultores, a Camargo é vista apenas como a empreiteira. E desde março tem aparecido diariamente nas manchetes dos jornais associada a um escândalo de corrupção. À medida que o calendário eleitoral se aproxima, também tende a aumentar a exposição negativa da Camargo.

A principal matériaprima para isso é um arquivo de 54 planilhas, apreendido na casa do diretor Pietro Francisco Bianchi, que indicaria uma espécie de mapa do caixa 2 da empreiteira. Nas últimas semanas, os vazamentos dessa lista passaram a ser feitos a conta-gotas e tudo indica que o processo ganhará impulso em 2010. Até agora, já foram citados nomes de peso, como o do deputado Michel Temer, provável vice de Dilma Rousseff, o do secretário paulista Aloysio Nunes Ferreira, précandidato ao governo de São Paulo, e o do ex-diretor da Eletronorte Adhemar Palocci, irmão do ex-ministro da Fazenda, Antônio Palocci. Todos negaram as acusações. ?Uma infâmia?, disse Temer. O fato concreto é que, como consequência da Castelo de Areia, Lula sugeriu ao PMDB que indicasse uma lista tríplice para vice de Dilma, sinalizando que Temer não é bem-vindo na chapa governista.

camargo4.jpg

 

Máquina de consultores da Camargo definiu uma estratégia equivocada de silêncio que expôs a empresa a uma avalanche de denúncias sem fim

É justamente esse componente político que torna o caso Camargo Corrêa mais delicado. Ainda assim, a estratégia do silêncio, definida pela política de comunicação da empresa, é criticada por especialistas. ?No mundo de hoje, a regra número 1 é a transparência e ninguém mais consegue se esconder?, avalia o consultor Ney Figueiredo, que atua em crises de imagem. De acordo com ele, a primeira decisão a se tomar numa situação desse tipo é nomear uma pessoa de credibilidade incontestável, que passe a atuar como uma espécie de ?Mr. Crise?. E que, segundo Figueiredo, nunca deve ser o advogado. ?O criminalista fala com os tribunais, o gestor de crise fala com a sociedade.?

Figueiredo conheceu de perto a empreiteira. Nos início dos anos 80, época da construção de Tucuruí, ele foi consultor direto do fundador do grupo, Sebastião Camargo. Um homem que estudou apenas até o terceiro ano primário, mas que se tornou uma lenda entre seus pares e tinha dois apelidos: ?Bastião? e ?China?. ?Ele foi um gênio, que começou com uma carrocinha e construiu um império?, disse à DINHEIRO o economista e ex-ministro Delfim Netto, amigo íntimo do ?Bastião?. ?Ele não era só a cara da Camargo, era o o craque do setor de engenharia?, reforçou o empreiteiro Olacyr de Moraes, dono da Constran, que foi da mesma geração de Sebastião.

Nos governos militares, época das grandes hidrelétricas, duas empreiteiras despontaram. A mineira Mendes Júnior fez barragens para Furnas e a paulista Camargo construiu as usinas da Cesp. Em Itaipu, atuaram juntas.
Com a morte de Sebastião, em 1994, a empresa passou a enfrentar um vácuo de liderança, que persiste até hoje. O fundador da empresa deixou a viúva Dirce, que ainda é viva, e três filhas: Renata, Rosana e Regina. Nenhuma delas, no entanto, jamais teve interesse em atuar na empresa. E foi então que os três genros, Caco Pires, Luiz Nascimento e Fernando de Arruda Botelho, assumiram o comando. Mas a empresa, que sempre foi centralizadora, não estava acostumada a funcionar com três chefes. E as divergências foram tão grandes que restou uma única solução: a profissionalização. Em 1996, Alcides Tápias deixou o Bradesco e assumiu a Camargo com poderes absolutos. Com ele, a empresa deslanchou.

Entrou em áreas novas, como energia e cimento, e fez aquisições bilionárias, como a da companhia argentina Loma Negra, a maior fabricante de cimento do país vizinho. Tápias saiu em 1999, para ser ministro do Desenvolvimento, os genros se tornaram conselheiros e passaram a se dedicar a outras atividades. Caco Pires, que tem uma fazenda em Campinas com campo de golfe de 18 buracos, costuma votar nas reuniões do conselho em conjunto com Luiz Nascimento, que, dos três, é o mais conectado politicamente ? na crise, ele procurou a ministra Dilma Rousseff e o presidente Lula.

camargo5.jpg

 

Fernando de Arruda Botelho, por sua vez, tem duas paixões: a aviação e a caça. Ele promove um grande evento anual de jatos executivos na sua fazenda. Mesmo afastado do dia a dia da empresa, foi o único dos três genros citado num grampo da PF.
Hoje, quem está à frente do grupo é Victor Hallack, um mineiro de poucas palavras. Ele é avesso a entrevistas e não tem o mesmo carisma de Tápias. Até agora, Hallack não veio a público para se manifestar sobre a Castelo de Areia. ?Esse silêncio talvez seja fruto da própria origem do negócio, pois nas empreiteiras sempre houve uma mistura pouco transparente entre negócios e política?, avalia o consultor Ruy Schneider. No entanto, nem todas as empreiteiras reagem da mesma forma a uma crise.

No fim da década de 80 e no início dos anos 90, a baiana Odebrecht esteve associada a vários escândalos: o dos anões do Orçamento, o do assassinato de um ex-governador do Acre, Edmundo Pinto, e o da ?pasta rosa? ? este muito parecido com o das 54 planilhas da Camargo Corrêa, justamente por envolver suspeitas de doações não declaradas. Depois disso, a Odebrecht passou a seguir uma política de mais transparência. ?As crises serviram para mudar não só nossas políticas de comunicação como nossos valores e nossa própria cultura empresarial?, disse à DINHEIRO um alto executivo do grupo.

É evidente que declarações de concorrentes devem ser relativizadas. Na Camargo há quem atribua a gênese da Castelo de Areia ao fato de a empreiteira ter comprado uma briga bilionária com a Odebrecht, entrando na disputa por uma usina do rio Madeira ? os baianos ficaram com a usina de Santo Antônio e os paulistas levaram a de Jirau. Ainda assim, o silêncio nem sempre ajuda.
Ouvido pela DINHEIRO, o ministro Jorge Hage, da Controladoria-Geral da União, disse que acompanha o caso. Recentemente, quando outra empreiteira, a Gautama, foi alvo de de R$ 160 bilhões ao ano em infraestrutura na próxima década. E a Camargo, que é hoje a segunda maior construtora do País, atrás apenas da Odebrecht, corre o risco de perder o bonde pela falta de um rosto e de comunicação com a sociedade.