19/03/2010 - 6:00
DINHEIRO ? Como o Brasil está situado hoje no ranking mundial de produtores de celulose?
ELIZABETH DE CARVALHAES ? Em volume, o Brasil é o quarto maior produtor de celulose, com uma produção de 13,5 milhões de toneladas ao ano. Esse resultado foi bem maior que a meta do setor para o ano, que era de 12,7 milhões de toneladas de celulose. Estamos atrás apenas dos Estados Unidos, do Canadá e da China. Mas é importante salientar que a celulose brasileira é hoje considerada a melhor do mundo em qualidade e também em aspectos sustentáveis, já que nosso produto é o que mais absorve carbono no planeta.
“As nossas florestas de eucalipto são as que mais absorvem carbono” Plantação de eucalipto no Brasil
DINHEIRO ? O que tem sido feito para melhorar esses resultados?
ELIZABETH ? O setor está prevendo uma grande massa de investimentos direcionados para que o País aumente em 25% sua área de florestas plantadas. Com isso, ultrapassará a produção da China, que é de 19 milhões de toneladas ao ano, até 2014.
DINHEIRO ? Quais vantagens competitivas o setor de celulose brasileiro apresenta em relação ao dos outros países?
ELIZABETH ? O Brasil tem uma tradição muito boa no segmento. O País foi o primeiro produtor mundial de celulose a partir de árvores de eucalipto. Também temos investido bastante em melhoramento genético e em técnicas de manejo florestal. A celulose brasileira é obtida a partir de um processo equiparado ao de qualquer outro tipo de plantio, como mandioca ou soja. Não tiramos árvores naturais do solo, como a maioria dos produtores faz em outros países. Extraímos as árvores de florestas de pínus e de eucalipto e, imediatamente após a colheita, novas mudas são replantadas na mesma área. Muitas empresas estrangeiras vêm até aqui aprender como fazer isso conosco.
DINHEIRO ? Como foi o ano de 2009 para a indústria brasileira?
ELIZABETH ? Mesmo sofrendo forte impacto da crise, o Brasil exportou um volume recorde de celulose em 2009. O País foi o único no cenário internacional que não teve queda na produção. Houve fechamento de fábricas no Hemisfério Norte, na Escandinávia, nos Estados Unidos e no Canadá. O setor no Brasil cresceu 6%. Mas altamente relevante foi o crescimento das exportações da fibra brasileira. Isso mostra que o produto se configura como o de maior produtividade e qualidade do mundo.
DINHEIRO ? Mas o Brasil apresentou queda no superávit…
ELIZABETH ? Apesar desses bons resultados, o setor teve grandes perdas. Durante 2009, diante da falta de crédito internacional, as empresas passaram a financiar os embarques de celulose e também assumiram o risco das operações, uma vez que não havia mais oferta de linhas de financiamento para seguro. Isso pressionou fortemente o fluxo de caixa das companhias, prejudicando a liquidez. Além disso, os preços da commodity caíram cerca de 45% em relação a 2008 e o real ficou extremamente valorizado. Ou seja, mesmo com o aumento da produção e também das exportações, que cresceram 16,9% em 2009, houve redução de 15,4% na receita de exportações de celulose em relação ao ano anterior.
DINHEIRO ? Qual foi o país que mais comprou do Brasil?
ELIZABETH ? A China se tornou nosso principal cliente no ano passado, pois busca celulose de melhor qualidade para aprimorar o papel que exporta. Para se ter uma ideia do que o país representou, as compras da China tiveram um incremento de 128% em relação a 2008. No total, exportamos 2,8 milhões de toneladas para eles. Sem as compras dos chineses, as exportações do setor cairiam 16%. Há ainda um aumento contínuo de vendas destinadas ao mercado chinês.
Centro de Hong Kong, um dos principais mercados da China: “A China se tornou nosso principal cliente”
DINHEIRO ? Então as exportações para outros países caíram?
ELIZABETH ? Sim, caíram as vendas para todas as outras regiões. De 2008 para 2009, a Europa, que comprava 52% do que exportávamos, passou a comprar 40%. As vendas para os Estados Unidos também caíram de 20% para 16%. O resto é dividido em pequenas compras dos demais países da Ásia e América Latina, mas nenhum outro país tem hoje a importância comercial estratégica que a China tem para o Brasil nesse setor.
DINHEIRO ? Existe uma expectativa de procura por novos mercados para o Brasil?
ELIZABETH ? O Brasil já é um fornecedor de primeira linha para os principais mercados do mundo e acreditamos que ainda há muito espaço para crescer na Europa, nos Estados Unidos e, sem dúvida, na China.
DINHEIRO ? Para este ano, quais são as expectativas do setor?
ELIZABETH ? Antes da crise, o segmento de celulose cresceu de 7% a 8% ao ano e esperamos um resultado próximo a esse por acreditarmos que as exportações e o mercado interno também crescerão. Mas os preços ainda não estão nos patamares que estavam em 2008 e o câmbio desfavorável ainda é um problema. Para setores exportadores, isso traz um ônus muito grande. Acreditamos que o governo brasileiro, em algum momento, deve apresentar uma solução. E estamos dispostos a propor medidas eficazes de curto prazo para isso.
DINHEIRO ? Que medidas?
ELIZABETH ? A Bracelpa atua com um grupo de representantes de outros setores da economia para propor ao governo medidas eficazes de curto prazo que estimulem as exportações. A principal proposta é a desoneração dos impostos federais (PIS e Cofins), que reduziria o custo de produção em 9,25%. Também é importante a criação de mecanismos que interrompam a geração de créditos de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) de exportações, além da restituição dos créditos acumulados, estimados em R$ 900 milhões. Fora isso, o Brasil é um dos poucos países no mundo que tributam os investimentos. No setor de celulose e papel, a alíquota chega a 17% do valor investido e isso reduz nossa competitividade e o interesse do investidor estrangeiro no País.
DINHEIRO ? Como foi o desempenho do mercado interno?
ELIZABETH ? Nossa produção de papel em 2009 foi de 9,4 milhões de toneladas e as vendas domésticas somaram 4,9 milhões de toneladas. Um ponto sensível no mercado interno é a questão dos papéis destinados à impressão de livros, jornais e revistas, que são isentos de impostos. Muitos produtos declarados para uso editorial são contrabandeados e têm sido desviados para outras finalidades, concorrendo com produtos nacionais tributados. Estimamos que as empresas brasileiras perderam 57% de participação de mercado por conta da concorrência desleal. Isso significa que cerca de 600 mil toneladas de papel que circularam no País no ano passado eram provenientes de empresas que não pagaram os 30% de carga fiscal para produção.
DINHEIRO ? Mesmo com a crescente produção de celulose, a produção de papel para o mercado interno não teve aumento significativo. Por quê?
ELIZABETH ? O consumo de papel no Brasil ainda é muito pequeno em relação aos outros países. Mesmo assim, ocupamos a 11ª posição no ranking de produtores de papel mundial, o que é um patamar significativo. Enquanto por aqui 45 toneladas de papel são consumidas por habitante, a média mundial está bem acima, em torno de 58 toneladas por habitante.
DINHEIRO ? O que tem sido feito para aumentar o consumo de papel?
ELIZABETH ? Trabalhamos junto ao governo com uma política de estímulo de consumo de papel no País. Estamos, inclusive, negociando a inclusão de cadernos nos programas federais que distribuem livros didáticos para estudantes de escolas públicas brasileiras. Mas o mais importante é promover o consumo consciente de papel e mostrar à sociedade que o papel produzido no País é sustentável.
DINHEIRO ? O setor de papel e celulose ainda é considerado um grande vilão ambiental. Como mudar essa imagem?
ELIZABETH ? Ainda é preciso esclarecimento. O setor produz celulose e papel exclusivamente a partir de florestas plantadas, de recursos naturais renováveis. Os brasileiros precisam aprender a valorizar o que o País sabe produzir de melhor e o setor de celulose e papel deveria ser motivo de orgulho. Para ver como a produção de papel e celulose do Brasil está ganhando reconhecimento mundial, basta observar nossa participação na Conferência do Clima, em novembro de 2009. Tivemos ali um papel essencial nas negociações para reconhecimento dos créditos de carbono gerados pelas nossas florestas plantadas no protocolo de Kyoto. O setor virou referência e caminha para a liderança global com toda a segurança.