26/01/2025 - 6:31
O maior campo de extermínio de Hitler ficava na Polônia e hoje é um memorial. Mais de 1 milhão de pessoas morreram no lugar, sobretudo judeus. O testemunho dos poucos sobreviventes é mais vital do que nunca.Com pouco mais de 10 mil habitantes, a cidade polonesa de Oswiecim não era especialmente importante, na verdade. Em 1939 a Wehrmacht – as forças armadas da Alemanha nazista – a ocupou, anexou e renomeou. Dois anos mais tarde, o regime instalava na região o maior campo de extermínio nazista de todos, Auschwitz-Birkenau.
Segundo dados confirmados, até fins de janeiro de 1945 foram mortos pelo menos 1,1 milhão de detentos: a maioria, judeus, mas também membros das etnias nômades rom e sinti, assim como de outras minorias. Por que aqui? Por que em Auschwitz?
“O local foi escolhido por se encontrar, do ponto de vista técnico dos transportes, no centro da Europa, e ser acessível com os trens de deportação. Foram também considerações logísticas”, explica Christoph Heubner, vice-presidente do Comitê Internacional de Auschwitz.
“Considerações logísticas” significa que o massacre deveria ser veloz e atingir o máximo de vítimas possível. Os criminosos eram mestres do planejamento, do assassinato em massa, da contabilidade da morte.
Rede de trilhos da morte confluindo em Auschwitz
A rigor, o genocídio de diversos grupos demográficos pelos alemães já tinha começado antes: como está documentado, no início de 1939, pouco após invadirem a Polônia, os nazistas perpetraram vários fuzilamentos em massa no Leste Europeu.
Mas quando a Alemanha de Adolf Hitler assumiu o domínio de grande parte do continente, estabeleceu a meta de varrer os judeus da face do planeta. Para implementá-la, realizou-se em 20 de janeiro de 1942, no bairro de Wannsee, no oeste de Berlim, uma “conferência” numa hospedagem da polícia e da organização paramilitar SS.
Durante uma hora e meia, 15 representantes do regime nazista discutiram como otimizar a organização do transporte e assassinato em massa dos judeus europeus. Na véspera mesma de viajar para a capital, um dos participantes, o major da SS Rudolf Lange, mandara executar mais de 900 homens e mulheres judeus nas proximidades de Riga, na Letônia, então pertencente à União Soviética.
No fac-símile da única ata existente dessa reunião de 90 minutos, hoje mantido no memorial Casa da Conferência de Wannsee, não se vê em nenhum lugar as palavras “assassinato” ou “homicídio”. Só há menção a uma “solução final” (Endlösung). Porém todos os participantes sabiam do que se estava falando.
Então, a partir de março de 1942, os trens de deportação passaram a confluir de diversas partes do continente para os locais de extermínio na Polônia ocupada. A ordem era fazer os judeus “desaparecerem”. Isso lembra que, no fim das contas, o grande campo de extermínio já começava nas numerosas plataformas ferroviárias conectadas com a de Auschwitz-Birkenau.
Muitas vezes em vagões de gado, os presos chegavam de países como França, Bélgica, Holanda, Itália, Hungria, Grécia, Croácia, Bulgária e Macedônia. Ao desembarcar, eram logo empurrados por uma rampa que, para muitos, ia dar direto nas câmaras de gás – enquanto outros iam primeiro ser explorados como mão de obra.
Em cidades alemãs como Colônia, Stuttgart, Hamburgo e Wiesbaden, mantém-se a recordação da macabra deportação. Um dos locais mais célebres é o Memorial Plataforma 17, na estação ferroviária berlinense Grünewald, visitado com frequência por políticos e delegações oficiais de Israel, de onde partiu um total de 35 trens, levando cerca de 17 mil judeus em direção à morte.
Anita Lasker-Wallfisch: salva pela música
Anita Lasker-Wallfisch, polonesa de Wrocław, foi levada a Auschwitz-Birkenau num desses trens aos 18 anos, em dezembro de 1943. Em 2018, em uma cerimônia em homenagem às vítimas do nazismo do Parlamento alemão, ela relatava: “Quem não fosse direto para a câmara de gás logo na chegada, não sobrevivia muito tempo em Auschwitz, no máximo três meses.”
Os recém-chegados ao campo de extermínio recebiam um número de identificação tatuado no braço. E a inconcebível desumanidade desse lugar simplesmente não os abandonava mais. “Os crimes mais inimagináveis contra seres humanos inocentes chegaram lentamente ao conhecimento público. A extensão da catástrofe era impossível de compreender”, denunciou Lasker-Wallfisch.
Auschwitz-Birkenau era uma máquina de morte munida de fornos industriais: “Os transportes eram muitos, e ocorria de o Crematório V não comportar todos os recém-chegados. Os que não tinham lugar nas câmaras de gás, eram fuzilados. Em muitos casos, a gente era atirada viva nos fossos cheios de fogo. Também isso eu vi.”
Ela própria, porém, sobreviveu graças à música: como tocava violoncelo, fez-se necessária à “Orquestra das Moças” do presídio, até ser transferida para o campo de concentração Bergen-Belsen, em novembro de 1944. Em 17 de julho de 2025 Anita Lasker-Wallfisch completa seu centenário, como uma das últimas testemunhas vivas do Holocausto.
Montes de cabelos humanos, vitrines de próteses
Em 27 de janeiro de 1945, os soldados do Exército Vermelho soviético finalmente libertaram o campo. Christoph Heubner tem 75 anos, mas em seu longo mandato como vice-presidente do Comitê de Auschwitz acompanhou numerosos sobreviventes, e resume as narrativas escutadas.
“Foi um momento de paralisia absoluta. Os libertadores, jovens soldados da Ucrânia, da Rússia, de muitas então repúblicas da União Soviética, ficaram parados diante dos portões de Auschwitz, não acreditando nos próprios olhos. Eles já haviam visto muita coisa, mas nunca algo assim: mortos sobre duas pernas. Só ao ver os rostos e os olhos é que eles compreenderam: estes esqueletos estavam vivos.”
“Era o local de um crime organizado pelo Estado. E esse crime é que se havia construído um aparato industrial para matar seres humanos”, condena Heubner. Foi preciso décadas até que começasse na Alemanha um processamento mais amplo dos horrores nazistas.
O Memorial de Auschwitz mantém hoje testemunhos palpáveis dessa desumanidade: em diversas barracas, montes de vários metros de altura de cabelos humanos e óculos, vitrines cheias de próteses e dos últimos bens das vítimas.