16/07/2003 - 7:00
DINHEIRO ? O campo está fora de controle?
MIGUEL ROSSETTO ? Não! Não há nada que autorize a construção
de um ambiente de descontrole nos conflitos agrários. Todos os números dão conta que, em relação aos primeiros anos de outros governos, houve uma redução muito grande do número de conflitos. No primeiro ano do mandato de Fernando Henrique Cardoso tivemos mais de 500 conflitos agrários. Embora esses números ainda sejam inaceitáveis, temos hoje entre 120 ou 130 conflitos. Também
temos a diminuição do número de mortes. Queremos deixar no passado a agenda de violência. O campo tem de ser um espaço
de paz, justiça e produção.
DINHEIRO ? O MST, no qual o sr. já militou, está atrapalhando o seu trabalho?
ROSSETTO ? O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e outras organizações do campo dispõem de legitimidade e acúmulos históricos importantes. Temos mais de 40 representações no campo hoje. Nós não representamos movimentos no governo. Representamos um programa, que é público, de uma política pública, que é a reforma agrária. É a partir dessas referências que trabalhamos. Da mesma forma que dialogamos permanentemente com as entidades patronais.
DINHEIRO ? O sr. prevê mais conflitos?
ROSSETTO ? Não. O cenário que estamos trabalhando é o da diminuição de conflitos na medida em que vamos avançando no nosso trabalho, resolvendo as questões fundiárias. Quando falamos em conflito no campo temos de entender que o Brasil possui uma enorme instabilidade fundiária, problemas não resolvidos como demarcação
de áreas indígenas, áreas ambientais, grilagem de terras. Na medida em que ampliamos o comprometimento de todas as instituições, criamos uma forte capacidade de intervenção positiva e soluções.
E mais: é preciso fazer com que os conflitos não sejam resolvidos
num ambiente de violência.
DINHEIRO ? Mas afinal, os sem-terra não estariam radicalizando?
ROSSETTO ? Eu não sou ombudsman de ninguém. O movimento responde por suas ações junto à sociedade e sua base. A socieda-
de democrática autoriza uma liberdade de opinião e de manifesta-
ções de todas as organizações.
DINHEIRO ? Como o sr. responde às acusações de que nas últimas semanas o seu ministério teria vestido a camisa do MST em detrimento dos proprietários rurais?
ROSSETTO ? Isso não é verdade. O ministério tem uma responsabilidade política e institucional, que é fazer a reforma
agrária e qualificar a agricultura familiar. É o que tenho feito.
DINHEIRO ? O sr. está confortável no cargo?
ROSSETTO ? Este é um cargo que tem exigido um trabalho incansável. Temos grandes desafios, não há dúvida. A reforma
agrária tem um atraso secular no País. Há um entusiasmo muito grande para avançarmos.
DINHEIRO ? O sr. colocaria o boné do MST?
ROSSETTO ? Esse é um símbolo que foi exageradamente trabalhado a partir de um gesto do presidente Lula. Se a pergunta é: colocar boné significa que um governo ou é tutelado ou é a expressão de uma parcela do movimento social no governo, isto não é correto afirmar. Sou ministro de Estado e tenho uma atuação para o conjunto da sociedade brasileira.
DINHEIRO ? O episódio foi supervalorizado?
ROSSETTO ? É evidente que sim.
DINHEIRO ? Por interesse de quem?
ROSSETTO ? Daqueles que não querem
a reforma agrária no Brasil, que muitas
vezes se utilizam de expedientes pouco corretos dentro de um debate demo-
crático. Praticamente todos os setores que têm expressão pública defendem a reforma. Mas há uma insistência permanente de vincular a reforma agrária à violência. Existem inúmeros problemas, mas em todos os espaços em que foi feita a reforma qualificou a vida das pessoas. A reforma agrária é um programa atual, contemporâneo, dispõe de grande capacidade de geração de emprego. Quem trabalha e produz não deve temer a reforma agrária.
DINHEIRO ? Quem joga contra a reforma?
ROSSETTO ? Setores muito minoritários na sociedade brasileira
que são incapazes de compreender seu valor para a democracia,
para a construção de uma sociedade. Essas vozes são vozes seculares, que historicamente sempre sustentaram o status quo, o processo de concentração de renda, de concentração de propriedade. Felizmente, são minoritárias.
DINHEIRO ? O ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, afirmou que quem defende terras com armas age com ?legitimidade na defesa da propriedade privada?. Os srs. estão afastados em razão desta colocação?
ROSSETTO ? Não, não estamos afastados. O que penso a respeito é que todos aqueles que se sentem agredidos ou lesados, e isso serve para qualquer tema na sociedade, devem procurar o Poder Judiciário. Quem se sente retirado de seus direitos deve recorrer aos espaços institucionais existentes. Agora, não podemos tolerar o armamento ilegal, as milícias, que são verdadeiros estimuladores de crimes e assassinatos no campo. Os mortos são de um lado, o lado dos trabalhadores, e devemos acabar com este ambiente de criminalidade.
DINHEIRO ? Que perspectivas há para o campo?
ROSSETTO ? Vivemos ao longo dos últimos anos uma contra-reforma. Foram centenas de milhares de famílias que abandonaram a terra e migraram para as grandes cidades diante de uma absoluta ausência de políticas agrícolas. A nossa estratégia é a de avançar na política de assentamento qualificado, combinando crédito, assistência técnica, comercialização e capacitação permanente. Avançamos muito no primeiro semestre e pretendemos aumentar neste segundo a nossa capacidade de assentar.
DINHEIRO ? A produção no campo bate recordes a cada ano e em contrapartida os momentos de tensão aumentam quase que na mesma proporção. Isso não é um paradoxo?
ROSSETTO ? Essa é a contradição do campo brasileiro. Por isso eu digo: quem produz não teme a reforma agrária.
DINHEIRO ? A Justiça trata de maneira desigual o grileiro urbano e o camponês que invade terras?
ROSSETTO ? Não. A nossa expectativa em relação ao Poder Judiciário é de agilização nas decisões. Há uma receptividade muito boa tanto nos tribunais de Justiça estaduais quanto da Justiça federal, no sentido de reconhecerem um interesse social claro nas questões do campo. As varas agrárias nos Estados são um exemplo disto.
DINHEIRO ? O que o sr. pensa da União Democrática Ruralista (UDR)?
ROSSETTO ? É uma organização de uma parcela minoritária do patronato rural brasileiro que tem defendido idéias que, na minha opinião, felizmente não correspondem à imensa maioria dos produtores do nosso País. A UDR não tem colaborado com a construção de um ambiente positivo no campo brasileiro.
DINHEIRO ? Todos os ministros reclamam da ?herança maldita? deixada por FHC. Qual é a sua parte na herança?
ROSSETTO ? Um volume muito grande de assentamentos com baixíssimos investimentos em infra-estrutura ? os assentamentos não têm água, não possuem estradas, não há estrutura nenhuma ? e um padrão de conflito importante. Contamos com recursos limitados, especialmente neste primeiro ano, mas estamos muito seguros na nossa capacidade de expansão com uma qualidade que traduz o respeito que temos para com o trabalhador rural. O ministério assume uma tarefa impor-
tante, que é a reorganização de um sistema de assistência técnica, que
foi destruído durante a década de
90. A chave do nosso programa é ir
além do acesso à terra.
DINHEIRO ? Que características o assentamento feito pelo governo Lula teria?
ROSSETTO ? Em primeiro lugar, tem de ser uma terra com qualidade
e capacidade de produção, para ser usada com dignidade. Essas terras devem ser um espaço de vitalidade econômica, preservação ambiental e qualidade social.
DINHEIRO ? Os bancos públicos, em especial o Banco do Brasil, sempre financiaram os produtores agrícolas, mas nem sempre com fórmulas que os agradassem. Quais são suas propostas para reaproximar os produtores dos bancos?
ROSSETTO ? Já neste ano estaremos fazendo mudanças importan-
tes de simplificação de acesso ao crédito. Queremos reduzir a burocracia e simplificar o sistema. Há uma forte integração de todas as estruturas do governo para que isto dê certo. Uma das nossas parceiras mais fortes é a ministra Dilma Roussef (das Minas e Ener-
gia), mas também temos ótimas conversas com o ministro Olívio
Dutra (das Cidades), Marina Silva (do Meio Ambiente) e Ciro Gomes (da Integração).
DINHEIRO ? A meta de assentar 60 mil famílias este ano está mantida?
ROSSETTO ? Sim. Há um esforço de governo no sentido de concluirmos uma análise das áreas que são potencialmente passíveis de receber assentamentos. A expectativa é que em breve tenhamos esse levantamento e possamos ampliar essa política.
DINHEIRO ? O seu ministério foi atingido por um forte contingenciamento. A verba caiu de R$ 462 milhões para R$ 162 milhões. Esse dinheiro é suficiente?
ROSSETTO ? Não é suficiente mesmo, por isso estamos tentando outras soluções. Uma delas está em curso. Estamos fazendo um amplo e detalhado levantamento das terras públicas e devolutas que pertencem à União e de terras que foram dadas como garantia às instituições financeiras. Este montante será usado para fins de reforma agrária. O trabalho é incansável neste sentido.
DINHEIRO ? Se outros governos não conseguiram fazer a reforma agrária, o que faz o sr. crer que este será capaz de fazê-la?
ROSSETTO ? É uma prioridade. A reforma é parte organizadora
de um projeto do PT e deste governo, um espaço de moderni-
zação do campo brasileiro e a solução para vários problemas
sociais. Vamos conseguir.