O ex-presidente do Banco Central (BC) e vice-chairman do Nubank, Roberto Campos Neto, avalia que o governo brasileiro precisa realizar um ajuste nas contas públicas de olho no crescimento da dívida em um passado recente. Para o economista, deve haver agilidade nessa decisão para não ter que fazer isso em condições “piores do que temos hoje”.

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“Quando você tem uma dívida que cresce tanto, o ajuste vem sempre. Ele pode vir via inflação, que aí é o imposto regressivo, onde quem tá embaixo paga mais a conta. Ele pode vir de impostos, e acabamos penalizando o capital, ou então ele pode vir através de uma desorganização de mercados, até mesmo um problema dos governos em pagar dívida, que aí recai sobre quem financia o governo”, declarou Campos Neto, em fala por videoconferência durante evento do Nubank que ocorre nesta quinta-feira, 4.

“A melhor forma de resolver isso é de uma forma organizada, cortando gastos. Se o governo não conseguir entender que precisa cortar gastos, vai acabar ter que fazendo corte de gastos numa situação inicial com condições muito piores do que temos hoje”, completou.

ex-presidente do Banco Central frisou que a fala vale tanto para o Brasil quanto para outros países com problemas de política fiscal no radar, como os Estados Unidos, que tem mostrado déficits orçamentários ano a ano e soma uma dívida pública na casa dos US$ 36,56 trilhões.

Campos Neto ainda destacou que indiscutivelmente ocorreu um problema de demanda no pós-pandemia e as questões fiscais tiveram intercorrências em vários lugares do mundo por conta de um ambiente com ‘dois aceleradores’ – com gastos públicos elevados e bancos centrais cortando juros para patamares historicamente baixos, movimentos feitos a fim de evitar eventuais recessões.

Autonomia do BC é ‘conquista’ e ataques minam inclusive condução da política monetária

Campos Neto frisou que mantém sua postura acerca da autonomia do Banco Central e que a política ‘na verdade é um custo mais baixo de se atingir metas em política monetária’.

“Você tem mais credibilidade no Banco Central, então o seu canal de política monetária fica mais forte, significa que o custo de atingir, o custo de de exercer a sua função é mais baixo”, disse.

“É muito importante que as pessoas entendam que quando existe um ataque à autonomia do Banco Central, o que acontece, na verdade, é nós enfraquecemos o canal de política monetária. Isso faz com que a gente tenha que fazer um movimento maior às vezes nos juros para atingir o mesmo objetivo”, completou.

Tarifas geram incerteza e freiam investimentos

Sobre o tarifaço de Donald Trump, destacou que os motivos usados pelos EUA para aumentarem alíquotas são motivos que historicamente fracassarem nos seus objetivos.

A visão é de que tarifas só servem para:

  • Restrição: para proteger a indústria nacional
  • Receita: para apoiar as contas públicas
  • Reciprocidade: para manter relações bilaterais e condições de comércio exterior igualitárias

Nesse caso, os dois primeiros motivos mostram um ‘histórico amplo de fracasso’, segundo o vice-chairman do Nubank, que cita a Lei da Informática e Lei de Conteúdo Nacional como políticas que não conseguiram estimular a indústria brasileira.

“Acho que o mais importante é que quando a gente olha o que tá acontecendo nos Estados Unidos, a gente não consegue muito bem associar as regras que foram feitas e as tarifas que foram divulgadas ao tema da reciprocidade. O que acontece é que gerou uma incerteza e toda a incerteza é ruim”, disse.

Campos Neto cita que a política freia investimentos, dado que há um enorme grau de incertezas sobre as alíquotas e suas durações.

Em um caso de reciprocidade, as tarifas de Trump poderiam ‘se mover na linha de acordos comerciais’, mas a avaliação de Campos Neto é de que esse não é o caso.