14/11/2024 - 11:35
O presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto, disse em entrevista à Folha de S.Paulo que o governo Lula precisa agir rapidamente para cortar despesas e garantir que o arcabouço fiscal seja sustentável a longo prazo. “O que poderia ser capaz de reverter esse prêmio de risco é um conjunto de medidas que tenham duas dimensões. A primeira é gerar um corte de gastos na carne no ano de 2025, que seja relevante. E, depois, medidas que indiquem aos agentes econômicos que estruturalmente o arcabouço fica mais sustentável para a frente”, afirma Campos Neto.
Sobre o tempo que o governo tem para implementar essas ações, ele argumenta que quanto mais rápido, melhor: “Quanto mais se espera, depois mais você acaba tendo que fazer. Vai gerando uma dinâmica de piora. O choque que precisa ser produzido depois é maior”. Ele ressalta que a demora nas medidas fiscais pode causar sérios impactos no mercado, como investimentos perdidos e oportunidades desperdiçadas: “É gente que não investe, é alguém que fez um hedge, é um investimento que vinha para o Brasil e não veio. É sempre bom voltar a um preço melhor, mas não é verdade que a trajetória não influencia. O ideal é você se antecipar e não agir depois que o mercado já piorou muito.”
Ele também fala sobre a necessidade de cortes de gastos estruturais: “Olhando as pesquisas que a gente recebe de mercado, tenho escutado entre R$ 30 bilhões e R$ 50 bilhões no ano de 2025 e alguma coisa estrutural. No estrutural, não é uma opinião do Banco Central, o que a gente tem visto os economistas falando é que enderecem o ponto da indexação e da vinculação”. No entanto, segundo o banqueiro central, se as medidas de revisão de gastos forem consideradas mais brandas do que o esperado, não há uma perspectiva de crescer a chance de uma alta maior de juros. “Em nenhum lugar da ata do Copom está escrito que o BC pretende acelerar a alta de juros. Continuamos dizendo que a gente prefere ter um guidance [sinalização futura] aberto e que vamos analisar ao longo do tempo.”
O presidente do Banco Central também se posicionou sobre questões econômicas globais, como o impacto das políticas de Donald Trump no Brasil. “O Brasil é bem menos impactado do que outras economias emergentes”, afirmou. Mesmo com o impacto global das mudanças nas políticas fiscais e comerciais, ele não vê o cenário com pessimismo excessivo: “O mundo vai demorar um pouco para digerir e entender quais são as políticas que estão vindo.”
Campos Neto ainda defendeu as reformas estruturais implementadas durante sua gestão, como a reforma trabalhista do governo Temer, que, segundo ele, contribuiu para a redução do desemprego. Porém, ele critica projetos como o da jornada de trabalho 6×1, afirmando que tais iniciativas são um retrocesso nas conquistas do mercado de trabalho: “Quando vejo um projeto como esse do 6×1, ele volta atrás num avanço que foi feito, que é o de flexibilizar as relações de trabalho.”
Ao refletir sobre seu mandato e as metas de inflação, Campos Neto afirmou que, apesar de a meta de inflação não ter sido cumprida nos últimos três anos, o cenário pós-pandemia é um desafio global. “No pós-pandemia, não tem um BC no mundo que cumpriu meta. A nossa inflação foi uma das primeiras a começar a cair, agimos de forma antecipada, e os prêmios que você mencionou reconhecem isso.”