25/02/2004 - 7:00
Com um método criativo e custos baixos, os cientistas brasileiros conquistaram posição de destaque na corrida do genoma, em que instituições de todo o mundo se revezam para decifrar as informações do DNA humano. Agora que seus conhecimentos estão prestes a ganhar uma aplicação prática, eles enfrentam um desafio não menos importante: arrecadar dinheiro para produzir testes e medicamentos antes de seus concorrentes internacionais. O obstáculo ficou evidente na última semana, quando a revista americana Cancer Research, a mais prestigiada na área, publicou um artigo de capa escrito por uma equipe do Hospital do Câncer de São Paulo. Os autores identificaram um conjunto de genes capaz de predizer o futuro de um estômago problemático, isto é, se ele tende ou não a desenvolver um tumor. Com isso, uma nova corrida contra o tempo começou no mundo. Em cinco anos, essa descoberta poderá parir um teste de laboratório que irá beneficiar milhões de pessoas e gerar dividendos para seus inventores. ?Poderíamos concluir o projeto em menos tempo se tivéssemos mais capital?, diz o bioquímico Luiz Fernando Reis, que coordenou o estudo. ?Por isso, de agora em diante nossa pesquisa vai depender de investimento de risco.?
Até o momento o obstáculo financeiro não tem sido um impeditivo. Desde que entrou na empreitada, o País mostrou que consegue fazer pesquisa de qualidade com recursos escassos. Em vez de construir prédios e contratar cientistas com altos salários, os brasileiros preferiram unir pesquisadores pela internet. Ninguém precisou mudar de lugar. Toda informação obtida por 32 centros diferentes foi centralizada pelo Instituto Ludwig. Ao final, a contribuição científica brasileira só não foi superior ao das entidades americanas. Na pesquisa sobre câncer do estômago, enquanto os europeus contam com apoio de farmacêuticas, os brasileiros rateiam os custos entre o Instituto Ludwig, a Fapesp e Hospital do Câncer. Nos estudos sobre o genoma do câncer, a verba foi de apenas US$ 20 milhões. ?Trabalhamos com menos de 10% do que os outros têm?, diz Reis.
Teste. Só que, na próxima fase do projeto, os valores serão mais polpudos. Entre mil e duas mil pessoas com uma lesão específica no estômago serão analisadas pelo novo teste durante um ano. ?Os investidores não podem pensar em ter o retorno sobre seus investimentos em dois ou três anos. O mundo não funciona mais assim?, diz Ricardo Brentani, presidente do Hospital do Câncer. No próximo mês, Brentani embarca para os EUA, onde vai tentar convencer entidades a apostar no teste brasileiro. Ele está esperançoso. Em 1982, o médico fez uma viagem para aquele mesmo país. Na volta, trouxe na bagagem um acordo com o Instituto Ludwig, que está entre os dez maiores laboratórios de pesquisa sobre o câncer do mundo.