29/08/2007 - 7:00
Definitivamente não foi uma boa idéia. Em 2004, poucos meses antes de morrer, o empresário Guilherme Müller Filho, fundador da Companhia Müller de Bebidas (leia-se Caninha 51), resolveu profissionalizar sua empresa. Para tanto convidou dois nomes de peso para assumir posições no conselho de administração: o consultor Roberto D’Utra Vaz e o ex-ministro Alcides Tápias. Meses depois, arrependeu-se e os afastou do órgão. Mas, a partir dali, a empresa viu-se envolvida em uma interminável disputa que se arrasta até hoje nos tribunais. No epicentro estão os dois filhos de Guilherme: Benedito, de 59 anos, e Luiz Augusto, 54. Em jogo está um patrimônio estimado entre R$ 150 milhões e R$ 200 milhões e o controle da terceira maior fabricante de bebidas destiladas do mundo, dona de um faturamento de R$ 550 milhões e lucro de R$ 45 milhões em 2006. Ao redor dos dois irmãos gravitam alguns nomes conhecidos no meio empresarial brasileiro. Um deles é o próprio D’Utra Vaz, representante de Benedito no conselho de administração. Ao lado de Tápias, Herman Wever, Alkimar Moura, entre outros, ele é um dos sócios da Aggrego, que se diz especializada em recuperação de empresas. Foi pelas mãos de D’Utra Vaz que Ricardo Gonçalves, ex-presidente da filial brasileira da Parmalat, chegou ao posto de principal executivo da Caninha 51, posição questionada na Justiça por Luiz Augusto. Dias atrás, um novo personagem passou a fazer parte desse cenário. Daniel Mandelli Martin, ex-presidente da TAM e cunhado do fundador da companhia aérea, Rolim Amaro, foi eleito para a presidência do conselho, apoiado por Luiz Augusto. “A primeira missão será reduzir a influência da Aggrego dentro da minha companhia”, ataca Luiz Augusto, em entrevista exclusiva à DINHEIRO. “Nos últimos dois anos, D’Utra Vaz e a consultoria se tornaram um terceiro eixo de poder ali dentro.” Procurado pela DINHEIRO, D’Utra Vaz, por intermédio de sua secretária, sugeriu que a reportagem procurasse a presidência do conselho. Alertada de que a entrevista se referia diretamente a ele, não houve mais retorno às ligações. Por sua vez, Benedito Augusto Müller não respondeu aos telefonemas da revista.
Qual são os planos da companhia com a posse de Daniel Martin?
Nossa primeira providência será reduzir a influência do sr. D’Utra Vaz e da Aggrego na Müller.
De onde vem essa influência?
Em junho de 2004, meu pai chamou o sr. D’Utra Vaz e o sr. Alcides Tápias para a presidência e a vice-presidência. Já em dezembro, porém, ele chegou à conclusão de que os dois estavam desarmonizando a companhia e demitiu ambos através de uma correspondência. Meu pai morreu logo depois e, em abril de 2005, meu irmão, utilizando os votos que tinha por ser inventariante, trouxe o sr. D’Utra Vaz de volta, deixando claro que havia uma proposta de litígio entre nós.
Por que o sr. não concordou com a nomeação do sr. D’Utra Vaz?
Fui analisar as empresas pelas quais ele passou. A maioria, como Eldorado, Perdigão e Cofap, era familiar e foi vendida ou cindida. O objetivo da Aggrego era trazer a discórdia entre os irmãos e, aproveitando essa discórdia, desvalorizar a companhia para vendê-la na baixa e ganhar uma bela comissão.
Como eles fazem isso?
Por exemplo: ele diz que a empresa tem contingências com fornecedores, que, aliás, somos eu e meu irmão. Nós temos terras onde plantamos cana, que fornecemos para a produção de cachaça na Müller.
Que contingências são essas?
São contingências que ele não explica e a Price, que audita a companhia há anos, nunca enxergou. Ele nunca precificou essa contingência, nem mesmo questionado pelo conselho de administração. Ele quer diminuir o valor da companhia para forçar a venda. Pois eu falo: eu não vou vender minha parte. Essa estratégia dele é antiga. Fui presidente da Müller por mais de 25 anos, conheço a situação da empresa e não será ele que dirá como é minha companhia. Ele não tem capacidade para isso. A Aggrego possui uma agenda oculta nas empresas.
Eles já ofereceram a Müller para possíveis compradores?
Não. A estratégia deles é diferente. Eles querem me sufocar financeiramente para me forçar a vender minha parte. Mas não vendo.
Como eles procuram sufocá-lo?
Eles impedem minhas retiradas da empresa. Nem mesmo distribuição de lucros eu recebo. Eles alegam que a companhia não deu lucro dois ou três anos e, por isso, não há dividendos. Mas o acordo de acionistas prevê essa possibilidade. Eles também tentaram me responsabilizar por problemas na produção da empresa.
Quais problemas?
Como eu e meu irmão somos, num mesmo condomínio, fornecedores de cana para a Müller, eles alegam que não havíamos assinado alguns contratos e assim faltaria matéria-prima para a produção. Só que eu descobri que mais de cinco mil toneladas de cana foram jogadas fora. Levamos um fiscal ao local e fizemos uma ata notarial. Isso tudo para que o condomín io não desse lucro e eu tivesse problemas financeiros. Mas encaminhei essa denúncia para o Ministério Público, pois essa ação dilapida meu patrimônio e de menores de idade, como meu filho e minha neta.
Mas, ao atingir o condomínio, eles também atingem seu irmão. Se eles
são aliados, não há uma contradição?
Minha avaliação é de que o Benedito está agindo em prejuízo dele mesmo. Talvez eles pensem que esse prejuízo pode ser compensado se eu vender minha participação por um preço baixo. O D’Utra Vaz criou um terceiro eixo de poder na companhia. Eles, da Aggrego, utilizam as desavenças entre mim e meu irmão para estabelecer esse terceiro eixo.
O sr. vê possibilidade de se compor com seu irmão?
Vejo. Mas como ele está agregado com a Aggrego, ou Desaggrego, há muita dificuldade em obter essa composição. O grande óbice é o sr. D’Utra Vaz. Eu não vejo possibilidade de solução com a presença deles. Acho estranho. O Tápias é do conselho da Ambev, que é concorrente da Müller. O D’Utra Vaz é do conselho de uma usina de açúcar e álcool. É um antagonismo que não entendo. Ali falta ética.
A Aggrego tomou medidas lesivas à companhia?
O sr. D’Utra Vaz fez até assembléias em que ele é o único presente e debate com ele mesmo, como mostra a ata. Nunca vi isso, mas gostaria de aprender como se faz. O que não tem graça é a assembléia com a presença de apenas três dos seis conselheiros (o estatuto diz que são necessários 75% de presença) decidir dar um carro importado para o sr. Ricardo Gonçalves de US$ 70 mil, blindado, o que significa mais US$ 30 mil. Aprovaram ainda um salário de R$ 70 mil para ele e passagens para Paris. Fomos à Justiça e o juiz anulou essas assembléias.
O sr. tentou se reconciliar com seu irmão?
Enviei vários sinais, inclusive por escrito. Nunca recebi resposta dele ou de meus sobrinhos.