08/06/2025 - 11:38
A busca pelo significado de um das mais tradicionais brincadeiras infantis brasileiras, a clássica Escravos de Jó, é um dos focos da exposição Nossa Vida Bantu, em cartaz no Museu de Arte do Rio de Janeiro (MAR), no centro da capital fluminense.
Na instalação, a artista Aline Motta sugere que Jó não foi um traficante de pessoas ou religioso, como o senso comum chegou a afirmar. Jó, segundo Aline, possivelmente deriva de “nzo”, que significa casa, em quicongo, e faz alusão às mulheres escravizadas “domésticas”, jogando “caxangá”, talvez, um jogo de búzios, na época da escravidão, no Brasil. Já o caxangá e o ziguezague da cantiga seriam referências às tentativas de fuga, expressas de forma cifrada.
Na primeira sala da exposição, a artista projeta representações de pessoas escravizadas, jornais da época e palavras bantu, em círculos, uma vez que elementos rítmicos circulares são típicos da cultura afro-brasileira.
A obra é um dos destaques da mostra que ficará em cartaz ao longo do ano e tem o objetivo de recuperar o papel significativo que os povos de diversos países africanos, denominados sob o termo linguístico bantu, tiveram na formação cultural brasileira e na identidade nacional.
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“A intenção foi resgatar uma cultura que está entre nós, que permanece, mas que, de certa maneira, houve sobre ela poucos estudos e inflexões intelectuais, entendendo que a cultura nagô e iorubá foi muito mais estudada, representada na literatura e no teatro”, explicou Marcelo Campos, curador-chefe do MAR. “Vamos resgatar, trazer para o centro a cultura bantu que é africana, sobretudo da África central, mas sobre a qual falamos pouco”, completou. A cultura bantu mencionada por ele se refere a Angola e Moçambique, por exemplo.
Tecnologias da metalurgia, manipulação do couro, repertório gestual, religioso, além de expressões como “dengo”, “moleque”, “mafuá” e “farofa”, assim como congadas e folias são herdadas dessa matriz.
“A presença das culturas bantu no Brasil e em diversos territórios das Américas não se limita a uma herança remota, mas se expressa em práticas que organizam o tempo, o espaço a linguagem e a vida em comunidade”, diz o texto que apresenta a exposição ao público, logo na entrada.
Por meio de várias linguagens artísticas, mais de 50 obras, entre filmes, pinturas, fotografias e música, a Nossa Vida Bantu reúne mais de 20 artistas nacionais e estrangeiros. Além de Aline Motta, estão o coletivo de artistas africanos Verkron, o coletivo indígena Mahku, e André Vargas, outro destaque da mostra.
“Vargas é um artista carioca que trabalha duas poesias. Em uma delas, ele vai criando frases relativas às nossas manifestações da umbanda, junto aos pretos velhos. Ele cita nomes pelos quais a gente denomina muitas dessas entidades. Por exemplo, Joaquim de Angola. Ele declama para poder fazer com que a gente entenda que eram os países africanos que nós cultuávamos nos ritos afro-diaspóricos”, explicou Campos.
Há ainda um pedaço da mostra que reflete sobre como a cultura bantu foi incorporada pelos povos indígenas, originários, e ressignificada após a dispersão de pessoas escravizadas e seus descendentes pelo país, e que poderia ser chamada afro-indígena.
O filósofo, pesquisador e artista Tiganá Santana atuou como curador convidado da mostra no MAR. Ele diz que a exposição buscou evidenciar “subjetividades e ações artísticas entre Brasil, Angola, Cuba e Uruguai, a versar sobre presenças bantu a partir de agora, acontecendo nesta molécula de instante”, ressaltou, em nota.
O MAR é um museu da prefeitura do Rio de Janeiro e abre todos os dias, das 11h às 18h, com exceção das quartas-feiras. Na terça, a entrada é gratuita.