Um cardume com até 200 exemplares de tubarões foi avistado nesta quarta-feira, 19, pela equipe do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), no entorno do Arquipélago de Alcatrazes, unidade de conservação marinha, no litoral norte de São Paulo. Um aumento no número de tubarões na região, a mesma que vem atraindo turistas para observação de baleias, já vinha sendo observado nos últimos anos. Para especialistas, o fenômeno está relacionado à ampliação da área protegida com a criação da Reserva de Alcatrazes e pela maior fiscalização contra a pesca, proibida no entorno do arquipélago.

O relato da equipe de mergulhadores do ICMBio, ao retornarem da jornada no mar, no fim da tarde, impressionou até a chefe do Núcleo de Gestão Integrada do ICMBio, Thais Farias Rodrigues. “Em dez anos que trabalho em Alcatrazes, nunca vi uma quantidade tão grande e diversificada de tubarões. Estávamos acostumados a ver cardumes com dezenas de espécimes, como os de tubarões-martelo. Recentemente vimos mais de 100 tubarões de uma espécie que ainda estamos identificando. É uma concentração inusitada, mas hoje o cardume extrapolou”, disse ao Estadão.

Segundo ela, em sua maioria eram tubarões-martelo, espécie que chega a medir mais de 4 metros de comprimento, mas havia uma porção menor de tubarões de outra espécie que ainda será identificada pelas imagens. O tubarão-martelo compõe duas das sete espécies de tubarões identificadas na região por pesquisadores, seis delas ameaçadas de extinção.

Conforme Thaís, esse aumento está relacionado à ampliação na área protegida da reserva e ao combate à pesca. “Há dez anos, era comum encontrarmos até 15 barcos pescando na ilha. A gente abordava um e os outros fugiam. Depois que a reserva foi ampliada, em 2016, passamos a ter mais fiscais e estrutura. Hoje temos equipes permanentes acampadas na ilha e usamos tecnologia para fiscalizar durante a noite. Como resultado, os peixes voltaram e, atrás deles, vieram os predadores como os tubarões”, disse.

O arquipélago de Alcatrazes fica a 35 km da costa de São Sebastião e virou paraíso dos mergulhadores. Acostumados à observação de baleias, como as baleias-jubartes que nesta época passam pela região em busca de áreas marinhas mais quentes para reprodução, eles agora também buscam contato visual com os cardumes dos predadores do mar. Desde 2016, o arquipélago ganhou o status de Refúgio da Vida Silvestre, administrado pelo (ICMBio).

Espécie rara

Um estudo do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (IMar/Unifesp), realizado entre 2022 e 23, constatou a presença de sete espécies diferentes de tubarões no entorno do arquipélago: cação-bagre-da-cauda-branca, tubarão-mangona, tubarão-galhudo, tubarão-seda, cação-frango, tubarão-martelo-recortado e tubarão martelo-liso. O tubarão-mangona encontra-se atualmente como espécie “criticamente ameaçada” em níveis regional, nacional e mundial.

A pesquisa integra o projeto Mar de Alcatrazes, do instituto da Unifesp. “Monitoramos a ilha com mergulhos desde 2016, mas nesses dois anos recentes fizemos 150 operações de uma hora utilizando câmeras instaladas em estrutura de metal e isca para atrair predadores. Em 11% delas registramos tubarões”, disse o professor Fábio Motta, pesquisador do Laboratório de Ecologia e Conservação Marinha (LabecMar) coordenador do projeto. Segundo ele, pela primeira vez um tubarão-mangona foi registrado na região.

Para Motta, a explicação mais evidente é a ampliação na área protegida do refúgio que, em 2016, saltou de 12 mil hectares para 600 mil hectares (1 hectare equivale a um campo de futebol) . “Houve também um fortalecimento da fiscalização, o que ajuda a explicar a abundância de espécies de peixes e animais marinhos na região.” Entre as espécies, além da mais ameaçada, chama a atenção a quantidade de tubarões-martelo, que só frequentam áreas mais preservadas do litoral.

A Reserva de Alcatrazes é a maior unidade de conservação marinha de proteção integral das regiões Sul e Sudeste. Foram catalogadas 1,3 mil espécies de flora e fauna e cerca de 250 espécies de peixes na área protegida. Até a década de 1990, o arquipélago era alvo de exercícios de tiro realizados pela Marinha. Os projéteis destruíam os ninhos e afastavam as aves do lugar. Após pressão de ambientalistas, o lugar se transformou em agosto de 2016, por meio de decreto federal, em Refúgio de Vida Silvestre.

Não há autorização para desembarque de turistas na ilha, mas os mergulhos são permitidos em ao menos dez locais costeiros com diferentes graus de dificuldade, profundidade e características ambientais. O acesso deve ser feito por meio de uma das 15 empresas de turismo cadastradas pelo ICMBio. Barcos privados também podem levar mergulhadores, mas com agendamento e desde que acompanhados por guias ou condutores de visitantes habilitados.