11/10/2006 - 7:00
DINHEIRO ? O sr. concluiu um estudo sobre os problemas causados pela elevada carga tributária. O que ele mostra?
GILBERTO AMARAL ? O estudo identificou que desde a promulgação da Constituição de 1988 foram editados 3,5 milhões de normas, ou seja, adendos ao texto original, e que desse total 229 mil modificam a estrutura tributária.
DINHEIRO ? O que isso significa?
AMARAL ? Que há uma volúpia legislativa que gera ônus enormes tanto para as empresas como para as pessoas físicas. Além disso, há uma inversão de atribuição de poderes. A maioria das normas se origina no Executivo e não no Legislativo. Sem contar o elevado índice de medidas provisórias, que distorcem ainda mais a situação.
DINHEIRO ? Até que ponto isso prejudica o País e o andamento dos negócios?
AMARAL ? Vamos partir pelo que é mais simples: o cidadão comum. Mesmo uma pessoa assalariada tem de lidar com um número infinito de normas e legislações que afetam diretamente a vida cotidiana.
DINHEIRO ? Por exemplo…
AMARAL ? Comprar um imóvel, adquirir um carro ou contratar um trabalhador doméstico. Fazer isso, ao contrário do que deveria ser, não é tarefa simples por conta do excesso de legislação. Para as empresas a situação é mais complexa ainda.
DINHEIRO ? Qual a conseqüência disso?
AMARAL ? Por conta dessa multiplicidade de legislações, que são na maioria das vezes conflitantes, as empresas nunca têm certeza de estarem cumprindo a lei. Essa insegurança jurídica é muito forte no Brasil e traz problemas até para o Judiciário.
DINHEIRO ? Esse cenário estimula a quebra de regras?
AMARAL ? Exatamente. No campo tributário acabamos tendo empresas indo para a sonegação e informalidade. Há casos e mais casos de corrupção porque os agentes que cometem a infração não têm medo da punição. Eles ficam tranqüilos porque esse emaranhado de leis os favorece. Em matéria penal, por exemplo, quando a norma é conflitante ela beneficia o réu.
DINHEIRO ? O sr. diria que o sistema prejudica quem quer ser ?certinho? e favorece os que usam do ?jeitinho??
AMARAL ? Eu diria que essa situação tem trazido problemas sérios para o País. Os investimentos produtivos estão minguando. As principais empresas brasileiras preferem fazer investimento em outros países e as estrangeiras temem essa nossa insegurança jurídica. Há um custo enorme das empresas, estimado em R$ 30 bilhões por ano, gasto só para acompanhar a questão tributária.
DINHEIRO ? Esse é o preço para manter equipes especializadas na questão tributária?
AMARAL ? Sim, e mesmo assim há uma grande frustração. Digo isso como advogado que acompanha há anos essa área: eu não conheço toda a legislação tributária. E duvido que alguém saiba tudo. Eu desafio alguém a dizer que conhece toda a legislação.
DINHEIRO ? Isso é muito ruim, não?
AMARAL ? Essa frustração parte de nós, que somos técnicos do setor privado, e do governo. Outro dia, o Ricardo Pinheiro, secretário-adjunto da Receita, disse que eles estão completamente perdidos em relação ao PIS/Cofins. Desde 1996 o governo federal tenta compilar as normas desses tributos e não consegue porque elas mudam constantemente.
DINHEIRO ? É o excesso de burocracia…
AMARAL ? Isso leva ao atraso do País e nos condena a registrar essas taxas de crescimento pífio. Na minha opinião, o dado mais preocupante da economia são os 45% dos jovens sem emprego.
DINHEIRO ? O sr. acha a carga tributária mais nociva que os juros?
AMARAL ? É muito mais nociva. Até porque é a carga tributária que leva ao aumento dos juros.
DINHEIRO ? Por quê?
AMARAL ? Primeiramente pela própria incidência da tributação nos recursos. Existe um efeito perverso da carga tributária que é o custo financeiro para pagar tributos. As empresas têm de financiar essa distorção porque elas pagam os tributos antes de receber suas receitas. Elas antecipam em média 28 dias por mês e por isso têm de se financiar no mercado. Quando vão ao mercado, elas geram uma demanda maior que a oferta e é lógico que, se você tem uma procura muito acentuada por recursos, os juros aumentam.
“De uma empresa prestes a fechar, a Ford tornou-se a montadora mais lucrativa da região”
DINHEIRO ? O sr. quer dizer que a redução da taxa básica de juro não resolve o problema?
AMARAL ? Sim. O tributo é muito mais nocivo na atual conjuntura que a própria taxa de juros. Porque, mesmo que o Banco Central consiga baixar a taxa básica, os juros na ponta continuarão elevados. Porque uma taxa menor vai estimular ainda mais a demanda por dinheiro.
DINHEIRO ? Esses temas, na sua opinião, deveriam ser o foco do debate na campanha presidencial?
AMARAL ? São assuntos que não podem ficar de fora do debate. Uma crítica que tenho feito é que a saída, ao contrário do que muita gente diz, não é a reforma tributária. É besteira falar em reforma tributária.
DINHEIRO ? Por quê?
AMARAL ? Em 18 anos, o Brasil experimentou 12 reformas tributárias. São 12 emendas constitucionais que funcionaram como reforma tributária e todas foram realizadas com o objetivo de criar novos tributos.
DINHEIRO ? As reformas não funcionaram então?
AMARAL ? Elas serviram para a criação da CPMF, do PIS e Cofins sobre importações, da Cide. Ou seja, criaram ou majoraram tributos já existentes.
DINHEIRO ? Esses problemas não poderiam ser corrigidos com uma reforma positiva, que simplificasse tributos?
AMARAL ? Falar em reforma tributária não é o ideal. A reforma se tornou uma desculpa para que os governos não mexam num sistema tributário que lhes propicia uma altíssima arrecadação.
“Os parlamentares aprovaram, desde a Constituição de 1988, 229 mil normas tributárias”
DINHEIRO ? Qual seria a saída então? A maioria dos analistas aponta a reforma tributária como o tema que deve ser prioridade do próximo governo.
AMARAL ? Eu sou contra. Primeiro porque reforma tributária tem de ser precedida de uma reforma fiscal.
DINHEIRO ? Para se chegar a um patamar ideal, o que o governo deveria fazer?
AMARAL ? Ter coragem para reduzir tributos. É preciso cortar PIS/Cofins e ICMS. Não tem jeito. O ICMS, quando criado, tinha alíquota média de 16%. Hoje, a taxa cobrada nos serviços de comunicação, luz e energia chega a 22%.
DINHEIRO ? O Congresso vai apoiar?
AMARAL ? O novo governo terá de arranjar força para isso. Ele não vai ter maioria no Congresso para fazer reforma tributária. E não adianta fazer reforma tributária sem reforma fiscal e a implantação de um controle de gastos. O que não é controle de investimento, que fique claro.
DINHEIRO ? O que mais?
AMARAL ? Outro desafio é achar os ralos por onde se vai o dinheiro público. Hoje, 32% de tudo o que é arrecadado acaba financiando a corrupção ou a ineficiência estatal. Não podemos continuar assim. Se o governo trabalhar com cuidado a gestão do dinheiro público, aliado a uma redução da carga tributária, mesmo que paulatina, o cenário melhora.
DINHEIRO ? Como fazer isso?
AMARAL ? É importante lembrar o seguinte: existem ações que geram sensações. O que é isso? No momento em que o governo sinalizar com redução, mesmo que paulatina, dos tributos, vai fazer com que os investidores retomem a confiança e voltem a apostar no Brasil.
DINHEIRO ? O sr. defende então um planejamento de médio e longo prazos para redução da carga tributária como forma de atrair investimentos?
AMARAL ? Isso. Porque hoje o investidor estrangeiro chega ao Brasil e não sabe quanto é a carga tributária nem quanto será amanhã.
DINHEIRO ? É preciso dar um sinal positivo, pelo menos…
AMARAL ? Sim. Se houver uma sinalização de que a carga tributária vai cair, os investidores virão pensando num novo ambiente de negócios, no qual eles podem acreditar.
DINHEIRO ? O que falta para que isso aconteça?
AMARAL ? Isso depende de uma ação que vai gerar uma sensação de esperança e dar credibilidade. O gestor público nada mais é que um gestor de orçamento. O Brasil conseguiu, na questão tributária, inverter a lei orçamentária.
DINHEIRO ? Como assim?
AMARAL ? O que é o orçamento? É a fixação de despesa e previsão de receita. No Brasil isso funciona ao contrário. A lei orçamentária prevê a fixação de receita e a previsão de despesa. O Brasil conseguiu fazer isso. Uma anomalia.
DINHEIRO ? É possível corrigir tanta distorção histórica?
AMARAL ? Claro que é. Basta ter vontade política e coragem. Por que é possível no mundo corporativo e não no público?
DINHEIRO ? O sr. fala em adotar modelos de gestão privada no setor público?
AMARAL ? O setor privado sustenta a máquina estatal. As empresas dão exemplos de como conter gastos, reduzir custos. É isso que o gestor público brasileiro precisa aprender: práticas de governança corporativa, com valorização da ética, da transparência na administração pública.
DINHEIRO ? Então há saída?
AMARAL ? O Brasil vai ter saída quando o dirigente maior der o sinal, se comprometer em reduzir a carga tributária, controlar o gasto e evitar o desperdício de recursos.
DINHEIRO ? O sr. acha que faltaram gestores na história da administração política brasileira?
AMARAL ? Os chefes de Estado brasileiros sempre foram políticos de carreira e isso explica um pouco o amadorismo das decisões tomadas no passado. Há exemplos de ações implementadas sem embasamento e que geraram prejuízos imensos para a economia. Nunca se pensou em quantos empregos seriam eliminados ou nos investimentos que deixariam de ser feitos. Falta experiência administrativa aos nossos governantes.