24/03/2004 - 7:00
“Si quieres ganar, no entre en peleas con Slim”. A frase é conhecida no meio empresarial mexicano e dá a exata medida do que significa encarar uma disputa contra o senhor Carlos Slim Helu. O homem mais rico da América Latina, dono de uma fortuna pessoal avaliada em US$ 13 bilhões e controlador de uma dezena de empresas, não conheceu a palavra derrota em nenhuma das batalhas corporativas das quais participou. E não foram poucas. Sua última conquista, a Embratel, lhe abre um campo imenso de atuação no Brasil, inclusive no setor de comunicação. Slim é o segundo maior acionista da Televisa, a principal emissora de televisão mexicana. A rede de satélites da Embratel lhe daria condições de transmitir programação para todo o território brasileiro a partir do México. O SBT, fã dos enlatados mexicanos, seria um possível parceiro nessa empreitada. A situação já teria até acionado a luz amarela na Rede Globo. Na semana passada, representantes do grupo estiveram em Brasília manisfestando essa preocupação.
Pode parecer uma conclusão precipitada. Mas é bom não duvidar do talento de Slim para multiplicar seus domínios. Aos 64 anos, o mexicano é considerado um negociador paciente e calculista, capaz de arrastar as conversas por meses até atingir seu objetivo. Comprar empresas ?em baixa? é outra de suas características, o que quase sempre lhe garante grande poder de barganha nas negociações. Foi assim com a Sears, que ele arrematou quando o representante mexicano da varejista americana estava quase jogando a toalha.
E foi assim também com a brasileira BCP, pelo qual pagou US$ 600 milhões (os controladores chegaram a pedir US$ 1 bilhão) e ainda deixou a dívida de US$ 1, 3 bilhão nas mãos dos bancos credores. ?Seu sangue não entra em ebulição em momento algum?, afirma um executivo que o conhece. Os bons contatos também lhe abrem portas. Sempre que vai aos EUA, almoça com Bill Clinton ou janta
com Bill Gates ? com quem mantém uma sociedade num portal hispânico de internet. Durante anos, Slim foi conhecido no México como o ?amigo do homem?, em virtude de sua proximidade com ex-presidente Carlos Salinas. Graças a amizade, dizem os críticos, o empresário saiu vitorioso no leilão da estatal Telefonos de Mexico
nos anos 90. Pagou US$ 400 milhões para entrar na telefonia e transformou a Telmex na maior empresa do setor na América
Latina. A mesma que agora é dona da Embratel.
?Entre as forças econômicas do México, nada, exceto o próprio governo, é mais poderoso que Carlos Slim?, escreve José Martines, autor da biografia do empresário. Pois Slim está disposto agora a mostrar todo o seu poder na América Latina. A compra da Embratel aconteceu apenas três semanas depois que ele completou a aquisição dos ativos da AT&T Latin America, desembolsando US$ 207 milhões. Levou na transação uma rede de 70 mil quilômetros de fibra óptica. É a sua arma para apanhar clientes corporativos na região. No ano passado, ele já havia abocanhado a BCP São Paulo, adicionando 1,7 milhão de clientes ao seu império móvel no Brasil, a Claro. Agora, a segunda operadora celular do País soma 8,8 milhões de clientes em carteira. Slim diz que não vai parar por aí. ?Qualquer ativo de telecomunicações na região, desde que esteja em linha com nossos planos, me interessa?, afirmou, recentemente. No mercado brasileiro, há quem garanta que o mexicano já elegeu suas novas presas: Telemig e Amazônia Celular. São as duas únicas operadoras móveis que cobrem lugares ainda inexplorados pela Claro. ?Quando houver oportunidade, e se houver, Telemig e Amazônia Celular serão estudadas. Nossos acionistas já manifestaram o interesse?, afirma Carlos Henrique Moreira, presidente da Claro. São várias as possibilidades de crescimento na América Latina. Em recente entrevista a DINHEIRO, o executivo Jaime Chico Pardo, braço
direito de Slim, revelou que os setores de TV a cabo e internet
são outros dois grandes alvos do grupo mexicano. ?Seremos o principal provedor de tecnologia da região?.
Em busca da MCI. Slim é como um perdigueiro na perseguição a seus objetivos. Em 2000, quando a Telefônica desembarcou no México, ele decidiu enfrentar os espanhóis em toda a América Latina. A hegemonia mexicana não era suficiente para garantir seu futuro, embora tivesse mais de 75% da telefonia móvel e 55% da fixa. ?Ele percebeu a necessidade de ter mais escala?, conta um empresário do setor. Em alguns anos, ele se tornou um dos grandes na telefonia móvel. Também criou no continente uma estrutura forte na telefonia fixa. Agora quer estabelecer uma base nos EUA. Slim já tem operadoras de cabo na Califórnia. Mas sua grande tacada pode vir nos próximos meses, quando a concordata da MCI for levantada e a companhia colocada à venda. Slim possui US$ 1 bilhão em créditos para receber da MCI e surge como um dos mais fortes candidatos a arrematar o grupo.
A habilidade de negociação o mexicano carrega desde os tempos em que a família Helu tinha apenas uma loja de roupas. O jovem Slim passava o dia procurando oportunidades para tentar aumentar o bolo familiar. Comprando e vendendo pequenos negócios, juntava dinheiro e partia para saltos maiores. Seu critério ainda hoje é um só: bons ativos devem sempre ser avaliados, seja qual for o setor. Foi assim que ele comprou a Cigatam, de cigarros, que hoje manda em mais de 50% do mercado mexicano. Quando lhe falaram que a área de cobre e alumínio estava num bom momento ele abocanhou a Nacobre e fez o mesmo no ramo de mineração, com a Frisco. Nos momentos em que senta à mesa para negociar, manifesta-se a ascendência libanesa. Sem levantar o tom de voz, com um timbre emotivo, quase choroso, as conversas se arrastam por meses, sem pressa ? ganhar tempo e demonstrar certo desinteresse são armas que ele usa com habilidade. A preservação da imagem é outra de suas táticas. Raramente ele aparece na linha de frente das negociações. Só entra caso as conversas cheguem a um impasse.
Nas intermináveis rodadas de conversações para adquirir a BCP São Paulo, ele chegava acompanhado de um pequeno time de assessores, cumprimentava todos os presentes, fazia uma ?social? e, dez minutos depois, retirava-se do local. ?Ele fez isso em cerca de 10 sessões de negociação?, conta um executivo que participou das conversas. Certas vezes, os representantes da Telmex sumiam durante semanas, sem dar qualquer sinal de vida. ?Em cada uma dessas ocasiões, o preço caía um pouco?, diz o executivo. Durante sua visita ao Brasil em outubro do ano passado, o banqueiro Joseph Safra ? um dos acionistas da BCP ? ofereceu ao mexicano um jantar em sua casa, onde boa parte do PIB brasileiro estava reunido. Simpático, Slim percorreu cada uma das mesas cumprimentando os convidados e agradecendo a recepção. Quando a conversa se desviava para o campo dos negócios, ele sorria, chamava um de seus acompanhantes, deixava-o ali e rapidamente partia para outro grupo.
Mas apesar do aparente desinteresse, não se toma qualquer decisão de peso sem seu aval direto. Mesmo seus colaboradores mais próximos têm autonomia restrita. A estrutura de comando é simples e familiar. Seu genro, Daniel, é responsável pela telefonia móvel. A fixa fica sob controle de seu filho mais velho, Carlos Jr. O mais novo, Marco Antonio, cuida das empresas de varejo. E Carlos Slim? Bem, ele responde pela principal atividade do grupo: farejar boas oportunidades e transformá-las em grandes negócios.