19/10/2005 - 8:00
Um documento de 263 palavras, assinado pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça, Edson Vidigal, em 20 de setembro passado, indica que a vida continua a pregar peças para uma das famílias mais tradicionais do Rio de Janeiro, os Mayrink Veiga. O STJ nega um pedido de Carmem, sinônimo de socialite, para barrar a penhora de bens particulares como pagamento de dívidas com o Banco do Brasil, estimadas pelos acusadores em US$ 4 milhões, e negada pelos acusados. A pendura foi contraída pela empresa do marido Tony, a ?Casa Mayrink Veiga?, que começou a vender armas na Guerra do Paraguai, em 1864. Os bens, acumulados no apartamento no bairro de Botafogo, são quadros de Di Cavalcanti e Milton DaCosta, tapetes persas, cristais e até um piano. É querela imensa. A causa foi derrotada em todas as instâncias. Cabe uma derradeira tentativa no Supremo Tribunal Federal, embora muito dificilmente o tema chegará lá.
Procurada por DINHEIRO, Carmem foi fina e elegante ao retornar as ligações telefônicas. Depois de afirmar que ?está tudo ótimo, graças a Deus?, deixou transparecer que as coisas não andam tão bem assim. ?É um absurdo tratar desse assunto comigo, procurem meus advogados?, resumiu. Luciano Vianna Araújo, defensor da combalida figura, diz que ela já conseguiu reaver metade do que fora penhorado, e quer mais. ?Ela é casada em regime de separação de bens?, diz Araújo. ?Não lhe cabe pagar as dívidas do marido?. O departamento jurídico do BB vê a briga de outro modo, e crê na vitória. Seria o desfecho de uma história que maculou, definitivamente, a aura de um grupo muito chique, símbolo de uma época em que dinheiro era sinônimo de finesse. Os sucessivos sustos tornaram tudo opaco, com problemas em outras instituições, como o defunto Banco Nacional, o Banco Mineiro do Oeste (incorporado pelo Bradesco) e o Itaú.
O primeiro baque, simbólico, foi a perda, em 1991, do Rolls Royce da família, comprado pelo pai de Tony em meados do século passado. Era um modelo Silver Cloud azul de 1951, cuja última grande aparição deu-se no casamento de Antenor, o primogênito de Carmem e Tony, com a patricinha Patrícia Leal. O carro foi-se como anéis em decorrência de uma pendência com o Banco América do Sul. Pequena (US$ 80 mil), é verdade, diante dos
US$ 17,8 milhões da dívida com o extinto Banco Rosa, liquidado pelo Banco Central. Atribui-se a derrocada da Casa Mayrink Veiga ao fim da ditadura militar no Brasil e à não renovação de polpudos contratos com o Exército, a Marinha e a Aeronáutica. Tony tem outra explicação: a quebra do conglomerado inglês Ferranti, em 1993, que tinha muito a pagar aos cariocas. É um festival de cifras, de decisões judiciais e liminares, de acórdãos e desacordos. A confusão leva, inexoravelmente, ao avesso do tempo de fausto, iniciado quando o tataravô do clã abastecia as caravelas brasileiras que partiam para as batalhas no Paraguai. Como convém a uma turma que pode aceitar a decadência mas nunca a deselegância, Carmem finge não estar nem aí. Na semana passada, ela apareceu com pompa e circunstância nas colunas sociais do Rio de Janeiro no casamento de um amigo. É melhor assim que a postura preconceituosa de uma hoje tristemente célebre entrevista em que, indagada a respeito de um novo trabalho que aceitara recentemente (colunista social), ela disparou: ?Trabalhava em casa como uma negra?. Mas como em sociedade tudo se sabe, há uma esperança. ?Pelo menos ela tem uma filha, a Antônia, muito bem casada?, diz a amiga Narcisa Tamborindeguy. Antônia contraiu núpcias com Guilherme Frering, herdeiro do bilionário grupo Caemi, um dos maiores exportadores de minério de ferro no mundo. Há luz no fim do túnel dos Mayrink Veiga.