16/02/2016 - 0:00
Adoramos lugares-comuns para repousar nossa ansiedade crítica. O mais utilizado nesta semana é o “quem dera que o brasileiro tivesse a mesma disposição para mudar o Brasil quanto tem para cair na folia…”
Você pode achar que a explosão do Carnaval de rua em algumas capitais brasileiras – destaco São Paulo e Belo Horizonte, tradicionais exportadores de foliões para cidades mais animadas – é apenas reflexo da crise econômica. Sem dinheiro para viajar, o pessoal se divertiu perto de casa. Para mim, essa é só parte da resposta.
Estariam, portanto, faltando foliões no Recife, Salvador ou Rio? Talvez, mais locais ficaram lá, como ficaram cá. Mas além dessa conclusão, vejo a explosão do Carnaval de rua como uma extensão do visível movimento de ocupação do espaço público que evolui fortemente em nossas metrópoles. E isso é um fenômeno político, em sua concepção mais ampla, da arte dos indivíduos de se organizarem em sociedade.
A ocupação do espaço público é uma marca do nosso tempo, seja em Wall Street em 2011, ou nas passeatas de 2013 no Brasil, ou nas escolas públicas paulistas de 2015 ou ainda em cada movimento de bairro que adota uma praça, constrói uma horta, fecha uma rua no final de semana. Por que não essa mentalidade não se expandiria no Carnaval, por natureza uma festa de rua?
Em São Paulo, o Carnaval de rua vem se aquecendo há dois anos, mas nesta semana explodiu em 350 blocos (cem a mais do que no ano anterior), reunindo 2 milhões de pessoas, cerca de 40 mil turistas, segundo dados da Prefeitura. Em Belo Horizonte, há registro de centenas de blocos, alguns deles com cerca de 40 mil foliões.
Não por acaso, São Paulo e Belo Horizonte nutrem um intenso movimento de economia criativa, basta circular pelos seus endereços mais emblemáticos, como a Praça da Liberdade ou o Minhocão e a Avenida Paulista. Os economistas buscam resumir os efeitos do Carnaval a resultados diretos na atividade produtiva, como vendas dos bares ou ocupação dos hotéis, mas o impulso desse movimento vai muito além. O maior resultado ainda está por vir.
Assim como no processo de produção de um pão, no Carnaval, é na mistura dos ingredientes, no sovar da massa com o encontro dos foliões e realizadores nas ruas e no descanso para a fermentação das ideias, que o movimento cresce e se multiplica, conectando empreendedores e criativos e dando vazão a uma das fortalezas dos brasileiros: a inventividade multicultural.
Alguém pode dizer: “mas sempre foi assim e estamos onde estamos”. É verdade, mas com a diferença de que, no passado, tudo se acabava na quarta-feira. Nos últimos anos (e talvez neste, em especial) o Carnaval está inserido dentro de um processo em andamento e pode ter sido um imenso impulso para a contínua ocupação do espaço público, com o consequente empoderamento das pessoas na construção de um ambiente comum que faça mais sentido para todos.