13/12/2013 - 21:00
Vai longe o tempo em que os brasileiros podiam chamar seus carros de carroças. Nos últimos 23 anos, a indústria automobilística instalada no Brasil se modernizou, o País passou a disputar com a Alemanha o posto de quarto maior mercado mundial de automóveis, recebeu uma enxurrada de novos fabricantes de todas as partes do mundo e agora estava a duas semanas de completar a última parte de uma lei que vigora desde 1º de janeiro de 2010: a de que, a partir de 1º de janeiro de 2014, todos os carros produzidos no Brasil saiam das linhas de montagem equipados com airbags e sistema ABS nos freios.
Com isso, a segurança ativa e passiva dos carros iria melhorar muito, quase 500 vidas seriam poupadas anualmente e o governo deixaria de gastar cerca de R$ 315 milhões por ano com os mais de dez mil feridos em acidentes, cujo tratamento é sustentado pelos impostos pagos pelos cidadãos. Depois de alguns anos de intenso debate, a indústria automobilística se preparou, passou a equipar seus carros com airbags para motorista e passageiro e cumpriu as metas estabelecidas – a porcentagem de carros com airbags em 2010 era de 8% e estava em 60% em 2012. Alguns carros ficaram até marcados para morrer, como a VW Kombi e o Fiat Mille, porque seus projetos antigos não sustentariam o investimento necessário para receber os airbags e o ABS.
O airbag frontal protege o rosto do motorista em caso de colisão e modelos mais caros já possuem airbags laterais, de cortina e até de joelhos. O ABS evita o travamento das rodas nas freadas e, assim como o airbag, é um salvador de vidas. A preocupação com a segurança é tão importante que o Ford EcoSport acaba de ganhar cinco estrelas no rigoroso crash test realizado pelo Instituto Latin Ncap. Pela primeira vez, um carro produzido no País conseguiu a nota máxima num teste de impacto. Mas (no Brasil nunca é tarde para surgir esse “mas”), a menos de 20 dias do início da fabricação de todos os carros com esses dois dispositivos fundamentais de segurança, o ministro Guido Mantega, da Fazenda, surpreendeu a indústria automobilística ao dizer que a lei pode ser adiada para 2016, porque teme um aumento de até R$ 1.500 no preço dos carros e seu impacto na inflação.
Também teria sido pressionado pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista, com o argumento de que o fim da Kombi levaria à demissão de quatro mil trabalhadores na Volkswagen. Mas a Volks utiliza apenas 700 funcionários na montagem da Kombi e todos eles seriam realocados para outras linhas. Estamos diante de uma nova canetada – que também pode ser entendida como uma quebra de contrato, pois várias empresas, principalmente as de autopeças, investiram para enfrentar o novo panorama que estava decidido para 2014 há muito tempo.
Além disso, o mercado está muito competitivo, com excesso de estoque, e nenhuma montadora cogita repassar o custo dos airbags e do ABS para o preço final. Todas têm medo de perder clientes. Se prevalecer a decisão, os consumidores que pagaram R$ 85 mil pela Kombi “Last Edition” vão ficar com um mico na mão e o Brasil perderá milhares de vidas em acidentes de trânsito. Será um melancólico final de ano. Se o governo insistir nessa ideia estapafúrdia, não teremos somente carros “padrão Fifa” saindo das fábricas em 2014. Quem sabe na próxima Copa.