Se depender da vontade do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, dentro dos próximos três meses será extinta a mais cara modalidade de financiamento do País, o chamado crédito rotativo do cartão de crédito. Ambos concordam que as taxas praticadas pelos bancos soam como extorsão.

No ano passado, os juros do rotativo ultrapassaram a marca dos 409% ao ano, a maior da série histórica do BC, iniciada em 2012.

Neste ano, os juros praticados já equivalem a 454% ao ano. Isso tem reflexo direto na inadimplência, que chega a 52%.Se nada for feito, pode afetar a existência do produto [parcelamento no cartão de crédito]. Não fazer nada pode ser muito ruim”, afirmou Campos Neto, em audiência no Senado na quinta-feira (10). Ele defendeu a medida como forma de reduzir a inadimplência no País, que atinge 71,9 milhões de pessoas.

O problema é que a dose do remédio contra os juros do rotativo não pode ser alta demais a ponto de matar a mais brasileira da forma de compra: o parcelamento sem juros no cartão.

Por isso, um plano para regulamentar o rotativo está sendo desenhado pelo BC em sintonia com a equipe econômica do governo Lula.

Uma das ideias apresentadas pelo ministro Haddad é a criação de uma espécie de regra de transição para os cidadãos que já estão enrolados com dívidas no cartão de crédito. Com isso, evitaria com que esses consumidores ficassem com o nome sujo e deixassem de comprar.

“É preciso garantir algum tipo de proteção às pessoas que estão com dívidas nessa modalidade, mas sem perder de vista o varejo”, afirmou Haddad, em entrevista ao jornalista Reinaldo Azevedo.

O objetivo, segundo ele, é criar uma regulação semelhante ao que o próprio BC já fez, ao limitar os juros do cheque especial a 8% ao mês.

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) é contra a definição de teto de juros para o rotativo do cartão e defende a criação de um modelo que dilua os riscos entre os elos da cadeia de cartão de crédito, hoje concentrados nos bancos.

Em nota, a entidade disse que participa de grupos multidisciplinares que analisam as causas dos juros praticados e alternativas para um redesenho do rotativo. “Nenhum dos modelos em discussão pressupõe ruptura do produto e de como ele se financia”, disse a entidade.

A federação afirma que o cartão de crédito precisa ser visto como “um relevante instrumento para o consumo, preservando a saúde financeira das famílias.”

Seja qual for o novo modelo para o rotativo do cartão, o fato é que ele não será com juros exorbitantes como hoje e sob um formato que prejudica o consumidor, o varejo e os próprios bancos (segundo a entidade que os representa) com inadimplência elevada.

Para o presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras) e da União Nacional de Entidades de Comércio e Serviços (Unecs), João Galassi, o fim do rotativo do cartão é um passo importante para corrigir as distorções da economia.

“Esse ambiente econômico sabota qualquer política de redução da inadimplência”, disse o executivo, em nota. Para Galassi, “sem uma revisão das regras de cobrança dos cartões de crédito, a começar pela eliminação dos juros rotativos, programas bem-intencionados como o Desenrola estão fadados a morrer na praia”.

Repercussão

A intenção do BC e da Fazenda de criar novas regras para o rotativo foi recebida com cautela e ceticismo pelo mercado, já que tentativas anteriores de limitar os juros da modalidade não deram certo.

Para Marilyn Hahn, cofundadora do Bankly, uma plataforma de Banking as a Service (BaaS), é preciso incentivar o consumidor a ter mais disciplina com seus gastos no cartão de crédito. “As iniciativas tomadas no passado tiveram pouca efetividade”, afirmou Marilyn. “Por isso é preciso discutir alternativas para diminuir a inadimplência e aumentar o poder de compra do consumidor final, estabelecendo um limite de juros.”

Roberto Campos Neto Presidente do Banco Central

“Se nada for feito, pode afetar a existência do parcelamento no cartão de crédito.”
Roberto Campos Neto Presidente do Banco Central

Nesse mesmo sentido, o CEO da fintech de crédito XLZ, Valmir Fernandes, avalia que as mudanças nas regras do rotativo são positivas ao evitar o superendividamento das famílias e promover uma cultura de maior controle financeiro.

“Haverá uma acomodação e desconforto inicial para aqueles que estão acostumados a pagar o valor mínimo de fatura e rolar a dívida”, afirmou. “Mas será saudável às famílias algum tipo de limitação dessas linhas de crédito que promovem o descontrole do orçamento e consequente superendividamento.”

Já o economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez, acredita que as mudanças no rotativo devem fazer com que a concessão de crédito se torne mais rigorosa.

“A medida é pouco ortodoxa, visto que o rotativo do cartão de crédito é uma modalidade emergencial acessada por agentes que acabaram de se tornar inadimplentes”, disse Sanchez. “Evidentemente que se trata de um crédito cuja taxa de juro tem que ser elevada, visto que é acessada exclusivamente por agentes que não honraram seus compromissos.”