Estudo mostra que transtornos mentais como depressão e ansiedade geralmente afetam ambos os parceiros no relacionamento.Alguns têm necessidade de lavar as mãos 20 vezes por dia. Outros mal conseguem sair da cama por conta de quadros depressivos. Para outros, ainda, é difícil domar os pensamentos, que voam rapidamente pela cabeça.

De acordo com Organização Mundial de Saúde (OMS), mais de um bilhão de pessoas sofrem de algum transtorno mental. Ao mesmo tempo em que o número soa elevado, o dado indica que a maioria das pessoas no mundo é saudável.

Um estudo publicado no final de agosto pela revista especializada Nature Human Behaviour mostrou que pessoas que apresentam transtornos mentais tendem a se relacionar com outras que têm o mesmo caso clínico.

Para o estudo, os pesquisadores colheram dados de 15 milhões de pessoas. Eles analisaram amostras de nove quadros clínicos: esquizofrenia, transtorno bipolar, depressão, ansiedade, transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), autismo, transtornos obsessivo-compulsivos, abuso de substâncias e anorexia.

Quando um parceiro era diagnosticado com um dos nove transtornos, a probabilidade de o outro também ter um transtorno era muito maior. Muitas vezes, a doença era a mesma.

“Presumíamos que, quando alguém sofre de ansiedade ou depressão, essa pessoa procura um parceiro que transmitisse estabilidade e segurança”, diz Robert Plomin, professor de genética comportamental no King’s College de Londres, que não participou do estudo. “Mas acontece exatamente o contrário.”

Uma limitação da pesquisa, segundo Plomin, é que é preciso procurar no anexo do estudo para descobrir o quão forte é a correlação acima. Para ele, isso é incomum e um pouco desonesto. Apesar disso, o efeito é consistente e o número de pessoas analisadas – 15 milhões – dá peso ao resultado.

Padrão global: resultados são similares na Europa e na Ásia

Os primeiros indícios de que pessoas com transtornos mentais tendem a se relacionar com outras que também apresentam quadros similares surgiram na década de 1960. No entanto, os estudos realizados naquela época eram geralmente pequenos. Foi apenas há cerca de dez anos que surgiu a primeira pesquisa de maior escala, mas que considerou apenas pacientes do norte da Europa.

No estudo atual, a equipe liderada pelo pesquisador em genética populacional Chun Chieh Fan, do Laureate Institute for Brain Research, em Oklahoma, quis descobrir se o padrão de escolha de parceiros se mantém em diferentes culturas. Com esse objetivo, eles coletaram dados em três países: Dinamarca, Suécia e Taiwan.

“O surpreendente foi que o padrão de similaridade entre culturas era quase idêntico”, diz o autor do estudo. Apenas em casos de transtornos obsessivos, transtorno bipolar e anorexia foram observadas diferenças. Em Taiwan, por exemplo, parceiros casados sofriam com mais frequência de transtornos obsessivos do que no norte da Europa.

Outra constatação: para a maioria dos transtornos, a probabilidade de os parceiros receberem o mesmo diagnóstico permaneceu estável ao longo das décadas. Isso é evidenciado pelos dados de Taiwan, que foram coletados ao longo de mais de 50 anos. No caso de consumo de substâncias, essa probabilidade até ficou mais elevada. Apenas no caso de transtornos obsessivos ela diminuiu.

“E isso apesar de o sistema de saúde, a política e a sociedade taiwanesa terem mudado bastante nesse período”, afirma Chun Chieh Fan.

Por que pessoas com transtornos mentais ficam juntas

Mas por que pessoas com doenças mentais tendem a se relacionar com outras que sofrem de problemas semelhantes? Há três explicações possíveis. Primeiro, as pessoas procuram alguém com quem se identificam. Segundo, um ambiente compartilhado pode adoecer de forma semelhante. Ou terceiro, o estigma associado à doença mental condiciona a escolha dos parceiros.

De acordo com o autor do estudo, há algum tempo se acredita que é a primeira opção que explica essa tendência. Seguindo essa lógica, a escolha de parceiros com características semelhantes é chamada, na linguagem técnica, de “escolha assortativa de parceiros”. Os possíveis motivos podem ser o fato de que a outra pessoa tem uma melhor compreensão da doença ou que características positivas semelhantes unem o casal – por exemplo, ambos serem mais criativos do que outras pessoas.

O estudo não consegue responder, porém, o que estava lá primeiro: a relação ou o transtorno mental? Para entender isso, uma observação de longo prazo seria interessante, diz Robert Plomin. Além disso, permanece incerto se esses casais convivem em harmonia no casamento. Apresentar um quadro psicológico semelhante seria a receita para uma relação compreensiva? Ou apenas piora ainda mais o transtorno? Também faltam estudos de longo prazo para responder a essas questões.

Resumindo: não é possível tirar recomendações sobre escolhas de parceiros por meio do estudo.

As crianças sofrem (e adoecem) junto

Em um ponto, o estudo é ainda mais claro sobre o que ocorre em longo prazo: os pesquisadores descobriram que crianças, cujos pais sofrem do mesmo transtorno, apresentam o dobro de chance de desenvolver transtornos mentais em relação a outras crianças em que só um dos pais é afetado.

“A transmissão de um transtorno mental se intensifica por meio da escolha do parceiro”, diz Fan. O efeito foi especialmente forte em casos de esquizofrenia, depressão, transtorno bipolar ou dependência.

Para médicos e terapeutas, isso significa que o tratamento deve considerar também a família. Com frequência, parceiros e filhos de afetados também podem se beneficiar da terapia e acompanhamento psicológico.