Por Hugo Cilo

Poucas empresas de varejo dominam tanto a combinação prazo-parcela quanto a Casas Bahia. Foi com a estratégia de parcelinhas em boletões que a empresa da família Klein construiu um império no comércio brasileiro durante décadas. Mas o cenário mudou. Hoje, é a companhia que recorre ao parcelamento de longo prazo para resolver seus problemas. Na segunda-feira (29), a 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Tribunal de Justiça de São Paulo deu sinal verde para o pedido de recuperação extrajudicial da rede de varejo Casas Bahia (BHIA3), com dívidas que somam R$ 4,1 bilhões com bancos como Bradesco e Banco do Brasil. O plano não considera, segundo a empresa, dívidas com fornecedores e parceiros, e não afeta empregados e clientes.

A reestruturação da dívida bilionária da empresa agradou o mercado.
As ações que derreteram 81,03% no ano passado dispararam mais de 34% no dia do anúncio do pedido de recuperação extrajudicial.
Embora não seja o fim dos problemas da companhia, a manobra é vista como fundamental para dar alívio para o caixa da rede e uma forma de ganhar tempo para fazer a reestruturação do seu modelo de negócios.
Além do alongamento dos prazos, o pedido envolve uma série de emissões de debêntures.
•  De acordo com fato relevante divulgado no dia do acordo, o plano contempla sexta, sétima e oitava emissões de debêntures a mercado e a nona emissão de debêntures e CCBs emitidas junto a instituições financeiras.

Embora o plano tenha sido aceito pela Justiça, a homologação do acordo pode levar até 40 dias. Isso porque a empresa já tem o apoio de credores que detêm cerca de 55% da dívida listada no processo, segundo o presidente-executivo da Casas Bahia, Renato Franklin, em apresentação a analistas na segunda-feira (29).

O plano inclui alongamento de amortização de dívida, incluindo carência de 24 meses para pagamento de juros e de 30 meses para pagamento de principal.

Além disso, a estratégia inclui possibilidade de credores apoiadores converterem parte de dívida em participação na empresa.

A rede fundada pelo judeu Samuel Klein, em 1952, pai dos acionistas Raphael e Michael (foto acima), chegou a ser a maior do segmento no País, mas desabou com a concorrência imposta pelo e-commerce (Crédito:Estadão Conteúdo)
(Divulgação)

“Reperfilamento”

O “reperfilamento” (como a empresa definiu) da dívida da Casas Bahia preservará cerca de R$ 4,3 bilhões no caixa da companhia nos próximos quatro anos.

Além disso, o prazo médio da dívida sairá de 22 para 72 meses, com redução de 1,5 ponto percentual no custo médio, “que representa uma economia de R$ 400 milhões no período”, afirmou a empresa.

Antes do acordo, a Casas Bahia teria pela frente este ano pagamentos de R$ 1,24 bilhão em amortizações e R$ 313 milhões em juros.

A varejista, agora, poderá retomar os pagamentos a partir de 2026, com R$ 150 milhões em amortização e R$ 103 milhões em juros.

No entanto, segundo reportagem da Reuters, terá em 2030 pagamentos de R$ 2,58 bilhões em amortizações e R$ 1,9 bilhão em juros para cumprir.

Com o pedido, de acordo com a reportagem, a Casas Bahia reforça o grupo de varejistas no País que tem sido obrigado a renegociar com credores desde o escândalo criado com o rombo contábil na Americanas.

Segundo relatório do Safra, o acordo com os bancos é positivo em termos de fluxo de caixa, já que reduz os desembolsos da empresa até 2026 em R$ 3,1 bilhões. “Entretanto, no longo prazo, apesar da redução no custo da dívida, o pagamento total de juros vai crescer substancialmente — de R$ 971 milhões para R$ 2,397 bilhões — impactando o fluxo de caixa futuro.”

Franklin afirmou que a empresa deverá apresentar no balanço do 1º trimestre, previsto para publicação em 8 de maio, “redução maciça de custos e redução de estoques” depois de ter realizado no ano passado 8,6 mil demissões e fechado 55 lojas, com quatro centros de distribuição readeaquados.

“Temos 10 (CDs) ainda para trabalhar em devolução ou sublocação de espaço ocioso”, afirmou o executivo. Segundo ele, o pedido de recuperação extrajudicial não muda o foco da empresa no plano “transformacional”, que foca a empresa em suas principais categorias de eletrodomésticos, celulares e móveis com investimentos em novas frentes como monetização de receitas com publicidade.

Alto custo de operação com lojas físicas deverá ser um dos alvos da reestruturação da companhia nos próximos anos (Crédito:AFP)
(Divulgação)

Com o fôlego adicional de R$ 4,3 bilhões em fluxo de caixa nos próximos quatro anos obtido no acordo com os credores, Franklin afirmou que a Casas Bahia poderá até antecipar a execução de “algumas alavancas” do plano de transformação que será concluído em boa parte até o final deste ano.

Além disso, a empresa poderá aproveitar o ciclo macroeconômico mais positivo que tem sido sinalizado com a redução de juros da economia, afirmou Franklin. O executivo disse que a empresa vai continuar processo de abertura de novas lojas físicas e trabalhar em novos produtos financeiros para clientes e fornecedores. “Vamos ver algum crescimento no crediário nosso ao longo de 2024.”

Na avaliação de Ricardo Nunes, fundador da Ricardo Eletro, que passou por profunda crise financeira e de gestão, o desafio da Casas Bahia será reduzir o peso de sua estrutura operacional para, no futuro, voltar a ter margens saudáveis. “Muito além de ter bons produtos e serviços, empreender é ter a habilidade de analisar mercado para assegurar que as decisões diárias são o que vão garantir a segurança e crescimento do negócio”, disse. “As lojas físicas não vão acabar, mas não será possível suportar custos para que o cliente tenha experiência. Essa conta não fecha nunca.”

4,1 bi
é o valor da dívida da rede negociada com os bancos 

24 meses
é o prazo de carência para pagamento dos juros

Além de renegociar as dívidas, a empresa aposta na participação ativa da família Klein para obter sucesso nas mesas com os credores.

Atualmente, a família Klein possui 24% das ações da companhia.

No entanto, só Raphael Klein, neto do fundador, Samuel Klein (1923-2014), possui assento no conselho de administração.

A rede de varejo, especializada em eletroeletrônicos e móveis, foi criada em 1952, a partir das vendas como mascate de Samuel Klein, nascido na Polônia e que fugiu do extermínio nazista durante a Segunda Guerra, antes de se estabelecer em São Caetano do Sul (SP).

Segundo Michael Klein, a crise tem relação com a tentativa de crescimento acelerado da empresa durante a pandemia de Covid, com investimentos massivos em comércio eletrônico. Não deu certo.