A graça decretada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) no último dia 21 é um assunto polêmico que divide opiniões entre os juristas. A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), relatora dos pedidos de partidos políticos pela anulação do perdão presidencial, decidiu nesta terça-feira (26) não analisar as ações e enviá-las diretamente ao plenário da Corte.

Diferentemente do indulto, indeterminado, a graça livra Silveira da condenação de 8 anos e 9 meses de prisão estabelecida pelo plenário do STF (10 votos a 1) pelos ataques à Suprema Corte e ameaças ao sistema democrático. No entanto, o parlamentar torna-se inelegível nas próximas Eleições.

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A graça presidencial, inédita na Nova República desde a Constituição de 1988, amplia a crise entre os Poderes e ameaça uma ruptura de ordem constitucional.

“O instituto da graça nitidamente parece um atropelo do presidente a uma decisão do STF e reverbera uma ruptura institucional. Ainda não há ingerência do Executivo sobre o Judiciário porque o STF pode declarar a decisão (graça) ilegal”, analisa Acácio Miranda, especialista e doutorando em Direito Constitucional e Penal.

A visão é rechaçada pelo mestre em Direito Constitucional, Emanuel Pessoa, embora a graça concedida por Bolsonaro tenha sido decretada antes do trânsito em julgado no STF – Silveira ainda poderia recorrer.

“Rigorosamente, a graça não configura ruptura institucional porque o presidente tem prerrogativa. Agora, o momento talvez não tenha sido o mais oportuno porque o presidente poderia ter aguardado o trânsito em julgado. Como ele não esperou, isso pode estimular ânimos no STF porque temos visto manifestações de juízes do Supremo, o que considero inapropriado. Há pessoas interessadas que o Brasil pegue fogo. O Brasil sempre chega perto do precipício e volta. Não há interesse da base parlamentar, do STF e do presidente (em uma ruptura institucional)”, argumenta Pessoa, que defende que o STF tenha uma jurisprudência sobre o indulto.

Outra questão que gera divergências é sobre um suposto crime de responsabilidade de Bolsonaro, uma vez que o processo no STF não foi completamente finalizado. Outra suposta acusação versa sobre a ampliação de um poder sobre os outros, o que fere o princípio de independência e harmonia entre os Poderes.

“O artigo 85 da Constituição diz que ingerência de um poder sobre os demais configura crime de responsabilidade, mas é embrionário falar isso agora. A decisão por si só é legal. O STF, considerando a graça ilegal, aí sim haveria crime de responsabilidade. Ainda não há ingerência porque o Judiciário pode declarar a decisão ilegal. Se o presidente desacatar esta determinação, aí sim haveria ingerência”, aponta Miranda.

Para Caio Wolf, diretor da Associação Nacional dos Advogados da União (Anauni) e membro da Advocacia Geral da União (AGU), “há receio que algumas situações atrapalhem a independência dos poderes. Há uma preocupação crescente com esse esgarçamento. Sobre a graça, há instrumentos previstos na Constituição, mas, por falta de jurisprudência consolidada, há impasse sobre se o controle do indulto cabe ao STF. O Brasil é uma democracia com sua constitucionalidade em construção. A ausência de regulamentação tem levado ao Judiciário discussões que não precisariam ser levadas ao STF. Tememos que haja ruptura entre os poderes e torcemos para não acontecer. Temos que atuar para prevenir que não haja”.

“O indulto é abusivo e gera excesso ilegal do poder presidencial, equivalendo à infração ao Princípio da Separação dos Poderes. Sendo o indulto um ato administrativo que deve atender a certos requisitos mínimos legais de existência e validade, percebe-se que há nítido desvio de finalidade e vício de origem por ilegalidade e inconstitucionalidade” afirma Marcelo Válio, professor e especialista em Direito Constitucional, que cita a Lei 1079/50 para defender o impeachment de Bolsonaro, que “praticou ato antidemocrático, ferindo o princípio da impessoalidade, da Tripartição dos Poderes e do Estado Democrático de Direito”.

Alexandre de Moraes x Daniel Silveira

Outra questão pertinente ao processo é se Alexandre de Moraes, do STF, poderia julgar Silveira, uma vez que o ministro foi alvo direto dos ataques do parlamentar. Para Pessoa, o processo contra Silveira teria “um monte de irregularidades formais” e que o homem que quebrou a placa da vereadora assassinada Marielle Franco poderia ter sido processado por danos morais.

“Alexandre de Moraes foi ofendido diretamente por Daniel. Moraes não poderia ter julgado Silveira. O crime de ameaça é considerado uma ameaça se assusta a vítima, a vítima tem que se sentir ameaçada. Alguém acha que Daniel Silveira conseguiria dar um golpe? Ele foi punido exemplarmente, mas com enquadramento incorreto”, alega Pessoa.

Wolf, por sua vez, discorda e entende que o julgamento pelo plenário do STF foi colegiado, não pessoal. Neste sentido, o “tribunal fala pelo conjunto”.

Já Miranda argumenta que se trata de uma estratégia do próprio Silveira junto ao presidente Bolsonaro, que atacam ministros contrários a eles. “A suspeição acontece quando há problema pessoal do julgador em relação à pessoa. Não acho que exista a suspeição porque Silveira tenta dar causa a ela”.