05/12/2018 - 20:27
Claudia sempre quis ser mãe, mas um problema congênito impedia a realização do sonho: ela nasceu sem útero. Um feito inédito de pesquisadores brasileiros, porém, permitiu que há quase um ano a pequena Gisele viesse ao mundo.
A mãe foi submetida a um inédito transplante de útero a partir de uma doadora já falecida, realizado por pesquisadores do Hospital das Clínicas. O estudo sobre o caso acaba de ser descrito na revista médica “The Lancet”. Os nomes das duas são fictícios a pedidos da família.
Antes dela, em todo o mundo dez outros bebês já haviam nascido após serem gestados em úteros transplantados. O primeiro caso ocorreu na Suécia, em 2013. Mas todos foram doados por mulheres vivas. A inovação da equipe brasileira pode possibilitar que mais mulheres com problemas semelhantes possam ser beneficiadas.
O transplante de um doador morto é mais complexo. No caso brasileiro, por exemplo, se passaram 7h50 que o órgão ficou sem receber oxigênio. Quando o transplante é intravivos, o tempo de transferência é de no máximo três horas.
“Mas quando se usa um doador já falecido, não há o risco do procedimento para ele e o custo é bem menor. A desvantagem é que não se consegue programar quando o órgão estará disponível, e isso pode ocorrer num lugar diferente de onde está o receptor, então é preciso ter um esquema de comunicação, de captação. O tempo é maior. Mas podemos favorecer muito mais pessoas”, comenta Dani Ejzenberg, médico do centro de reprodução humana da USP, que liderou a pesquisa.
Segundo ele, estima-se que uma em cada 4 mil mulheres nasce sem útero, conforme apontou uma outra pesquisa conduzida no HC. Se forem consideradas as mulheres em idade reprodutiva, somente em São Paulo, cerca de 1.500 podem ter essa condição.
“Se somarmos outros casos, como mulheres que tiveram de retirar o útero por câncer ou após o primeiro parto ou em uma cirurgia por mioma, por exemplo, chegamos a um número considerável de mulheres que poderiam se beneficiar com a técnica”, afirma.
A pesquisa brasileira também inovou em outros aspectos. A paciente passou por um processo de fertilização in vitro, e o embrião foi transferido para o útero apenas sete meses depois do transplante. No caso sueco, isso tinha ocorrido depois de um ano. “Com isso, a paciente teve de tomar imunossupressores por menos tempo e o custo é menor”, explica.
A forma de fazer a ligação do órgão também foi diferente, com duas artérias e quatro veias, em vez de duas artérias e duas vezes, como nos casos anteriores. Com isso foi possível melhorar o fluxo de sangue no órgão, diminuindo o risco de trombose.
Segundo Ejzenberg, a gestação ocorreu normalmente e o bebê nasceu saudável. “Ela já está com quase um ano e está ótima, com desenvolvimento normal”, conta.
Após o nascimento, o útero, que havia já cumprido seu papel, foi retirado, para que a mãe não tivesse mais de tomar imunossupressores. O protocolo de pesquisa envolvia apenas uma gestação, para que fosse possível realizar o trabalho com outras mulheres.
Desde então, o transplante foi feito em outra paciente, mas o órgão teve de ser retirado porque ocorreu uma trombose. Agora duas pacientes, que também nasceram sem útero, aguardam uma doadora.