27/05/2022 - 8:34
Em Sergipe, homem negro diagnosticado com esquizofrenia morreu por asfixia durante ação da PRF. Ativistas, artistas, organizações e população pedem justiça pela morte, e políticos dizem que viatura virou “câmara de gás”.A morte de Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos, durante uma abordagem policial na cidade de Umbaúba, em Sergipe, gerou indignação por parte de políticos, ativistas de direitos humanos e também da sociedade civil.
Genivaldo, que fazia tratamento para esquizofrenia, morreu na tarde de quarta-feira (25/05) após ser trancado no porta-malas de uma viatura da polícia, onde agentes detonaram uma bomba de gás lacrimogêneo.
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O laudo do Instituto Médico-Legal (IML) afirma que ele morreu por insuficiência respiratória aguda provocada por asfixia mecânica, segundo a Secretaria de Segurança Pública de Sergipe.
No boletim de ocorrência do incidente, porém, agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) afirmaram que a morte ocorreu “possivelmente devido a um mal súbito”.
O ministro da Justiça, Anderson Torres, se pronunciou sobre o caso, dizendo ter ordenado que a Polícia Federal e a PRF investiguem a morte.
“Determinei a abertura de investigações pela Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal sobre a abordagem policial de ontem, em Sergipe. Nosso objetivo é esclarecer o episódio com a brevidade que o caso requer”, disse o ministro nesta quinta-feira.
No mesmo dia, a PRF informou que decidiu afastar das atividades de policiamento os agentes envolvidos na ação e instaurou um processo disciplinar para esclarecer o incidente.
“A Polícia Rodoviária Federal informa que está comprometida com a apuração inequívoca das circunstâncias relativas à ocorrência no estado de Sergipe, colaborando com as autoridades responsáveis pela investigação”, disse a corporação em nota.
Imagens chocantes
Um vídeo feito por moradores mostra quatro policiais rodoviários federais usando força para dominar Genivaldo, que foi trancado ainda vivo no porta-malas da viatura. Fumaça da bomba de gás lacrimogêneo detonada é vista saindo da viatura. Os pés dele estão para fora do carro, enquanto os agentes seguram a porta do porta-malas para manter a vítima dentro da viatura.
Segundo a versão das autoridades, Genivaldo “resistiu ativamente a uma abordagem de uma equipe da PRF”. Devido à “agressividade” do homem, os agentes teriam empregado “técnicas de imobilização e instrumentos de menor potencial ofensivo para sua contenção”.
Mas pessoas presentes na abordagem policial afirmam que Genivaldo havia cumprido as ordens dos policiais. Os agentes também teriam sido alertados para os problemas psiquiátricos do homem.
O vídeo da ação policial viralizou na internet, provocando a reação de políticos, sociedade civil, organizações de direitos humanos e vários artistas, que pedem justiça por Genivaldo.
Na manhã desta quinta-feira, moradores de Umbaúba realizaram um protesto contra a morte, erguendo cartazes com frases como “esse crime não pode ficar impune”. Pneus foram queimados, e algumas vias foram interditadas.
Reações
“Um homem negro foi morto asfixiado em uma viatura da Polícia Rodoviária Federal, na cidade de Umbaúba, em Sergipe. Os agentes transformaram o carro em uma câmara de gás. Violência, crueldade, racismo! Os responsáveis têm que responder por esse crime bárbaro”, afirmou a deputada federal Sâmia Bomfim (Psol-SP) em redes sociais, acrescentando que vai acionar o Ministério Público Federal (MPF) por uma “investigação rigorosa”.
O deputado federal Padre João (PT-MG), membro da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, chamou a morte de “barbárie” e fez referência ao nazismo ao também mencionar uma câmara de gás. “Agentes da Polícia Federal usam método nazista e matam Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos, em câmara de gás da viatura, em Sergipe. Que haja justiça. Isto não pode ficar assim.”
Guilherme Boulos, coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MTST) e pré-candidato a deputado federal pelo Psol, descreveu a morte de Genivaldo como “uma das cenas mais bárbaras do Brasil bolsonarista”.
“Transformaram a viatura numa câmara de gás. Ainda é possível que sejam elogiados pelo presidente, como os policiais da chacina no Rio. Esses assassinos sádicos têm que ser presos. Minha solidariedade aos familiares de Genivaldo”, escreveu o ex-candidato à Presidência.
Já a deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP) afirmou que “a violência policial sistemática contra negros já passou dos limites: Genivaldo não foi o primeiro, mas deveria ser o último”.
A vereadora Erika Hilton (Psol), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara de São Paulo e pré-candidata a deputada federal, denunciou que as “forças de segurança pública se tornaram agentes da morte no Brasil”. “É preciso se revoltar contra esta política de extermínio da população preta e periférica!”, acrescentou.
Hilton e a vereadora Linda Brasil (Psol), de Aracaju (SE), enviaram um apelo urgente ao Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU pedindo que o órgão acompanhe as investigações do caso no Brasil e garanta a independência dos inquéritos.
Já o Instituto Marielle Franco informou ter enviado um ofício à Procuradoria da República em Sergipe “solicitando providências urgentes no procedimento investigativo” do caso.
“Um homem negro jogado em um porta-malas e asfixiado até a morte. O ano é 2022 e o Estado é responsável por torturar e assassinar mais um corpo negro. O governo de Sergipe tem que agir imediatamente para uma responsabilização séria e imediata!”, disse o instituto no Twitter, onde compartilhou um vídeo de protestos em Umbaúba contra o assassinato.
A Coalizão Negra por Direitos também denunciou o aspecto racista do crime em Sergipe. “É aterrorizante e inadmissível agentes do Estado asfixiarem um homem negro e o trancarem em um porta-malas, como aconteceu em Sergipe. Mais uma vez o Estado racista é o responsável por um corpo negro torturado e assassinado.”
O advogado Thiago Amparo, professor de direito internacional e direitos humanos na FGV-SP, chamou de “cinismo macabro” o fato de a PRF ter reconhecido o uso de gás lacrimogêneo na viatura, mas apontar que a morte ocorreu por mal súbito.
Vários artistas também compartilharam mensagens indignadas nas redes sociais pedindo justiça por Genivaldo. Para a atriz Camila Pitanga, “não foi fatalidade, foi execução”.
“Policiais rodoviários federais imobilizaram um homem que portava apenas seus remédios para transtorno mental e em decorrência de toda violência sofrida, ele morreu”, disse em rede social. “A polícia protege a quem? A custo de quantas vidas inocentes?”
O ator Fabio Assunção também se pronunciou, afirmando no Twitter que Genivaldo foi “assassinado pela PRF”: “Foi ofendido, jogado no chão, com a já habitual imobilização racista – joelho-no-pescoço. Imobilizado e jogado no porta-malas da viatura. Fecharam a porta com suas pernas para fora e então foi exposto a um gás que o matou. Asfixiaram ele. Assim, a céu aberto.”
ek/lf (ots)