Se a diferença entre o remédio e o veneno está na dose, parece que a posologia definida pelo Banco Central para o corte da amarga Selic de dois dígitos está bem prescrita. Na quarta-feira (10), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou que a inflação oficial, o IPCA, desacelerou forte em março, ao menor nível em oito meses. Enquanto as projeções apontavam para uma alta de 0,25%, o indicador estacionou em 0,16%. Trata-se de uma freada brusca. Neste ano, a inflação começou empolgada, com alta de 0,42% em janeiro e de 0,83% em fevereiro.

Com esse resultado de março, pela primeira vez desde julho do ano passado o percentual acumulado em 12 meses ficou abaixo de 4%, mais próximo do centro da meta de 3% e abaixo do teto de 4,5%. Ponto para o presidente do BC, Roberto Campos Neto, que vinha insistindo na cautela do corte da Selic, apesar da pressão nos campos político e empresarial para uma redução mais agressiva dos juros.

Mesmo com o corte da taxa básica, de 13,75% para os atuais 10,75%, o fantasma da inflação está amansado. “Tivemos uma boa notícia no Brasil, apesar do cenário ruim no campo internacional”, disse Campos Neto, em entrevista à GloboNews.

25%
foi o avanço no número de carros emplacados no primeiro bimestre

Por trás dessa boa notícia da inflação sob controle está outra notícia ainda mais animadora. Os principais responsáveis pela desaceleração do IPCA foram os alimentos, vilões do orçamento doméstico dos mais pobres, principalmente.

O indicador vem recuando gradativamente. Passou de 1,38% (em janeiro) e 0,95% (em fevereiro) para 0,53% em março. “Problemas relacionados às questões climáticas fizeram os preços dos alimentos aumentarem nos últimos meses. Em março, os preços perderam intensidade”, afirmou André Almeida, gerente da pesquisa do IBGE.

Redução das taxas de juros tem estimulado a venda de automóveis; queda no preço dos alimentos fortalecem o movimento (Crédito:Divulgação )
(Divulgação)

A queda sincronizada da Selic e da inflação tem gerado efeitos positivos em quase todos os setores da economia.

Pelos cálculos da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), as vendas de automóveis, em todos os segmentos, começaram 2024 em forte aceleração.
• No primeiro bimestre, houve aumento de 25% no emplacamento em comparação a este mesmo período no ano passado.

“A conjuntura está mais positiva para esse ano, especialmente pela redução das taxas de juros e um ambiente mais favorável à oferta de crédito”, afirmou José Maurício Andreta Junior, presidente da entidade. “Com isso, há uma maior disponibilidade de recursos para financiamentos.”

CONJUNTURA

O círculo virtuoso dos juros mais baixos é visível em quase toda a economia, segundo Ana Paula Debiazi, economista e CEO da Leonora Ventures.

A explicação é que, com a redução da taxa de juros, os empréstimos ficam mais baratos, o que tende a estimular tanto o consumo das famílias quanto os investimentos das empresas.

Isso ocorre porque os custos de financiamento diminuem, incentivando as pessoas a tomarem empréstimos para comprar bens de consumo duráveis (como carros e imóveis) e as empresas a investirem em expansão e modernização.

Nessa mesma linha, os financiamentos imobiliários se tornam mais acessíveis, o que pode impulsionar o mercado de construção civil e a compra de imóveis.

“Tudo isso tende ao aumento da oferta de empregos, pois empresas que expandem precisam de novos colaboradores”, afirmou Ana Paula. “O aumento do consumo gera incremento de demanda e de novos empregos. A roda da economia gira favoravelmente ao mercado.”

Soma-se a essa conjuntura positiva a combinação de aumento da concessão de crédito e redução da inadimplência, na visão de Marcelo Fonseca, economista-chefe da Reag Investimentos. “Já percebemos uma reação dos indicadores de crédito. Com o afrouxamento monetário, com queda das taxas dos novos empréstimos, ao longo dos próximos meses haverá maior disponibilidade de crédito, a taxas mais baixas. Isso deverá dar impulso à demanda privada, principalmente o consumo das famílias.”

Na última linha do balanço do governo, juros em queda e consumo em alta se traduzem em crescimento. O economista-chefe da Integral Group, Daniel Miraglia, destaca que a Selic tem influenciado de forma muito positiva os indicadores da economia real e surpreendido as projeções econômicas. Prova disso é a própria expansão do PIB, que subiu 2,9% no ano passado (muito acima dos 1,4% projetados inicialmente) e que deverá vir acima do esperado também em 2024. “O crescimento do PIB tem sido constantemente revisado para cima porque o mercado de trabalho, com foco em serviços e consumo, está aquecido”, disse Miraglia. Por isso, a Integral Group já enxerga o PIB com alta de 2,5% neste ano, enquanto o Boletim Focus, do BC, ainda projeta 1,80%.

Seja qual for o resultado do PIB, o fato é que o efeito positivo do controle da inflação, orquestrado pelo Banco Central via taxa de juros, começa a mostrar seus benefícios na economia real. Graças à visão de longo prazo de Campos Neto.