DINHEIRO ? Qual o cenário para o petróleo nos próximos anos?

LEONARDO MAUGERI ? Haverá um excesso de oferta até 2020. Vários países terão aumento de produção. A Arábia Saudita continuará em primeiro, com a produção passando de 12,3 milhões de barris por dia para 13,2 milhões. Em seguida vêm Estados Unidos, Rússia, Iraque, Canadá e Brasil, cuja produção aumentará de dois milhões para 4,5 milhões de barris por dia. Outros terão queda, como México e Reino Unido.

 

DINHEIRO ? O sr. menciona em seu estudo um aumento muito grande na produção de petróleo nos Estados Unidos, nos próximos anos, graças à extração de petróleo de rocha. Acha que um dia o país vai se tornar autossuficiente?

MAUGERI ? Acho que não. Mas o Hemisfério Ocidental acredito que vai se tornar autossuficiente até 2020. 

 

DINHEIRO ? Qual o papel do Brasil e do pré-sal nesse cenário?

MAUGERI ? Acho que o Brasil vai ter um papel importante no futuro, já que vai mais do que dobrar a sua produção. Mas o pré-sal vai demorar mais para ser desenvolvido por causa de problemas com custo, expertise técnica e por tudo estar nas costas da Petrobras. A Petrobras é uma empresa excelente, mas não pode fazer tudo sozinha e num prazo tão curto. O pré-sal está entre as formações mais caras do mundo para ser explorada. Há dificuldades técnicas a serem vencidas e isso leva tempo. É por isso que, quando fiz a previsão para o Brasil, estimei um aumento de seis milhões de barris na capacidade de produção, mas dei um desconto de 3,5 milhões, já considerando as dificuldades que o País terá para atingir esse volume na virada da década. Esses campos vão demorar mais do que oito ou dez anos para serem desenvolvidos.

 

DINHEIRO ? Isso é por causa da exclusividade da Petrobras como operadora do pré-sal ou há outras razões?

MAUGERI ? É uma combinação de fatores. É sempre difícil para uma companhia ser a única operadora de uma área tão grande, especialmente com todas as dificuldades técnicas inerentes ao pré-sal. A Petrobras é uma das melhores empresas de águas profundas do mundo. Não é uma questão de capacidade técnica. É muita coisa para uma empresa só. Se houvesse mais companhias, haveria mais capital investido, mais gente, mais qualificação. Mas há outros problemas: o que fazer com o gás do pré-sal, em alto-mar, e a dificuldade de contratar mão de obra especializada num prazo tão curto.

 

DINHEIRO ? O sr. traçou um cenário para além de 2020?

MAUGERI ? Não, porque se já é difícil imaginar um cenário para cinco anos, dez anos, é praticamente impossível fazer uma previsão para 20 anos. Há dez anos, era impossível imaginar a revolução que ocorre hoje nos Estados Unidos com o gás e o petróleo extraídos de rocha. Há 20 anos, era impossível supor que um dia seria viável o pré-sal, porque não era possível ver esses campos. No estudo, analisei os dados de mais de mil campos de petróleo com uma base de dados desenvolvida durante oito anos e fiz uma previsão com o máximo de precisão.

 

DINHEIRO ? Outra previsão: quanto tempo o sr. acha que as reservas mundiais de petróleo vão durar? Parece que a previsão de 40 anos já está ultrapassada…

MAUGERI ? Difícil dizer porque, mesmo com toda a tecnologia existente hoje, é impossível determinar quanto petróleo existe no subsolo. O que sabemos, com certeza, é que o petróleo que existe hoje, incluindo o que não é economicamente viável de ser extraído com a tecnologia atual, vai durar até o fim deste século.

 

DINHEIRO ? Mas pode ser mais?

MAUGERI ? Claro, porque até alguns anos atrás não conhecíamos vários campos que hoje já estão sendo explorados no mundo.

 

DINHEIRO ? Se o petróleo não está prestes a acabar, se a tecnologia se desenvolve e aumenta a viabilidade econômica de novos investimentos, por que o preço do barril continua tão elevado?

MAUGERI ? Existe um fator que as pessoas tendem a esquecer. Entre 1987 e início dos anos 2000, o preço do petróleo era tão baixo, cerca de US$ 18 o barril, que muitas empresas cortaram seus investimentos em exploração. O resultado do investimento baixo nos anos anteriores fez cair a produção, mas não por falta de reservas. O ciclo de investimento é longo, pode demorar 15 anos entre a descoberta de um campo e o início da produção.

 

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Plataforma de petróleo e gás em Springville, nos Estados Unidos.

 

DINHEIRO ? Agora estamos do outro lado do ciclo?

MAUGERI ? Agora estamos vendo os primeiros resultados dos investimentos feitos após a recuperação dos preços. O preço continua alto, porque ainda não temos produção excedente suficiente para fazer frente a uma crise internacional, envolvendo o Irã, por exemplo. Precisamos de um prazo de três anos para ter esse excedente.

 

DINHEIRO ? Em três anos, as reservas de petróleo serão suficientes para fazer frente a uma crise como essa?

MAUGERI ? Sim. 

 

DINHEIRO ? Como se pode conciliar uma situação em que o preço é elevado o suficiente para estimular o investimento e ao mesmo tempo existe produção excedente para suportar uma crise?

MAUGERI ? A capacidade de produção está crescendo e a maioria das empresas não pode parar de produzir, porque tem seus compromissos. Isso significa que os investimentos que estão em curso vão continuar nos próximos anos, aumentando a capacidade de produção. Se o preço despencar agora, essa queda não vai durar mais do que um ano, porque alguns investimentos não podem ser paralisados e vão continuar. Mas se os preços só caírem depois de 2015, quando a produção já tiver aumentado, o efeito será duradouro.

 

DINHEIRO ? E o sr. vê a possibilidade de um colapso nos preços?

MAUGERI ? Estou neste mercado há muito tempo e sempre digo que é impossível prever o momento de um colapso de preços. Mas uma coisa é certa: nada continua para sempre no setor petrolífero, e os preços já estão subindo há bastante tempo. Quem diz que eles podem subir para sempre está errado. O setor de petróleo vive de ciclos. Não me surpreenderia se, cedo ou tarde, um colapso acontecesse, com os preços caindo abaixo de US$ 70 o barril. Quando comecei a escrever o estudo, em novembro do ano passado, o preço do barril só subia. Nos últimos meses começou a cair e as pessoas dizem que é porque a demanda está baixa por causa da crise. É verdade, mas existe uma outra razão: ao mesmo tempo que a demanda cai, a produção continua subindo. A diferença entre a capacidade de produção e o consumo vem aumentando. Por isso, cedo ou tarde, pode haver um colapso. O preço ainda se mantém por causa do medo de uma crise no Irã e a possibilidade do fechamento do Estreito de Ormuz. O mercado responde a esses temores. Se não fosse por isso, o preço do petróleo já estaria abaixo de US$ 80 o barril.

 

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Mahmoud Ahmadinejad, presidente do Irã.

 

DINHEIRO ? O sr. acha que o preço pode voltar a subir no próximo ano, ou continua mais baixo?

MAUGERI ? Acho que a esta altura só uma grande crise internacional que afete o mercado de petróleo pode fazer o preço subir. Com a crise econômica, a tendência é de queda.

 

DINHEIRO ? O petróleo tem uma reputação muito ruim em relação ao impacto no meio ambiente. Em quanto tempo vamos ver o petróleo perdendo seu espaço para outras fontes de energia?

MAUGERI ? Não vejo o petróleo sendo substituído em pouco tempo no setor de transporte. Brasil e Estados Unidos têm um histórico de uso do etanol, especialmente o Brasil. Mas é só um país, com condições específicas. Em um dos meus livros, faço um paralelo entre biocombustíveis no Brasil e o vento na Dinamarca. A Dinamarca pode gerar um terço da energia que consome através do vento. Mas, infelizmente, o restante do mundo não é a Dinamarca e nem tem boas condições para a produção de biocombustíveis. Então, até agora, não temos um substituto para o uso do petróleo em transporte em larga escala.

 

DINHEIRO ? Com exceção da Arábia Saudita, os países que terão aumento de produção de petróleo estão no Hemisfério Ocidental. Quais são as consequências geopolíticas dessa mudança?

MAUGERI ? A mais importante é que o Golfo Pérsico, que desde o fim da Segunda Guerra foi uma área de influência estratégica dos Estados Unidos, vai cada vez mais interessar à Ásia, que se tornará um grande mercado consumidor de petróleo. Isso vai fazer com que a China se torne um dos protagonistas do Golfo Pérsico.

 

DINHEIRO ? Isso pressionará os Estados Unidos a se interessar menos pela região?

MAUGERI ? Não acho que os Estados Unidos fariam isso. O que vai acontecer é que a China vai competir com os Estados Unidos pela influência no Golfo. Uma crise na região ainda vai influenciar o preço do petróleo, mesmo que eles não dependam dos países árabes para o fornecimento do produto.