O economista austríaco Joseph Schumpeter, um dos principais pensadores do século 20, criou uma expressão que resumiu toda a mágica do capitalismo. Trata-se do termo ?destruição criadora?. Schumpeter referia-se à seleção natural do mundo dos negócios. Enquanto muitas empresas e indústrias morrem, outras logo florescem em seu lugar. Tecnologias obsoletas dão lugar a técnicas mais avançadas de produção. E, entre mortos e feridos, assim caminha o capitalismo. Nessa lógica selvagem, foram sendo criados verdadeiros cemitérios industriais pelo mundo afora. Em terrenos gigantescos, jazem bens, máquinas, equipamentos e toda a sucata daquilo que um dia produziu riqueza, alimentou disputas de poder e movimentou a roda da economia global. São resquícios remotos de uma prosperidade que já não existe mais. Em Hortolândia, no interior de São Paulo, há um desses monumentos à memória industrial. É lá que estão abandonados diversos vagões, já carcomidos pela ferrugem, da antiga Cobrasma. A companhia, que pertencia à família de quatrocentões dos Bueno Vidigal, era fornecedora preferencial do governo brasileiro nos tempos em que o sistema ferroviário era estatal, comandado pela antiga RFFSA. Foi à bancarrota em 1991 e, hoje, acumula dívidas milionárias em impostos e passivos trabalhistas. Quando a empresa foi à lona, seu maior acionista era ninguém menos que Luís Eulalio de Bueno Vidigal, à época o todo-poderoso presidente da Federação das Indústrias de São Paulo.

Nos últimos anos, o Brasil sentiu como poucos outros países a lógica da expressão de Schumpeter. Estatísticas do IBGE revelam que, entre 1997 e 2000, a taxa de natalidade e mortalidade de empresas foi elevadíssima. A cada ano, nasceram 682 mil empresas, enquanto outras 453 mil pereceram. Foi um fenômeno que ocorreu no comércio, nos serviços e nos principais pólos industriais do País, como a cidade de São Bernardo do Campo, onde o presidente Luiz Inácio Lula da Silva construiu sua carreira sindical. Os segredos do tempo são sempre insondáveis, mas é bem possível que, se Lula tivesse chegado ao ABC vinte anos mais tarde, sua profissão fosse outra. Na última década, São Bernardo presenciou a ascensão do setor de serviços e a decadência da indústria pesada. Na antiga fábrica da Villares, hoje reina o Carrefour. Na planta da Brastemp, que migrou para o interior paulista, existe uma grande loja Wal-Mart. ?As instalações se modernizaram e têm máquinas robotizadas?, conta Walter Moura, presidente da Associação Comercial de São Bernardo do Campo. ?Os espaços gigantescos que eram da indústria hoje pertencem aos hipermercados.? Eis a destruição criadora de Schumpeter em ação.

Mas nem sempre um cemitério industrial é sinônimo de crise. Na Lapa, zona oeste de São Paulo, há um grande terreno da Telefônica, onde se amontoam milhares de carretéis de fios telefônicos. Há grandes peças de madeira no depósito, que pintam a paisagem com tons decadentes. Mas o cemitério nada mais é do que o espelho dos grandes investimentos que foram feitos pela telefonia brasileira nos últimos anos. As empresas anteciparam metas de universalização, eliminaram as filas e instalaram milhões de quilômetros de cabos e fibras ópticas. Os carretéis são apenas a parte descartável do progresso. Nos Estados Unidos, onde tudo se traduz em cifras e novos negócios, os cemitérios viraram atração turística. Um deles, em Tucson, Arizona, cobra 10 dólares dos apaixonados em aviação, que podem visitar 80 tipos de aeronaves da Força Aérea Americana. Ao todo, mais de 5 mil aviões estão espalhados pelo cemitério, que é o maior do mundo. Hoje aposentadas, incapazes de competir com os modernos F-16 da Lockheed Martin, tais aeronaves foram cruciais na Segunda Guerra Mundial. E em várias metrópoles dos Estados Unidos há centenas de outros cemitérios dedicados ao símbolo maior da América: o automóvel. Por ano, 13 milhões de veículos americanos vão para os desmanches. Nunca a renovação de frotas foi tão veloz.

No Brasil, o BNDES também
tentou medir o ritmo da
destruição criadora. Entre
1995 e 2000, o número de empresas com mais de 500 empregados passou de 2.706 para 2.710. Não que só quatro companhias tenham surgido. Muitas nasceram, muitas morreram. E mesmo as que hoje brilham na roda da fortuna logo sentirão que toda glória é vã e fugaz. São candidatas aos cemitérios industriais do futuro.