O Centro Nacional de Navegação Transatlântica (Centronave), que representa as 19 maiores empresas de navegação de longo curso atuando no Brasil, diz que não há acordo sobre o projeto que prevê a regulamentação econômica da praticagem, serviço obrigatório para a condução de navios nos portos. Em entrevista ao Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado), o diretor executivo da entidade, Claudio Loureiro de Souza, afirma que o setor de navegação não teve demandas levadas em consideração e que o ritmo de aprovação surpreende negativamente.

O projeto original de 2019 teve a tramitação acelerada nas últimas semanas. Em 8 de novembro, a Câmara aprovou a urgência. No dia 17, o relator da matéria, deputado Coronel Meira (PL-PE), apresentou suas conclusões na forma de um substitutivo a outro projeto, o 757, de 2022, de origem do Poder Executivo. No dia 21, o projeto foi aprovado na Câmara e chegou ao Senado no dia 24. Designado no mesmo dia como relator, o senador Weverton Rocha (PDT-MA) apresentou seu parecer de forma imediata, liberando o projeto para votação em caráter terminativo na terça-feira, 28, em uma reunião extraordinária da Comissão de Serviços e Infraestrutura da Casa.

“Se posicionar se tornou quase uma obrigação. Até então achávamos que as nossas contribuições seriam levadas em consideração e não foram. Essa velocidade de tramitação está gerando um desconforto muito grande. Precisamos chamar atenção para os pontos problemáticos e na velocidade que fez com que o projeto não fosse discutido em nenhuma comissão”, diz Souza, que rebate a tese de que a rapidez seria fruto de acordo: “Afirmam que houve acordo e não houve. É importante deixar isso claro”.

Reclamações

A praticagem é a atividade que conduz os navios na entrada e saída dos portos, tanto na sua navegação no canal de acesso quanto na atracação e desatracação. O serviço é realizado a bordo pelo prático, profissional que embarca de sua lancha no navio em movimento, a partir de uma escada estendida no costado da embarcação. A atividade busca trazer maior segurança na navegação em áreas com tráfego mais intenso e outras características que um comandante pode não ter familiaridade.

No caso das empresas que são representadas pelo Centronave, com operações de longo curso, há dois pontos que mais desagradam. O primeiro é o estabelecimento de rodízio dos práticos na lei, o que hoje é uma norma infralegal da Marinha. “Isso deve continuar sendo uma questão técnico-administrativa da Marinha. É preciso liberdade para chegar à conclusão de que em determinada zona não é necessário o rodízio ou por dinâmica diferente. Isso tornará o monopólio do setor uma lei”, diz.

O segundo ponto é a atuação de comissão para avaliar a prática de preços abusivos. O texto atual diz que os preços seguirão sendo livremente negociados entre a navegação e a praticagem. Mas há possibilidade de que esses valores sejam questionados e, em caráter extraordinário, excepcional e temporário -, comprovado abuso de poder econômico ou defasagem de preço, que a Marinha instaure comissão para emitir parecer consultivo sobre o preço. Pelo texto, agora a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) também poderá fazer parte dessa comissão, um pleito antigo da navegação.

“A comissão pode ser importante, mas depende de como será regulamentado. O grande defeito que vemos no texto atual é de como isso vai funcionar. Em um processo de negociação, em que momento vai ser caracterizado que é abuso? Não está escrito qual é o gatilho para acionar a comissão”, afirma Souza. Ainda sobre a comissão, o representante defende que a mesma deveria ser permanente ou há o risco de não ser efetiva.

“Se não tiver funcionamento permanente, não acompanhará condições de mercado e não verá o que se pratica no Brasil e ao redor do mundo”, diz. Segundo o Centronave, os preços de praticagem no Brasil são cinco vezes maiores que os do Extremo Oriente e quatro vezes maiores que os da Costa Oeste da América Latina.

Na tentativa de reverter o quadro considerado negativo para a navegação, os representantes estão com agenda de reuniões com parlamentares. “Estamos estudando emendas para serem levadas aos senadores. Espero que no Senado o caminho seja diferente. Se aprovar do jeito que está, acredito que vai judicializar em alguns pontos”, aponta Souza.

Obrigatoriedade

A Associação Brasileira de Armadores de Cabotagem (Abac), que representa as empresas de transporte marítimo ao longo da costa, já havia se manifestado contra o PL. Além de concordar com a tese de que o texto reforça o monopólio da atividade de praticagem, a Abac reclama dos obstáculos para a dispensa do uso do prático.

Na proposta original, de 2019, previa-se que a autoridade marítima poderia “habilitar comandantes de navios de bandeira brasileira a conduzir a embarcação sob seu comando no interior de Zona de Praticagem específica ou em parte dela, sem a assessoria de prático”.

Agora, o texto diz que a dispensa não será possível para embarcações com mais de 500 AB (quinhentas arqueação bruta). As exceções são para as hipóteses previstas pela autoridade marítima em regulamento específico, e “embarcações regionais, empurradores, balsas e comboio integrado de balsas, classificadas para operar exclusivamente na navegação interior”.

Para as dispensas feitas pela autoridade marítima, deverá ser observado que essa possibilidade se limita a navios de até 100 metros de comprimento, tendo que ser o comandante brasileiro com experiência mínima de seis meses na área, com dois terços da tripulação também brasileira, mediante análise de risco prévia.

Praticagem defende

Com outro ponto de vista, o presidente da Praticagem do Brasil e vice-presidente da Associação Internacional de Práticos Marítimos (IMPA), prático Ricardo Falcão, considera que os deputados chegaram a um consenso sobre a legislação, “buscando padrões mundiais de regulação da atividade nos aspectos técnico e econômico”.

“Deixamos claro nas discussões que a praticagem, na verdade, é um item de redução do Custo Brasil. Além de assegurar a entrada e saída de navios, mantendo os portos funcionando plenamente para a economia, a atividade investe continuamente em estudos, treinamento e tecnologias que contribuem para superar as limitações portuárias que impactam o Custo Brasil. Esses investimentos possibilitam que os navios carreguem mais e demorem menos tempo para entrar nos portos e deles sair. Somos referência em eficiência e segurança. O texto da Câmara traz estabilidade regulatória a esse sistema”, defende Falcão.