O clima na sede da Camargo Corrêa em São Paulo era de extrema tensão na manhã de 17 de março. Enquanto a destruição acontecia no acampamento da obra da usina hidrelétrica de Jirau, na Amazônia, o presidente da construtora, Antonio Miguel Marques, convocava um comitê de crise logo nas primeiras horas da manhã, a três mil quilômetros de distância, em São Paulo. 

 

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Antonio Miguel Marques, presidente da Construtora Camargo Corrêa 

 

Nos três dias seguintes, o gabinete de crise na sede da companhia, no bairro do Jardim Paulistano, concluiria uma das maiores operações logísticas da história empresarial brasileira. Os 12 executivos destacados por Marques para a missão praticamente não dormiram entre quinta-feira e domingo, imersos em negociações para concluir a complexa evacuação de 20 mil operários do canteiro em Jirau, a maior obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), orçada em R$ 13,9 bilhões. “Meu envolvimento foi total e pessoal, 24 horas por dia, durante a crise”, afirmou Marques à DINHEIRO, em entrevista exclusiva.

 

Depois do incêndio de15 alojamentos por homens encapuzados, saques no comércio e roubos aos postos bancários da obra, a Secretaria de Segurança de Rondônia ordenou a evacuação. Marques sabia, porém, ter um desafio gigantesco pela frente. O caos instalado na selva poderia se alastrar para a capital de Rondônia, a 120 quilômetros do acampamento, para onde todos os 20 mil trabalhadores seriam transportados. “Se eu fosse mandá-los para Porto Velho, ia apenas transferir o problema”, diz. Os dez mil operários que não residem na região teriam de ser enviados para seus Estados de origem. 

 

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Destruição: 45 ônibus foram queimados após discussão entre motorista
 e operário da construtora, que vê ação premeditada de bandidos

 

A magnitude do desafio era proporcional à da própria obra. Jirau, para ser construída, teve de receber antes investimentos de infraestrutura de uma pequena cidade em plena selva. Instalações confortáveis e boas relações trabalhistas são fundamentais para manter a ordem e o cronograma. A preocupação dos gestores, nesses pontos, é total. “Fizemos dois acordos com os trabalhadores em 2010, fato inédito no setor”, diz Marques.

 

Sua primeira medida no comitê de crise foi lançar mão do mapa de todas as partes interessadas que deveriam ser contatadas imediatamente. São os stakeholders, com os quais a empresa se relaciona. Na imensa lista de contatos estavam autoridades locais, estaduais e federais, órgãos reguladores, como a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a Eletrobras, fornecedores de transporte, alojamento e comida, clientes, sindicatos, líderes comunitários e imprensa. 

 

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Marques empenhou-se para montar a operação e dar transparência das ações dentro e fora da companhia. Foi criado um site na intranet com planilhas, fotos e vídeos. Todos os executivos envolvidos acessavam o site e colocavam informações sobre as missões executadas. O presidente da Camargo Corrêa controlava a execução do plano. “Liguei pessoalmente para as autoridades do município, do Estado e do governo federal”, diz. As primeiras ligações foram para o chefe de gabinete da Presidência da República, Gilberto Carvalho, para o ministro da Casa Civil, Antônio Palocci, e para o titular das Minas e Energia, Edson Lobão. 

 

A presidente Dilma Rousseff vinha sendo informada da situação desde os primeiros conflitos. Por volta das dez horas da manhã, após contatos com o governo de Rondônia, o governo concordou com o envio da Força Nacional, subordinada ao Ministério da Justiça. A solicitação foi feita pelo governador de Rondônia, Confúcio Moura. A Camargo Corrêa reforçou o pedido ao ministro José Eduardo Cardozo. 

 

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Mas o maior desafio ainda estava por ser vencido: conseguir transporte, comida e alojamento temporário para os dez mil operários que eram de regiões afastadas e teriam de ser hospedados em Porto Velho, num primeiro momento. “Temos um manual de crise, mas é claro que não tinha nada lá sobre como retirar 20 mil pessoas em três dias… Teve muita coisa já pensada anteriormente, mas a maior parte foi improvisação”, disse Marques. 

 

Os operários foram alojados em quatro centros de triagem, entre eles um ginásio esportivo e um clube em Porto Velho. Era necessário cadastrar os funcionários para que pudessem ser contatados depois para reconvocação ao trabalho. A construtora também criou um serviço 0800 que recebeu 15 mil ligações de familiares dos trabalhadores.

 

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Marques e os outros executivos contrataram 300 ônibus e oito aviões para transportar os operários. Não havia ônibus suficientes em Porto Velho e os empresários locais resistiam em colocar seus veículos à disposição depois da depredação. Foi preciso levar ônibus de Brasília, Goiânia e Cuiabá. Os 12 voos foram fretados principalmente com a Gol. A TAM, a Força Aérea Brasileira e a White Jet também ajudaram. A negociação com as empresas de transportes ficou a cargo de Francisco Graziano, responsável pela logística. 

 

Também participavam do comitê de crise os executivos André Clark Juliano (coordenador), Mauro Grecco (jurídico), Ney Mauro (recursos humanos), Celso Ferreira de Oliveira (engenharia), João Auler (relações institucionais), Carlos Roberto Ogeda (financeiro) e Marcello D’Angelo (comunicação). A operação envolveu 300 pessoas da construtora e custou entre R$ 15 milhões e R$ 18 milhões.

 

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“Houve assaltos e atos de vândalos. Isso é banditismo”

 

O presidente da construtora Camargo Corrêa, Antonio Miguel Marques, credita a confusão em Jirau ao banditismo ou a disputas sindicais. Na quinta-feira 25, ele falou à DINHEIRO:

 

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Afinal, o que aconteceu em Jirau?

Não tenho como provar, mas a principal suspeita é de banditismo. Foram atos de vândalos. Não concebo que uma briga entre um motorista e um empregado embriagado possa motivar a queima de mais de 40 ônibus. Não se queima ônibus com palito de fósforo e isqueiro, é preciso ter combustível preparado. Houve um assalto a banco no mesmo momento, o que indica criação de tumulto para desviar a atenção.

 

E as outras hipóteses?

Disputa sindical. Sindicatos ligados à Força Sindical e à CUT disputam a representação dos trabalhadores e poderia ter havido perda de controle. É difícil acreditar nisso, porque os prejudicaria. A terceira hipótese é a insatisfação com a intensificação da vigilância na obra. Há um mês, houve um assalto à mão armada ao  posto bancário no dia do pagamento. Reforçamos a vigilância. Isso afeta a entrada e saída de pessoas, aumenta as apreensões de substâncias ilegais e de bebida. 

 

E as reclamações sobre as condições de trabalho?

Nós colocamos lá a melhor infraestrutura num projeto de construção no Brasil. Jirau tem todas as facilidades de uma cidade de 20 mil habitantes. Banco, serviços de lazer, cinema, televisão, lan house, fliperama. Os alojamentos para operários e serventes acomodam quatro pessoas com banheiro individual. Isso não é usual.

 

A terceirização de funcionários é alta?

Jirau tem um nível de terceirização muito baixo. É uma obra de grande responsabilidade e prazo exíguo, então os recursos próprios predominam.

 

Qual foi a extensão dos prejuízos?

Isso está sendo levantado pela seguradora. São dois acampamentos. O da margem esquerda praticamente não sofreu danos. No da margem direita, 80% dos alojamentos foram destruídos. Toda a área de lazer, lavanderia, cinema, tudo. 

 

Quanto tempo precisa para restaurar?

Mais ou menos dois meses. A obra pode ser retomada porque restaram 40% dos alojamentos em condições de uso. Logo após a perícia do seguro, começaremos a chamar as pessoas de volta e retomar as obras paulatinamente. Todos continuam recebendo os salários normalmente.

 

A obra vai atrasar?

Pelo contrato de concessão, Jirau tem de entrar em vigor em janeiro de 2013. isso vai ocorrer com grande certeza. Existia uma possibilidade de antecipação para maio de 2012, mas ficou muito difícil. Toda a obra está sendo replanejada. 

 

 

O efeito cascata no pac

 

A crise de Jirau funcionou como um rastilho de pólvora entre as obras mais importantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O primeiro efeito colateral foi sentido na obra vizinha, da usina de Santo Antônio, a dez quilômetros de Porto Velho, onde os 16 mil funcionários aproveitaram o clima de embate na região para fazer novas exigências trabalhistas à Odebrecht, empreiteira que lidera o consórcio responsável pela hidrelétrica. 

 

“Houve tumulto e resolvemos paralisar as operações por precaução, mas não houve nenhum dano físico ou material”, diz José Bonifácio Pinto Júnior, diretor da Santo Antônio Energia. A companhia abriu um canal de negociação permanente até que os ânimos se acalmem. Embora a tensão continue no ar, a obra de Santo Antônio tem uma vantagem sobre a de Jirau: mais de 80% dos trabalhadores contratados pela Odebrecht vivem em Porto Velho.

 

Ou seja, voltam todos os dias para suas casas, ao contrário do que acontece na obra tocada pela Camargo Corrêa, onde a maioria dos peões  é de fora do Estado. Segundo Wagner Freitas, diretor da CUT, deslocado para Rondônia para acompanhar as negociações, os funcionários das hidrelétricas já vinham reclamando das condições de trabalho, mas não haviam sido atendidos. 

 

A insatisfação nos canteiros do PAC se manifestara antes no Nordeste, a cerca de cinco mil quilômetros da região amazônica. Em Pernambuco, as obras da refinaria de Abreu e Lima e da Petroquímica de Suape, tocadas pela Odebrecht e pela OAS, que empregam 34 mil funcionários, também sofreram paralisações pontuais em fevereiro, numa tentativa de negociação por melhores condições de trabalho, como vale-alimentação maior e folgas recorrentes aos funcionários de fora do Estado. 

 

Sem acordo, decidiram pela greve geral.  No Ceará, os seis mil trabalhadores da Termelétrica de Pecém, obra liderada pela EDP e MPX,  cruzaram os braços. O presidente da CUT, Artur Henrique, lembra que já vinha alertando o governo de que era preciso estabelecer uma negociação com as centrais sindicais e empresas para discutir as obras do PAC. “Infelizmente não conseguimos”, disse Henrique à DINHEIRO. “Foi necessário acontecer o que aconteceu em Jirau para que o governo chamasse as empresas.” 

 

Na terça-feira 29, a reunião finalmente deve acontecer. O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, comandará  um encontro em Brasília. “Queremos um protocolo nacional que garanta um conjunto de medidas para serem aplicadas não apenas em Jirau e Santo Antônio, mas em todas as obras do PAC”, diz Henrique. As principais reivindicações são melhores condições de trabalho,  criação de comissões no local de trabalho e garantia de condições de saúde e segurança. 

 

(Carla Jimenez e Denize Bacoccina)

 

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