01/12/2025 - 11:10
Barreira instalada em 2022 entre Polônia e Belarus vem bloqueando movimento de animais em uma das últimas florestas primárias da Europa. Cientistas detectam danos ao ecossistema ancestral e efeitos sobre linces e alces.Ao longo da fronteira entre Polônia e Belarus, um caleidoscópio de folhas douradas, amarelas e alaranjadas pendem de majestosas árvores centenárias. Um tapete de musgo cobre o solo da Floresta de Bialowieza, cujas raízes remontam ao fim da última era glacial, há 12 mil anos, e constitui uma das últimas matas primárias da Europa.
“É realmente um lugar único”, diz Mateusz Szymura, que cresceu na região e hoje é chefe de conservação da natureza no Parque Nacional de Bialowieza. “Trata-se de uma beleza que não pode ser comprada.”
Declarada Patrimônio da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), a floresta de 140 mil hectares é lar de bisões-europeus, linces, mochos-pigmeus e 10 mil tipos de fungos. E também está na linha de frente de uma disputa geopolítica.
Em julho de 2022, a Polônia concluiu a construção de uma cerca de 186 quilômetros ao longo da fronteira com Belarus, atravessando a floresta transfronteiriça.
A barreira metálica de 5,5 metros, coroada por arame farpado e câmeras de segurança, foi erguida para impedir que migrantes — muitos vindos do Oriente Médio e, cada vez mais, do Chifre da África — entrassem na Polônia rumo à União Europeia (UE).
Parte de “guerra híbrida”
Katarzyna Zdanowicz, porta-voz da patrulha de fronteira polonesa, relatou à DW que até 3 mil guardas e soldados vigiam a chamada “fronteira verde” para impedir possíveis requerentes de asilo. Segundo ela, cerca de 30 mil tentativas de atravessar a fronteira foram registradas em 2024.
Analistas afirmam que migrantes estão sendo usados na “guerra híbrida” pelo presidente bielorrusso pró-Rússia, Alexander Lukashenko, em retaliação às sanções europeias contra seu país.
A construção de uma fronteira física através de Bialowieza, que antes tinha presença humana mínima, “é um trauma muito significativo” para a floresta, argumenta Katarzyna Nowak, cientista do Instituto de Pesquisa de Mamíferos da Academia Polonesa de Ciências. “Ela estava aqui antes dos humanos. Partes da floresta permaneceram intactas por séculos — até agora.”
Um ano mais tarde, Nowak e uma equipe de dezenas de cientistas poloneses e internacionais iniciaram um estudo independente ao longo de 18 meses para avaliar seu impacto sobre animais e plantas.
Usando métodos e ferramentas como armadilhas fotográficas, amostragem de sons, monitores de temperatura e luminosidade, além de rastreamento na neve, eles constataram que o reforço da fronteira levou a numerosas mortes de animais, incluindo répteis, aves e bisões atropelados em estradas.
Danos para animais
O relatório, divulgado em março, concluiu que a cerca e o arame farpado estavam ferindo animais e impedindo que espécies como cervos, alces e lobos cruzassem entre os dois países. Nowak afirmou que linces-euroasiáticos do lado polonês, incapazes de caçar, se alimentar ou se reproduzir no lado bielorrusso correm risco de extinção local.
Embora a barreira tenha sido erguida com portões destinados à passagem de animais, eles nunca foram abertos devido ao receio das autoridades de que migrantes os utilizassem para entrar no território da UE.
Os cientistas também observaram menos animais perto da fronteira do que em outras áreas, além de um impacto negativo de sons altos — como veículos e disparos — sobre as aves ao longo da barreira.
Além disso, os resultados apontam mudanças no antigo ecossistema de Bialowieza devido à atividade ao redor da cerca, incluindo a introdução de 13 espécies vegetais com “potencial invasor”. Nowak acredita que algumas provavelmente foram trazidas durante a construção da barreira, quando houve grande circulação de veículos.
Militarização pressiona biodiversidade
Em outubro, a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) declarou que o status de conservação de Bialowieza era “crítico”. A organização ambiental afirmou que a fronteira e as atividades de segurança associadas estavam aumentando significativamente a fragmentação do habitat e a pressão sobre a vida selvagem.
A cerca na floresta é apenas um exemplo da crescente militarização das fronteiras internacionais. Pesquisas indicam que atualmente há mais de 60 muros físicos no mundo, além de fronteiras militarizadas — um aumento brusco em comparação aos seis existentes após a queda do Muro de Berlim em 1989.
Essas fronteiras afetam regularmente a fauna local. Na fronteira entre Estados Unidos e México, cervos-de-cauda-branca, ursos-negros-americanos e pumas estão sendo bloqueados por mais de 1 mil quilômetros de muros e barreiras.
No caso da cerca da Polônia, que atravessa outras cinco áreas protegidas pela UE para protegera biodiversidade, cientistas afirmam que ainda não há conhecimento suficiente sobre seu impacto. O governo polonês autorizou sua construção sem uma avaliação de impacto ambiental.
Esforços insuficientes
À DW, o parque nacional, que começou a monitorar mortes de animais no ano passado, afirmou que “o número de mamíferos prejudicados pela cerca é muito baixo, e as fatalidades ocorrem de maneira extremamente rara”.
Mas Michal Zmihorski, diretor do Instituto de Pesquisa de Mamíferos, questiona a eficácia dos esforços oficiais. “O mais importante é ter dados de qualidade, mas não temos o suficiente. Só então podemos formular soluções baseadas em evidências”, disse.
O Ministério do Clima e do Meio Ambiente da Polônia não respondeu à alegação de Zmihorski, mas afirmou em nota que cabe às autoridades do parque implementar “medidas preventivas” e que dados sobre incidentes envolvendo animais são enviados ao ministério a cada duas semanas. No entanto, não respondeu ao pedido para divulgar tais dados.
Embora o parque nacional afirme ter instruído cerca de 4 mil soldados sobre o “valor excepcional” da floresta, há ainda relatos de militares e guardas de fronteira que jogam lixo na natureza, alimentam gatos de rua e fazem exercícios fora de serviço dentro da floresta.
“Diplomacia da conservação”
Cientistas do Instituto de Pesquisa de Mamíferos solicitam melhor acesso ao local, incluindo autorização para coletar amostras em postos de fronteira, a fim de monitorar riscos de doenças zoonóticas diante do aumento do contato entre humanos e animais. Cães-guaxinim, que carregam coronavírus, vivem na floresta.
Enquanto isso, grupos humanitários alegam que rotas seguras e legais devem ser disponibilizadas a migrantes, o que evitaria a necessidade de cruzar a floresta.
Zmihorski acredita que a “diplomacia da conservação” — usar a proteção ambiental transfronteiriça para melhorar relações diplomáticas — possa construir pontes com Belarus e proteger a Floresta de Bialowieza. “O muro pode ser removido eventualmente. É realista. Mas depende da geopolítica.”
Em 2022, o governo da Eslovênia começou a remover os 194 quilômetros de cerca e arame farpado instalados sete anos antes na fronteira com a Croácia para impedir travessias irregulares, admitindo que a segurança “não pode ser garantida por uma cerca na fronteira”.
A Polônia, por sua vez, proibiu seus cientistas de colaborar com colegas bielorrussos. Já um porta-voz da IUCN afirmou que os países precisam agir conjuntamente “com urgência”. A IUCN e a Unesco se ofereceram para mediar as conversas.