O Itaú Unibanco, que acusa seu ex-CFO de usar uma engenharia financeira para realizar repasses indevidos do dinheiro do banco para si mesmo, aponta que o executivo recebia em média 37% dos valores que deveriam ser somente de fornecedores.

+Itaú vê indícios de atividades criminosas em conduta de ex-CFO

Segundo o banco, de um total de 40 contratos do ex-CFO Alexsandro Broedel, somente 20 foram entregues.

As informações constam em um documento enviado pelo banco à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em resposta a um pedido de esclarecimento feito pela autarquia sobre o caso.

No documento, o qual site IstoÉ Dinheiro teve acesso, o Itaú aponta que 16 dos pareceres não foram encontrados e 4 não foram realizados.

Do valor total, de cerca de R$ 13,2 milhões, Broedel teria direcionado para si R$ 4,86 milhões por meio de uma triangulação de empresas, segundo o documento.

O documento ainda detalha os repasses, sendo que um dos maiores, de R$ 750 mil, data de maio deste ano – em pagamento referente a cinco pareceres técnicos-contábeis, dos quais apenas um foi entregue, acerca de taxas de desconto em perdas de recebíveis.

“A Companhia, ao longo desses meses, solicitou esclarecimentos ao ex-administrador e ao fornecedor, mas não recebeu explicações que pudessem refutar a conclusão dessas apurações internas”, diz o documento, que é um ponto de partida para uma penalização do executivo via CVM.

As investigações internas foram iniciadas após o banco verificar que o ex-CFO teria atuado prestando serviços de parecerista e consultor ao mercado no fim de julho, mesmo após ter se desligado da companhia no dia 5 do mesmo mês.

O documento mostra que o “ex-administrador atuou em conflito de interesses e em inobservância aos seus deveres fiduciários, transgredindo as regras internas e as leis aplicáveis”.

Em suma, o executivo teria repassado pagamentos para Eliseu Martins, contador conhecido no meio e do qual era sócio, que por sua vez redirecionou parte dos valores a Broedel.

Broedel e Eliseu rebatem acusações; ‘infundadas e sem sentido’

A reportagem entrou em contato com Alexsandro Broedel, que classificou as acusações do banco como ‘infundadas e sem sentido’. O executivo declarou também que irá tomar ‘medidas judiciais cabíveis’ sobre o caso.

“Alexsandro Broedel sempre se conduziu de forma ética e transparente em todas as atividades ao longo dos seus 12 anos no banco – algo nunca contestado pelo Itaú, que tem uma rigorosa e abrangente estrutura de controle e compliance, própria de um grupo financeiro com seu porte e importância na economia brasileira. O parecerista mencionado pelo Itaú já prestava serviços ao banco há décadas, muito antes de Broedel ser convidado para a diretoria da instituição. Os serviços mencionados eram do conhecimento do Itaú e requeridos por diferentes áreas do banco”, disse, em nota.

“Causa profunda estranheza que o Itaú levante a suspeita sobre supostas condutas impróprias somente depois de Broedel ter apresentado a renúncia aos seus cargos no banco para assumir uma posição global em um dos seus principais concorrentes, cumprindo o período de quarentena definido pelo banco”, completa a nota.

Eliseu Martins, sócio de Broedel e citado no caso, se declarou ‘estarrecido’ com a notícia e a situação.

Em posicionamento, declarou que ‘protesta de forma veemente contra as declarações e decisões do Itaú.

“Tenho uma vida profissional e acadêmica com conduta que pode ser verificada com centenas ou milhares de pessoas, muitas delas já havendo me declarado apoio e oferecido a chance de testemunho. Somente com o Itaú tenho uma vida de prestação de serviços há quase 5 décadas, passando por gerações de gestores”, disse.

O contador defendeu que os trabalhos prestados ao Itaú durante a gestão de Broedel ‘foram de pareceres técnicos e consultoria’.

“Há vários materiais suporte das consultorias que foram feitos sem formalidade, algo de que me arrependo agora, dada a má-fé da interpretação dada pelo banco. Trabalho com aproximadamente 6 outros colegas e temos inclusive a condição de só opinarmos verbalmente ou via parecer; assim, há opiniões que não geram parecer e não aparecem em qualquer documento. Mas são serviços efetivamente prestados, como todos os que fiz ao Itaú”, disse.

Martins ainda acrescentou que ambos ‘sempre fizeram pareceres para terceiros, às vezes assinando em conjunto e às vezes com ele sempre ajudando tecnicamente, como com outros colegas, com o faturamento por uma única empresa’.

“Houve pagamentos antecipados de pareceres pelo banco, tanto que formalmente declarei a necessidade de devolução dos valores relativos aos quatro ainda não emitidos, dado que não irei mais prestar qualquer tipo de serviço ao Itaú.Talvez influenciados pela perda de tão brilhante profissional, estão, no Banco, interpretando de forma totalmente incorreta o que de fato ocorreu. E, além de me envolverem para atingi-lo, cometem ainda o absurdo de envolverem meus filhos, que nada têm a ver com os fatos que o Banco relata e mal interpreta”.

Ação na Justiça

O Itaú já protocolou uma ação civil no Tribunal de Justiça de São Paulo acerca do caso, que começou a ser investigado em meados de agosto internamente, causou a destituição completa do executivo em setembro e foi tornada pública há poucos dias.

O banco tomou decisão de revelar o caso e tomar as medidas, pois os ocorridos contemplam repasses entre 2019 e 2024 – que foram descobertos após os repasses feitos em julho, após Broedel deixar o banco – e parte desses atos prescreveriam em questão de meses.

O tema foi discutido em assembleia interna do banco, e posteriormente foi publicizado por meio de atas que foram divulgadas em jornal de grande circulação.

Sem prejuízo e sem mudanças no compliance

Em comunicado sobre o caso, o banco declarou que “se trata de uma situação isolada e que não há prejuízo relevante à instituição”.

Os valores repassados são expressivamente menores do que as últimas linhas do balanço contábil da companhia, que lucro R$ 10,7 bilhões somente no terceiro trimestre deste ano.

“Ressalta-se, ainda, que seus balanços foram reavaliados pelo Comitê de Auditoria da Companhia e por consultoria externa e independente, a PWC, que certificaram a lisura e a ausência de impacto nas demonstrações financeiras e nos resultados do Itaú Unibanco”, diz a empresa, em comunicado.

Sobre mudanças internas por conta do caso – que configura conduta criminosa – o banco reafirmou que ‘o seu robusto ecossistema de políticas e processos de ética e conformidade permanecem íntegros’ e que não enxerga falha interna neste sentido.

“Com a devida tempestividade e transparência, o Itaú reportou o caso a todos os órgãos reguladores competentes. Por fim, declara que está ajuizando as medidas adequadas contra Broedel Lopes e o fornecedor para buscar o ressarcimento dos valores”.

Imagem do Itaú não deve ser arranhada

Segundo especialistas ouvidos pelo site IstoÉ Dinheiro, o impacto na marca e na imagem do banco é relativamente limitado. A tese é de que tanto este caso quanto o da demissão do antigo diretor de marketing (CMO) por mau uso do cartão corporativo são casos que ganharão a atenção de públicos extremamente específicos, como o mercado de capitais, acionistas do banco e afins.

Marcos Bedendo, professor de Marketing e Branding da ESPM, analisa que os casos ‘não impacta a imagem do banco para o grande público, tem mais a ver com a parte dos acionistas e do meio, porque passa longe da maioria das pessoas’.

A consultoria Kantar BrandZ elegeu o Itaú Unibanco como a marca mais valiosa do Brasil em meados de março, com uma avaliação de US$ 7,4 bilhões – ficando a frente de Brahma, Skol, Claro e Nubank, respectivamente.