08/09/2000 - 7:00
O cubano Félix Menendez, 57 anos, é cumprimentado pelo nome onde quer que vá na pequena cidade de São Gonçalo dos Campos, a 130 quilômetros de Salvador. Mas dificilmente consegue ser compreendido sem antes repetir por pelo menos duas vezes o que diz. É que mesmo depois de 21 anos morando no Brasil, ele não perdeu o sotaque e ainda usa o castelhano para se fazer entender. ?Papagaio velho não aprende a falar?, simplifica o cubano. Não foi só no idioma que Menendez se manteve fiel às raízes. Herdeiro dos criadores do sofisticado charuto Monte Cristo ? que está nas mãos do governo cubano desde 1960 ?, o ?seu? Félix decidiu dar continuidade à saga da família em solo brasileiro. Montou, na quente São Gonçalo, a maior produtora de charutos premium do País. São aqueles feitos com folhas inteiras e sem aditivos químicos. A Menendez & Amerino produz as marcas Alonso Menendez e Dona Flor. São 150 mil charutos por mês que saem das mãos das 280 baianas (as mulheres fazem o trabalho artesanal) para baforadas no Brasil, Alemanha, EUA e Canadá. Este ano, a empresa iniciou também a produção de cigarrilhas St James. A marca foi comprada da Souza Cruz.
A entrada no mercado de cigarrilhas e mesmo o lançamento do charuto Dona Flor, em maio deste ano, fazem parte de uma estratégia de diversificação ? a Menendez & Amerino não quer ser mais uma empresa de um produto só. Cerca de R$ 4,5 milhões foram investidos na reestruturação que começou no início do ano, quando metade do controle acionário foi adquirido pelo Grupo Multi, da Bahia. ?Estamos modernizando a produção sem perder o charme de uma marca de 21 anos?, diz Francisco Barreto, um dos novos sócios. Eles já tiveram um sinal de que onde há fumaça, há lucro. No primeiro trimestre, o faturamento cresceu 138% em relação ao mesmo período de 1999. Os valores ficam em absoluto segredo. ?Não queremos chamar a atenção dos concorrentes?, conta Barreto. ?Principalmente os internacionais.? E não há exagero nenhum nisso. O foco da Menendez sempre foi o exterior ? as exportações representam 60% da receita da empresa. O cuidado com o mercado externo é tanto que, a partir de novembro, será lançada uma marca voltada exclusivamente para os americanos: a Aquarius.
?Entre os fumantes brasileiros está perdendo força a idéia de que charuto bom é charuto feito em Cuba?, afirma Menendez. Basta dar uma olhada rápida nas prateleiras das charutarias mais famosas do País. O nacional ganha lugar de destaque, com a vantagem dos preços menores. Um exemplo: um cubano Sancho Panza Sanchos custa aqui R$ 39,00, enquanto que um Dona Flor, brasileiríssimo, não mais que R$ 12,00. ?Nosso desafio é mostrar que o charuto tem variantes de sabor como os vinhos?, explica Arturo Toraño, diretor da Menendez. ?E o produzido aqui tem muita qualidade.?
A região do recôncavo baiano produz fumo desde a época da colônia, quando as folhas eram moeda na troca por escravos. Hoje, é lá que estão as quatro únicas fábricas de charutos brasileiros (além da Menendez, a Chaba, Dannemann e Le Cigar). É claro, não foi a fama do fumo baiano que atraiu os Menendez até o Brasil. Certamente, se não fosse a estatização da indústria de fumo cubana em 1960, Félix Menendez jamais teria deixado seu país. Seu pai, Alonso, era dono da marca Monte Cristo, hoje considerada uma das melhores do mundo. Os Menendez chegaram a empregar 900 pessoas na produção de 26 milhões de charutos por ano. Félix nunca mais voltou para Havana. Seu primo, Arturo, voltou um ano depois para lutar, com metralhadora nas mãos, contra o regime comunista. Foi preso pelos soldados de Fidel e passou 22 meses numa fortaleza. Hoje, os dois não têm mais esperanças de retomar a vida e a fortuna que deixaram por lá. ?Uma coisa eu aprendi: com trabalho, tudo é possível?, assegura Menendez. Inclusive concorrer com a marca que ajudou a fortalecer. ?Não duvido que, um dia, venderemos mais do que o Monte Cristo.? Seria a vingança perfeita contra Fidel.