Parlamento Europeu rejeita moção de desconfiança contra Ursula von der Leyen em caso envolvendo falta de transparência na compra de vacinas na pandemia. Votação, no entanto, expôs o descontentamento de parte de sua base.A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, sobreviveu sem dificuldades a uma moção de desconfiança que foi à votação no Parlamento Europeu nesta quinta-feira (10/07), embora o episódio tenha exposto o descontentamento de parte de sua base e queixas sobre seu estilo de liderança.

Os parlamentares em Estrasburgo rejeitaram a moção com 360 votos contra, 175 a favor e 18 abstenções. O procedimento foi aberto por um eurodeputado ultradireitista da Romênia, que questionou a a forma como Von de Leyen lidou com contratos de vacinas durante a pandemia de covid-19.

“Em um momento de volatilidade e imprevisibilidade globais, a União Europeia (UE) precisa de força, visão e capacidade de agir”, escreveu von der Leyen, que não estava no Parlamento durante a votação, em postagem no X.

“Enquanto forças externas buscam nos desestabilizar e dividir, é nosso dever responder em consonância com nossos valores. Obrigada e viva a Europa”, afirmou a chefe do Executivo da UE após a votação.

Em discurso ao Parlamento no início desta semana, von der Leyen rejeitou a iniciativa como uma tentativa fundamentada em teorias da conspiração que visava dividir a Europa, criticando seus apoiadores como “antivacinas” e apologistas do presidente russo, Vladimir Putin.

Ela instou os legisladores a renovarem a confiança em sua Comissão, argumentando que era fundamental que a Europa demonstrasse unidade diante de uma série de desafios, desde as negociações comerciais com os EUA até a guerra da Rússia na Ucrânia.

Polêmica envolvendo compra de vacinas

A moção de desconfiança foi apresentada pelo eurodeputado romeno Gheorghe Piperea, que criticou a falta de transparência de Von der Leyen em um caso envolvendo trocas de mensagens de texto com o CEO da farmacêutica Pfizer , Albert Bourla, durante a pandemia, ainda durante seu primeiro mandato à frente da Comissão Europeia.

Uma reportagem do jornal americano The New York Times sugeriu que o contato pessoal entre Von der Leyen e Bourla teria sido fundamental para garantir o acordo multibilionário da UE para a aquisição das vacinas durante a crise.

O fracasso da Comissão em divulgar as mensagens – foco de vários processos judiciais – deu peso aos críticos que acusam Von der Leyen de falta de transparência e de centralizar as decisões.

Estas também são críticas frequentes de aliados tradicionais da chefe da Comissão, da esquerda e do centro, que, embora tenham apoiado amplamente von der Leyen, usaram a votação para expressar suas queixas.

Uma das principais reclamações de seus críticos diz respeito ao fato de o grupo de centro-direita de Von der Leyen tem se aproximado cada vez mais da ultradireita para promover sua agenda, principalmente, ao promover retrocessos nas regulamentações climáticas e de proteção ambiental.

Iratxe García Pérez, líder do bloco de centro-esquerda Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D), disse que o apoio do grupo não “significa que não criticamos a Comissão Europeia”. Sua guinada para a extrema direita foi “um grande motivo de alarme”, acrescentou.

“A moção de desconfiança contra a Comissão Europeia foi rejeitada por esmagadora maioria”, escreveu a líder centrista Valerie Hayer no X. “Mas nosso apoio a Von der Leyen não é incondicional.”

Ultradireita dividida

O ultradireitista romeno Piperea também acusou a Comissão Europeia de “interferência” na eleição presidencial da Romênia, que viu o nacionalista George Simion perder para o pró-europeu Nicusor Dan.

O pleito ocorreu após o Tribunal Constitucional da Romênia anular uma votação inicial devido a alegações de interferência russa e à promoção massiva do candidato da extrema direita nas redes sociais, que foi impedido de se candidatar novamente.

O desafio de Piperea foi apoiado por alguns grupos de esquerda e parte da extrema direita, incluindo o partido do primeiro-ministro nacionalista húngaro, Viktor Orban.

Contudo, o próprio grupo de Piperea, o Reformistas e Conservadores Europeus (ECR), estava dividido sobre a questão. Sua maior facção, o partido da primeira-ministra ultradireitista italiana, Giorgia Meloni, não apoiou a moção.

Derrota na votação forçaria a renúncia

Moções de desconfiança contra a Comissão Europeia são raras.

Trata-se de um procedimento existente em muitos regimes parlamentaristas, através do qual um grupo de legisladores exige uma votação para testar a confiança dos parlamentares na chefia de governo.

Em caso de aprovação, a moção de desconfiança pode resultar na queda de um governo ou de um governante. Se fosse derrotada, Von der Leyen e os 26 membros de sua Comissão teriam de renunciar.

De acordo com o serviço de pesquisas do Parlamento Europeu, nove moções anteriores foram apresentadas desde a primeira eleição direta para o Legislativo da UE em 1979.

A última delas teve como alvo o antecessor de von der Leyen, Jean-Claude Juncker, em 2014. Ela foi rejeitada por ampla margem. Apenas 101 legisladores apoiaram a moção, principalmente os eurocéticos, enquanto 461 a rejeitaram e 88 se abstiveram. A votação foi motivada por denúncias de supostas vantagens fiscais obtidas por grandes corporações internacionais em Luxemburgo.

Em 1999, a Comissão, sob a liderança de Jacques Santer, renunciou para impedir um voto de censura que se esperava que fosse bem-sucedido, em meio a acusações de fraude, má gestão e nepotismo.

rc (DPA, AFP)