As revoluções culturais e políticas foram lideradas por jovens. John, Paul, George e Ringo não tinham mais do que 24 anos de idade quando os Beatles saíram às ruas. Che Guevara desceu de Sierra Maestra aos 31. João Gilberto tinha 27 anos quando entrou num estúdio do Rio, em 10 de julho de 1958, para gravar ?Chega de Saudade?. Subvertera os acordes do violão para inaugurar a Bossa Nova. Em quase todos os campos da sociedade, a vitalidade dos hormônios recém-saídos da puberdade ajudou a mudar o mundo. Era preciso que ela desembarcasse também na cozinha. Chegou a hora. Nos EUA
e na Europa, e agora também no Brasil, a invasão da galera
jovem no forno-e-fogão dos melhores restaurantes já produz
uma interessante reviravolta gastronômica.

 

Em São Paulo e no Rio brotam novos endereços comandados por uma turma
que se habituou a mesclar temperos franceses com pitadas tailandesas. A
regra: adeus à gordura. Filhos da geração saúde, a substituem por gelatina. ?Não é preciso encher um risoto de queijo e manteiga para ficar bom?, resume a
carioca Ana Cristina Zambelli, de 30
anos, chef do Cantaloup, em São Paulo.

Diante da animação juvenil dos chefs bossa nova, cabe uma pergunta: de que modo o estilo de vida agitado desembarca nas refeições? ?Gosto de pratos com cores e temperos fortes?, diz Daniela França Pinto, de 27 anos, dona do paulistano Lola Bistrot, chef em parceria com Luiz Emmanuel. O colorido é reflexo dos próprios cozinheiros. Eles têm cabelos e roupas transadas e ostentam vistosas tatuagens. Usam bandanas em vez de chapéus de mestre-cuca. São quase todos de classe média ou alta. Poderiam estar atrás de pranchetas de arquitetura ou de guitarras elétricas. Preferiram escumadeiras. Extrovertida, de madeixas artificialmente vermelhas, Sandra Picos, do La Coruña, de São Paulo, não cria apenas pratos. Tratou da decoração do restaurante com flores e escreveu à mão cardápio por cardápio. ?Gosto de dar meu ar não só na comida mas também no ambiente?, diz Sandra.

 

Nouvelle Cuisine. É um novo cenário, a meio caminho da escassez bulímica da Nouvelle Cuisine e das porções pantagruélicas das tradicionais cantinas paulistanas. Trata-se de uma mudança que acompanhou, no Brasil, o movimento migratório rumo ao Sudeste e a montanha-russa da crise econômica. Nos anos 80, as cozinhas se tornaram palco de oportunidades para os nordestinos e pessoas humildes. A partir de 1990, com a inevitável abertura às exportações, as portas foram escancaradas à gastronomia internacional e aos vinhos de qualidade. Deu-se o fenômeno: os jovens de classe média alta aderiram à onda. Faça a experiência: em quase todas as cozinhas dos bons restaurantes, sobretudo aqueles inaugurados recentemente, o que se vê são filhos de famílias endinheiradas. ?Os jovens que estão na cozinha hoje têm muita competência e amor pelo que fazem?, diz Jorge Monte, presidente da Associação Brasileira de Gastronomia, a Abaga.

Numa atividade que exige o conhecimento de diversas cozinhas do mundo, é natural que a seleção do darwinismo econômico levasse à explosão de pessoas com bala na agulha para viajar. Foi assim que Pier Paolo Picchi, de 27 anos, entrou na profissão, até se tornar chef do Leopolldo Plaza, de São Paulo. Largou a faculdade de administração no segundo ano. Morou durante cinco anos na Itália. Trabalhou em Milão, Roma e Florença. Passou pelos restaurantes Gian Franco Nissani, Guido e Balzi Rossi. Depois viveu
na Espanha. Voltou ao Brasil com um currículo nobre. Nessa viagem de apren-
dizado, Picchi desembolsou dinheiro próprio em nome do prazer e de um resultado
muito claro: os bons chefs ganham entre
R$ 5 mil e R$ 10 mil mensais.

Como em tudo na vida, há quem se preocupe com a precocidade. O renomado chef Laurent Suaudeau assusta-se com a rapidez da mocidade no manejar de talheres. ?Acredito que além de uma boa formação acadêmica, e de cinco a dez anos de experiência prática, é necessário tino profissional?, diz. Onde buscá-los? A paulistana Bel Coelho, de 24 anos, foi a primeira mulher a estagiar com Laurent. Antes cursou a faculdade de gastronomia CIA (The Culinary Institute of America), em Nova York. É um ótimo caminho, além do treinamento em restaurantes renomados. Ali ela investiu US$ 40 mil ao longo de dois anos.

 

No Brasil, há um número cada vez maior de oportunidades. Já são sete boas escolas. A Universidade Anhembi Morumbi, em São Paulo, inaugurou seu curso em 1999. São dois anos para tirar o diploma e desembolso total de R$ 27 mil. Outra alternativa são os cursos rápidos para quem já tem bagagem prática. A Escola de Laurent, inaugurada em março do ano passado, tem um período mais curto de duração: um mês, por R$ 2.800.
?A escola de gastronomia é fundamental porque oferece disciplina e princípios?, diz Monte, da Associação Brasileira de Gastronomia. Disciplina, princípios e muita criatividade ? eis os segredos de uma geração que faz toda diferença na hora de matarmos a fome. ?Mas ainda temos muito a aprender?, diz Luciano Nardelli, de 25 anos, do A Figueira Rubayat. É uma postura saborosamente modesta em nome de um grupo que bateu no paladar do Brasil.