DINHEIRO – O sr. dividiu o Prêmio Nobel com o economista americano Robert Merton, em 1997, em razão de um novo método para determinar o valor de derivativos. O sr. acredita que esse método é ainda válido ou pode ser substituído por novos softwares?


MYRON SCHOLES ? Acredito que ele não pode ser substituído porque é bom demais. A primeira versão do trabalho é de 1970. A partir daquele momento, as instituições financeiras passaram a incorporar um método novo para a intermediação financeira. O método antigo é o que chamamos de tentativa de casar quem está disposto a comprar no mercado com quem está disposto a vender. Depois do nosso trabalho, bancos e corretoras de valores foram capazes de começar a desenhar produtos específicos, focados no que o cliente queria e não mais no produto que a corretora gostaria de vender. Isso realmente mudou a natureza das finanças ou de como o mundo da intermediação financeira funcionava. 

 

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“O Brasil tem de diversificar sua economia por meio de outras atividades, como o petróleo”

 

 

DINHEIRO – Algumas pessoas comparam o que aconteceu com o Long-Term Capital Management com a crise de 2008 em termos de má gestão ou de erros mal calculados. O que o sr. acha dessa comparação?


SCHOLES ? As pessoas podem comparar qualquer coisa, pois sempre é possível encontramos similaridades. Se o que aconteceu com o LTCM foi tão óbvio, por que as pessoas não aprenderam com o caso e o corrigiram para que não se repetisse? O LTCM foi inteiramente diferente da crise atual. Essa é uma crise global.    

 

 

DINHEIRO ? O sr. acredita que essa última crise global poderia ter sido evitada?


SCHOLES ? A pergunta mais correta seria: depois de tudo ocorrido, o que fizemos de errado? Aprendemos muito com as crises e com os choques. Mas, na área de finanças, sabemos que a inovação sempre vem antes das questões legais, de controle e de monitoramento, porque é muito caro construir todo esse aparato sem se saber se o negócio vai ter sucesso ou não. E foi isso que ocorreu no mundo dos derivativos de crédito, entre outros produtos estruturados. Muitos gestores seniores não tinham informação suficiente para entender o que estava acontecendo. Como resultado, as coisas foram ficando piores e piores até explodirem. A questão fundamental é por que esses gestores não pisaram no freio ou por que não se colocou mais dinheiro para construir essa infraestrutura necessária para monitorar ou controlar aquelas atividades. Logo, posso dizer que foi um grande aprendizado, pois no futuro esses produtos não vão crescer de modo tão drástico sem que as pessoas se perguntem se há infraestrutura por trás. 

 

 

DINHEIRO ? O que o sr. acha de uma regulamentação maior dos mercados?


SCHOLES ? Pensamos por um longo tempo que a regulamentação simplesmente não funcionava, que os reguladores eram lentos para reagir e que não adicionavam valor. Agora as pessoas dizem que os mercados não funcionam, que precisamos trazer de volta os reguladores. Mas isso é lógico? Não. Logo, não dá para voltar para algo que não funcionou no passado só porque temos problemas. Lembre-se do chamado ?flash crash? ? episódio ocorrido em 6 de maio, quando o mercado americano perdeu mais de 10% em poucos minutos sem justificativa. Tudo entrou em colapso. Minha corretora me dizia que eu devia US$ 250 milhões de margem no mercado futuro. Pouco tempo depois, tudo se recuperou e hoje ninguém sabe exatamente a causa.  A parte interessante é que há várias combinações que podem explicar esses eventos e é muito difícil se planejar para enfrentá-los. Nos mercados, se você tentar se planejar para cada evento, não faz nada. Certas partes do mercado falham. Devemos acreditar mais nos mercados funcionando do que em regulações e políticas dos governos. 

 

 

DINHEIRO ? E o que o sr. acha das reformas levadas a cabo na Europa e nos Estados Unidos? 


SCHOLES ? Sempre podemos estar bastante seguros, mas aí não faremos muitas coisas na vida. Há um equilíbrio entre segurança e realização. O que precisamos perceber é que, quanto mais as regulamentações querem tornar o mundo seguro, mais o mundo se torna menos realizador. Mercados vão se tornar menos eficientes, bancos não vão querer emprestar para consumidores, vão se passar anos até que essa regulamentação toda esteja finalmente acertada. Nos Estados Unidos, cerca de 211 regulamentações vão tentar ser digeridas nos próximos 16 ou 18 meses e a probabilidade de que isso realmente ocorra está perto de zero. O jogo é caótico. Acredito que ninguém realmente saiba o que causou a crise ou como prevenir outras. A sociedade deveria estar preparada para aceitar crises de tempos em tempos. É parte da natureza da sociedade. 

 

 

DINHEIRO ? Neste cenário, como o sr. vê os mercados emergentes? 


SCHOLES ? Os BRICs sempre procuraram orientação dos países desenvolvidos no setor financeiro e agora não estão nos levando mais tão a sério. Eles estão desenvolvendo seus próprios modos de pensar. E a diversidade é ótima. Acredito que não dá para seguir exatamente o que fazem os Estados Unidos ou a Europa porque as culturas, os modos de negociar e a comunicação são diferentes. Acredito também que a crise quebrou a correlação entre a economia norte-americana e a dos BRICs. Os Estados Unidos sempre foram os ?líderes?, mas a China, agora, está percebendo que tem que desenvolver o seu próprio consumo interno, seus próprios mercados, suas próprias inovações e criatividade e não ser uma espécie de enteado dos Estados Unidos. 

 

 

DINHEIRO ? Atualmente, o sr. tem um fundo de hedge sob gestão? 


SCHOLES ? Estou aposentado. Comecei a minha vida como uma pessoa da área de estratégia, desenvolvendo pesquisas, bastante solitário. No meu primeiro dia de trabalho me deram um pedaço de papel, um lápis e um pedaço de giz. Disseram: use o papel e o lápis para fazer pesquisa e o giz para dar aulas. Eu não tive de administrar nada. Isso é o trabalho de pesquisa, diferente de administração de recursos, da qual eu me aposentei no ano passado. Agora que estou envelhecendo, quero pensar sobre problemas, como essas questões econômicas, e escrever sobre eles. Pensar é divertido para mim. 

 

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“Ainda que Obama queira culpar Bush ou Reagan, é ele quem está no comando”

Barack Obama, presidente dos Estados Unidos 

 

 

DINHEIRO ? Se o sr. tivesse hoje um fundo sob gestão, recomendaria investir nos emergentes?


SCHOLES ? Claro! A intermediação financeira nada mais é do que entender o que as pessoas precisam e oferecer a elas o que precisam. Fazer dinheiro não é segurá-lo, mas saber movimentá-lo. 

 

 

DINHEIRO ? Quais são as suas impressões sobre a economia brasileira?


SCHOLES ? Acredito que o aumento de riqueza no Brasil tem ocorrido por conta do petróleo, das exportações agrícolas e de recursos naturais para o mundo todo. A questão fundamental agora é o que fazer com essa riqueza. O País deve decidir quais políticas fiscais e de reservas deseja ter. Em vez de replicar o que países desenvolvidos estão fazendo ou já fizeram, deve optar por inovação de produtos e serviços. 

 

 

DINHEIRO ? Qual a sua percepção sobre o interesse do investidor estrangeiro no Brasil? Essa maré boa brasileira vai se manter por algum tempo? 


SCHOLES ? Depende do crescimento da economia global. Se a Europa e os Estados Unidos demorarem a se recuperar, o preço do petróleo pode entrar em trajetória descendente, o preço das commodities também pode cair, assim como o dos minérios. Logo, o Brasil também tem de se preocupar em diversificar sua economia por meio de outras atividades, com base em princípios como inovação e sustentabilidade, se nåo quiser ter problemas daqui a algum tempo. As companhias devem ter a liberdade de se tornar grandes no Brasil sem ter um controle governamental sobre suas atividades. O governo deve deixá-las competir na economia global. 

 

 

DINHEIRO ? Como o sr.  vê as próximas eleições no Brasil?


SCHOLES ? Quando a economia vai bem, o partido que está no governo vai bem também e vice-versa. Nos Estados Unidos, por exemplo, os Democratas correm um grande risco de perder lugares no Congresso porque a economia não vai bem. Ainda que Obama queira culpar Bush ou Reagan pela dificuldade, é ele quem está no comando do barco. Ele gastou todo o seu capital político na aprovação da reforma da saúde americana e ainda conseguiu a aprovação de um pacote econômico grande, e parece não fazer nada com isso. Ele disse que fez muito, mas isso ainda não é visível. Resta ainda uma conta a pagar.

 

 

DINHEIRO ? O sr. acredita em um talento natural para se ganhar dinheiro? 


SCHOLES ? Aqueles que ganham dinheiro acham que têm um talento natural. Acredito que há sorte e habilidade, trabalho duro. Além disso,  é muito mais fácil fazer dinheiro quando o céu está azul do que em meio à tormenta. Logo, eu posso dizer que é uma mistura de sorte, habilidade e uma boa visão para ver as coisas de uma maneira que os outros simplesmente não conseguem enxergá-las.