Imagine a seguinte situação: as ações de uma empresa pequena, cujo produto mais importante são alicates de unha, que fatura R$ 363 milhões por ano, são mais negociadas do que os papéis da Petrobras, gigante com receitas de R$ 244 bilhões. Parece haver algo errado, não? Havia. Prova disso é que, na sexta-feira 30, o Ministério Público Federal no Rio Grande do Sul denunciou dez pessoas pelos crimes de formação de quadrilha e de manipulação do mercado envolvendo negociações com ações da Mundial, fabricante de produtos de beleza, talheres, tesouras e válvulas hidráulicas, com sede em Porto Alegre. 

 

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Michael Ceitlin: o presidente da Mundial e mais nove pessoas foram denunciados

pelo Ministério Público

 

Segundo a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que atua no processo como assistente de acusação, dois dos envolvidos – o presidente da companhia, o empresário gaúcho Michael Ceitlin, e o agente autônomo de investimentos Rafael Ferri, enfrentam uma acusação adicional: a do uso de informação privilegiada, o insider trading. As investigações do Ministério Público constataram que Ferri, com a ajuda de Ceitlin, teria se utilizado de informações relevantes antes que elas fossem divulgadas ao mercado, para obter vantagens nas operações com ações da Mundial entre 13 de dezembro de 2010 e 26 de julho de 2011. 

 

Segundo a CVM, além de penas de prisão, os denunciados, em sua maioria investidores gaúchos, podem ter de pagar multas de até três vezes o valor da vantagem ilícita obtida com a prática criminosa. A chamada “bolha do alicate” começou a ser notada pelo mercado na primeira metade de 2011. As ações oscilaram pouco nos três primeiros meses do ano e eram cotadas a R$ 0,24, mas dobraram de preço em março e continuaram sua trajetória ascendente até 17 de julho, quando atingiram sua cotação máxima de R$ 7,01 – uma alta acumulada de cerca de 2.800%. Em alguns pregões, o volume financeiro de negócios com o papel superou os da Petrobras e da Vale. 

 

Sem motivo aparente, a ação, até então desconhecida, passou a figurar entre as “Top 5” da bolsa. O volume era tão grande que alguns investidores chegaram a cogitar sua inserção no Índice Bovespa. Na época, o que justificava a alta era uma série de fatos relevantes. Depois de passar por sérios problemas financeiros e chegar a estar inadimplente no Refis, programa de refinanciamento de impostos federais, a Mundial começou a divulgar boas notícias, que iam da venda de imóveis para quitar os impostos atrasados, permitindo a captação de recursos do BNDES, até a perspectiva da injeção de capital por um fundo de private equity americano e a migração dos papéis para o Novo Mercado. 

 

Nenhuma dessas notícias divulgadas pela empresa se confirmou. No entanto, a maioria delas já era do conhecimento de Rafael Ferri – amigo próximo de Ceitlin, que comprava ações da Mundial por meio de um clube de investimentos que ele mesmo operava. Fazendo repetidas transações no mercado fracionário para inflar o volume, Ferri gerou uma elevação artificial dos preços. A bolha do alicate começou a estourar poucos dias depois do pico, no fim de julho do ano passado. Ferri, que adquiria ações no mercado a termo usando capital de terceiros, teve seu crédito cortado. Com isso, as ações desabaram, em três dias, de R$ 7,01 para R$ 0,94, uma queda de 87%. 

 

A baixa prosseguiu pelos meses subsequentes. No segundo semestre de 2011, os papéis acumularam uma perda de 93%, cotados a R$ 0,43 no final de dezembro. Em 2012, até a terça-feira 4, a perda já chega a 65%, com as ações valendo R$ 0,15 – uma fração do que valiam antes de os acusados começarem a inflar os papéis. O juiz Daniel Marchionatti Barbosa, da 1a Vara Federal Criminal de Porto Alegre, recebeu e aceitou a denúncia, afirmando que a mesma encontra-se regular. “Os fatos estão descritos com todas as suas circunstâncias, os acusados foram qualificados e o crime classificado”, afirma Barbosa, em sua decisão. 

 

Agora, os dez denunciados têm dez dias para responder à acusação e apresentar documentos e para sua defesa. Procurada, a Mundial se defendeu por meio de nota. Em um comunicado assinado pelo advogado Danilo Knijnik, a companhia garante ter “provas materiais contundentes que demonstram a mais absoluta correção, lisura e licitude dos procedimentos adotados por ela e seus diretores”. Além disso, segundo a nota, eles estão “convictos de que eventuais acusações envolvendo a companhia e/ou seus diretores serão fulminadas diante de sua improcedência”. Procurado, Rafael Ferri não atendeu os telefonemas nem respondeu os e-mails enviados.

 

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